sábado, 28 de maio de 2016

DEPOIS DA LAVAGEM EXISTIRÁ A REPÚBLICA?



DEPOIS DA LAVAGEM EXISTIRÁ A REPÚBLICA?

A República andava podre, contaminada por vícios, maus costumes. A República era um contubérnio de interesses escusos, talvez, melhor definindo, um valhacouto onde cevavam-se grupos que  disputavam a conquista do acesso aos cofres.
Não usemos, todavia, o tempo pretérito. A República não mudou com esse impeachment, o segundo, num período de 24 anos. Existe, agora, a constatação de que nada foi corrigido a partir de 1992, e que uma infinidade de coisas terão de ser feitas para que algo mude, para que a República se endireite. Não será este impeachment que causará a transformação, nem será a Lava Jato que nos criará um ambiente político isento à contaminação do desmando e do crime.
Evidente que a Lava Jato é um marco, um alerta, uma satisfação que a sociedade merecia ter. Todavia, não resvalemos mais uma vez no erro de imaginar que homens providenciais serão capazes, sozinhos, de corrigir definitivamente os descaminhos inúmeros da República.
Dirão: Mas o Juiz Sérgio Moro, os Procuradores, os Policiais Federais, agem com o respaldo firme da opinião pública amplamente favorável à Lava Jato. E a mídia também maciçamente os apóia.
No caso da grande mídia isso é relativo, o apoio existirá até quando alguns interesses específicos não forem ameaçados. Em relação à sociedade, nela destacando-se os setores empresariais, a classe média sempre inquieta e insatisfeita, e também uma parte do sindicalismo urbano, o apoio hoje existente sofrerá as mesmas variações apontadas no caso da mídia. As ações presentes da Lava Jato e outras idênticas, ao longo do tempo ficarão a depender das Instituições, dos políticos, (a menos que eles sejam retirados de cena, e no lugar deles viria o pior: as baionetas). O Brasil precisa de reformas que este Congresso jamais irá realizar e que Temer não irá fazer, devendo limitar-se a algumas medidas imprescindíveis no destroçado campo da economia, e a pontuais remendos, aceitáveis pelas facções que comandam o Congresso, das quais Eduardo Cunha surge como símbolo maior.
Percamos pois as ilusões de que a Lava Jato corrigirá o Brasil, embora, por certo,  aponte para um caminho correto, desde que destituída do sentimento salvacionista ou ingênuo, erradamente assumido pelos seus integrantes.
A Lava Jato faz exposta a República nas suas mais purulentas feridas, revela as suas vísceras, e essa parte, nunca em tempo algum, deixou de exalar seus odores característicos.
Não nos enganemos, e, por outro lado, não nos concedamos, egoístas, o direito de engavetarmos a esperança.
Como uma virtuosa Tocha Olímpica, a esperança deve ser conduzida através da História, e só nesse tempo, no tempo histórico, as utopias se tornam quase alcançáveis.
 Para que a Tocha da Esperança prossiga o seu trajeto é preciso que haja sobretudo, democracia, livre debate, liberdade plena de expressão, respeito aos que divergem, Justiça equidosa, normalmente incluída nos nossos hábitos, deixando de ser a  excepcionalidade que gera manchetes; eleições livres e continuadas, redução de privilégios em todos os setores, partidos políticos consistentes, e não apenas balcões de negócios.
Se isso fosse feito, teríamos uma República aproximando-se daquilo que Platão imaginara (tolerando, todavia, a existência de escravos).
Assim, dito de forma tão sintética, parece até fácil de fazer. Mas o sonho da “República virtuosa” é acalentado pelos séculos, e até agora, não houve ainda quem o realizasse.
Mas é preciso insistir nele. Assim, por que, no nosso caso, não pensarmos numa Assembléia Nacional Constituinte, dela excluindo todos os que estão no Congresso, ou nas Assembléia e Câmaras?
Só uma Constituinte independente poderá restituir credibilidade aos políticos e à política, e construir uma nova República, sobre os escombros desta, que desmoronou.

