sábado, 19 de novembro de 2016

DITADURAS ESQUECIDAS E AGORA, ATÉ, DESEJADAS

Na Espanha, aquele outono de 1975 começara bastante friorento e mais intenso ainda na capital Madrid, sobre o altiplano onde se destacam as cumeadas da Sierra Nevada. No soturno e sombrio Palácio de El Pardo, o ditador Francisco Bahamonde Franco, depois de receber 38 litros de sangue para compensar a incontrolável hemorragia, começava a exalar um odor pútrido.   Um mês e meio antes, no dia da “Hispanidad”, 1º de outubro, ajaezou-se com o uniforme de capitão-general, envolveu-se num grosso capote e preparou-se para ir à Praça do Oriente, onde as hordas fascistas o esperavam para a comemoração. Já era quase um cadáver.

Ao preço sinistro de 600 mil mortos, a guerra civil espanhola terminara em 31 de março de 1939, com a vitória dos falangistas liderados por Franco, que tornou-se ditador, “caudillo por la gracia de Díos”, como logo foi intitulado.

O Papa Pio XII exultou com o banho de sangue, e telegrafou ao general vitorioso, associando indevidamente Deus, ao seu júbilo: “Erguendo o nosso coração para o Senhor, damos-Lhe com Vossa Excelência os nossos mais sinceros agradecimentos pela vitória da Espanha católica”. A “Espanha católica”, por obra e graça do seu ditador, com as graças de Deus, começou a ouvir dia e noite o detonar contínuo dos pelotões de fuzilamento, executando sumariamente mais de 150 mil prisioneiros.

Na Praça do Oriente soprava, vindo do norte, um vento gelado. O ditador tremia, os áulicos o amparavam, limpavam o catarro sanguinolento que lhe escorria da boca. A turba fanática uivava ao longo da praça extensa: “Não somos muitos, mas somos machos. Não queremos abertura, queremos mão dura”.

Pela última vez o feroz e vingativo ditador, ergueu o braço na saudação fascista, e, da curta arenga entrecortada pela tosse, conseguiu-se gravar de forma entendível, apenas uma frase: “Temos de exterminar a conspiração maçônico-esquerdista da classe política em contubérnio com a subversão terrorista e comunista”.

Três dias antes, 27 de setembro, o moribundo recusara-se a ouvir clamores do mundo e também um pedido do seu médico particular, o Dr. Puigvert, para que suspendesse a execução de cinco jovens, acusados de conspiração. Franco decidiu que seria daquela vez bonzinho, concedendo aos condenados o direito de escolherem como deveriam morrer: se pelo garrote vil (cruel instrumento medieval de tortura) ou por fuzilamento. Todos foram fuzilados. O “generalíssimo” espichou a sua vida infame até o dia 19 de novembro, quando a agência Europa Press anunciou ao mundo quase em euforia: “Franco morreu, Franco morreu, Franco morreu”.

Aquele bando desatinado que ocupou a Câmara dos Deputados, pedindo ditadura e implorando, a generais inexistentes, que cumpram a repugnante tarefa de instalar um regime de força, seria apenas um aglomerado grotesco e caricato, não fosse a lembrança aterradora de tantas tragédias que a História nos revela e, ao mesmo tempo, adverte.

Quando, na tarde azíaga de 13 de dezembro de 1968, o general-presidente Costa e Silva reuniu o seu ministério para anunciar a edição do Ato Institucional nº 5, um dos ministros, o coronel R/1 do Exército, Jarbas Passarinho, que era político, um homem culto e liberal, ao apoiar a edição do monstrengo, disse com ênfase: “Às favas com os escrúpulos”. Ou seja, admitiu que ditadura e dignidade humana são incompatíveis.

Mas há quem, até tendo escrúpulos, prefira em algumas ocasiões jogá-los ao lixo, ou às favas. O antídoto mais eficiente contra todas as formas de extremismo é a força da democracia. Todavia, para que exista essa força, os políticos, as instituições, se devem fazer respeitados.  Mas aí já é outra história.

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