UMA TRISTE CENA QUE
PODERIA SER EVITADA
A cena é deprimente, agride o próprio conceito de
civilização. São famílias no olho da rua depois de ser cumprida uma reintegração de posse. Estamos no inverno, chove com freqüência, faz
um pouco de frio, e havia crianças dormindo sobre colchões nas calçadas próximas ao antigo hotel ocupado por moradores de rua. Nem precisaria
acrescentar que as condições de higiene eram deploráveis.
Nenhum proprietário ficaria de mãos cruzadas vendo um
patrimônio seu sendo invadido. Nesses casos, a reintegração de posse é a medida
legal . Mas há na Constituição brasileira o conceito
de utilidade social da propriedade que, em alguns casos, pode ser alegado para disciplinar, ou impor limites ao Direito à
propriedade, que não deve ser interpretado como intocável dogma.
Casos assim, de gente procurando teto e sendo jogada nas
ruas, enquanto existem imóveis sem uso, se registram em Aracaju,
e , ainda mais nas grandes
metrópoles do mundo desenvolvido. Em São
Paulo, a coisa já se tornou freqüente e
a policia sempre entra em cena.
As cidades, tanto aqui
como alhures, foram estruturadas a partir de uma visão social excludente: ricos
de um lado pobres do outro. Só depois
de muito tempo os governantes, e os urbanistas, se deram conta de que a
segregação gerava um círculo vicioso
de aprofundamento das causas da pobreza.
Mas já era tarde, a população jogada para longe foi retornando ao lado dourado das cidades,
para instalar-se nas ruas, esmolando,
depois, conscientizadas, para ocupar imóveis abandonados, e , mais
recentemente, empunhando armas , para os assaltos hoje rotineiros.
Quando foram
derrubadas algumas palafitas na Favela
da Maré, na enseada da Atalaia, os moradores se viram transferidos para casas
lá longe, em Socorro. Conta-se que um dia, a hoje senadora Maria do Carmo,
então Secretária de Inclusão Social, encontrou um dos ex-favelados e perguntou-lhe como estava a sua nova vida,
morando em casa arejada e com água e luz. Ele respondeu: ¨ Eu agradeço Dona
Maria, mas minha vida piorou. Pobre cercado de pobre não dá certo, aonde a
gente vai trabalhar ? ¨ Registre-se, em favor de Dona Maria, que ela
foi sensível, mandou fazer casas de
alvenaria na própria favela. O problema porém só seria definitivamente resolvido por
Marcelo Déda , quando prefeito. Toda a favela da maré foi transformada. Criou-se
no local um novo bairro, com casas para os favelados, comércio, escola, posto de saúde. Tudo junto e integrado ao
bairro da Atalaia, onde há renda elevada e oportunidades de emprego. Esse modelo, em menor escala, foi iniciado por
Jackson, quando prefeito de Aracaju. Trata-se de um exemplo a ser seguido.
Depois do despejo
sumário de tantas famílias, e a exibição pública da nossa amedrontadora ferida
social, caberiam algumas perguntas: Antes da ordem do despejo, poderia o magistrado, ter promovido uma
reunião com representantes dos sem teto, da prefeitura de Aracaju a quem está
afeto o problema, também com
representantes do governo, na busca de uma solução ?
Não poderia também o
magistrado sugerir um aluguel social que seria pago ao proprietário do hotel, para
que lá permanecessem os ocupantes, com prazo marcado para uma solução definitiva ?
Como parece que prevaleceu na decisão a hermenêutica pura, o
grave problema foi desnecessariamente criado. As famílias foram jogadas nas
ruas. Seres humanos relegados à condição de animais.
Para completar, o comércio da área ficou inteiramente paralisado ,
as vendas que já diminuíam, naquele período despencaram e o transito
tornou-se complicado.