DO BRASIL DESCOBERTO AO BRASIL POR FAZER



DO BRASIL DESCOBERTO AO BRASIL POR FAZER
Não há uma data para a fundação do Brasil. Existe, todavia aquela, agora esquecida do 22 de abril, em que a terra foi descoberta pelo navegador-almirante de “mar largo” Pedrálvares Cabral. Mais do que o registro nos esquecidos compêndios, ou no ecoar distante dos discursos empavonados naqueles idos em que ainda se registrava a “data magna da nacionalidade”, restou-nos a facécia solta  do “Samba do Crioulo Doido”.
Temos percorrido a História naquele andar despreocupado com a “terra descoberta” e ainda não fundada. 
Na terra descoberta por acaso, temos construído uma História pontilhada de acasos. É preciso que nos livremos deles.
Um País, uma Nação, não se constroem com ou por acasos. Da descoberta por acaso, sucederam-se os acasos. Um deles, a vinda da família Imperial em 1812, tangida pela evidencia nada casual das tropas napoleônicas que avançavam esfarrapadas e famintas. O Brasil avançou em consequência da circunstancia fortuita do acaso.
Veio a Independência, o grito ocasional de uma indignação não reprimida do Príncipe regente português. E assim deixamos de ser Reino Unido a Portugal e Algarves, nome bonito para uma situação subalterna de colônia.
Nos deram a República, e ela veio também num acaso que juntou as elites escravocratas com raiva da abolição aos militares insatisfeitos com os baixos salários. Daí por diante seguem-se os episódios ocasionais. E eles continuam até hoje.
Não há, todavia, acasos. O erro consiste em admiti-los como fatos geradores da trajetória de um povo. Da mesma forma que não houve acaso na “descoberta” do Brasil, que foi o resultado de um projeto do qual a Escola de Sagres do Infante Dom Henrique se tornou símbolo, não há acasos no evoluir da nossa História, desde Colônia a Império e República. Quando enxergamos acasos, é tão somente porque nos descuramos de traçar um projeto para o Brasil. Somente em raros instantes da nossa História, a idéia do acaso foi substituída por uma determinação, uma meta, e a política transformou-se no instrumento para alcançar o objetivo. Nesses momentos tratou-se da Fundação do Brasil. Essa Fundação está deploravelmente incompleta, e este momento de crise e de vergonhas expostas, poderia ser o instante exato para trocarmos o acaso que nos avilta como Nação, pela solidez de um projeto nacional, isento das marcas sórdidas de tudo o que estamos vivendo, e de tudo o que nos levou a essa realidade decepcionante.

ENTRE HAVANA E CURITIBA



ENTRE HAVANA E CURITIBA
O turista chega a Havana. Dois dias depois seria o Natal. O ano 1989. Havia uma tempestade político-social no leste europeu.  Há um mês caíra o Muro de Berlim e os alemães do leste e oeste encontravam-se. A onda libertária varria os chamados “países satélites”. O colosso soviético estava ameaçado. O turista ainda acreditava que em Cuba, apesar do inicio sangrento da revolução, da dureza do regime, alguns traços igualitários do socialismo poderiam ser preservados, até porque não havia, como ele constatara dez anos antes na Alemanha Oriental, na Tcheco-Eslováquia, na Polônia, a presença ostensiva de uma magnitude do Estado opressor e onipresente. Contrastando com a frieza taciturna de alemães do leste, de polacos e tchecoeslovacos, o povo cubano era tropicalmente diverso e alegremente “salseiro”. As crianças bem fardadas e alimentadas tinham um aspecto saudável, não se enxergava a degradação da miséria em nenhum subúrbio da capital. Na manhã do Natal o turista vai assistir Missa na Catedral de Havana. A Missa do Galo era matutina. Na imponente igreja havia umas duzentas pessoas, quase todas idosas, mas, por perto não se notava sinal de repressão. O turista viu naquilo um bom sintoma. Antes, na Tcheco-Eslováquia, tentara visitar a igreja onde estava o Menino Jesus de Praga e a encontrou fechada. Descobriu o pároco, um francês que morava ao lado, e quase implorou para que ele abrisse  a igreja. Ele o fez constrangido, explicando que o Estado determinava com rigor o dia e a hora para as práticas religiosas.
No dia seguinte o turista tomou a estrada, viajando num automóvel brasileiro com a mulher, para percorrer o interior da ilha. Tanto ele como ela, na juventude, militantes de esquerda e ainda mantendo convicções essenciais sobre justiça social e a liberdade, tentavam buscar desculpas para o regime cubano.
No começo da estrada veio rápida a decepção. Um imenso outdoor exibia o apelo degradante: “Sea  los ojos e los oídos de la revolucíon”.
“Seja os Olhos e os Ouvidos da Revolução” a frase iníqua, o estímulo à invasão da privacidade, da liberdade, da dignidade alheias, para descobrir dissidências, idéias contrárias ao regime, simples atitudes que dessem motivo à delação sórdida. E isso era transformado em tarefa nobre pelo Estado.
O delator, certamente seria coberto de homenagens, se transformaria em “herói da Pátria”, o delatado iria acomodar os ossos na pedra fria do cárcere. O turista pensou: Que pátria é esta que transforma abominação em virtude? Que regime é este que faz da felonia covarde um ato meritório?
Coisa semelhante ele já vivera no Brasil, quando a chamada Revolução Redentora de Março, estimulou e deu crédito amplo aos “dedos-duros”, aqueles que se prestavam para a ignomínia da delação, sempre recompensada.
Voltou triste a Havana para ouvir, numa rádio estrangeira que sofria interferências prejudicando a transmissão, a notícia de que na Romênia o ditador Ceausescu a sua mulher e filhos haviam sido fuzilados pela turba raivosa que invadira o seu palácio, e lá encontrara banheiras de ouro maciço usadas pelo casal. Em Cuba toda a mídia estatal silenciava sobre o que acontecia no leste europeu.
O turista tornou-se um velho um tanto cético, todavia, ainda apegado a valores sem os quais ele considera que a própria vida se deteriora, e perde sentido. Por isso, ouviu com nojo e repugnância a noticia de que as delações de um indivíduo acanalhado, o ex-senador Sérgio Machado, posto na PETROBRAS para cumprir tarefas escusas, livrou-se da cadeia usando do expediente abjeto de gravar conversas com amigos, os quais procurava para conversar, e depois levou as gravações aos integrantes da Lava Jato. Ao turista que se decepcionou com Cuba, e agora, já velho, também anda decepcionado com tantas coisas, o acolhimento de canalhices não parece ser o caminho correto para que se faça a Justiça que todos os brasileiros esperam.
Com a palavra o Supremo Tribunal Federal.

HUNALDINHO, O AFÁVEL POETA



HUNALDINHO, O AFÁVEL POETA
Hunald Alencar, Hunaldinho sempre, para todos os seus tantos amigos, era um ser humano que carregava a essência espiritual do bem. Homem afável, simples, inimigo de protocolos e vaidades, era repleto de saberes e iniciativas. Advogado que nunca quis advogar, professor por toda a vida, era no Brasil um dos maiores conhecedores da língua portuguesa, também, um dos seus grandes poetas. Fez teatro, sendo ator e teatrólogo. Escreveu peças comparáveis aos seus poemas.
Hunaldinho andava ultimamente muito triste. Aos 72 anos tinha uma aposentadoria irrisória. Descuidou-se da carreira acadêmica, não fez doutorado ou mestrado, por isso, não permaneceu na cátedra da Universidade. Fechou, por não mexer bem com finanças, o bem sucedido curso de português particular que criou.
O desembargador Luiz Mendonça o convidou para ser, no Tribunal, um revisor de textos, e ele tranquilizou-se por algum tempo, mas, veio a determinação do Conselho da Magistratura para afastar a todos os contratados com mais de 70 anos e aposentados. O conselheiro Carlos Pinna o levou para o Tribunal de Contas, onde não havia a restrição para exercer o mesmo oficio, e ele lá ficou até o término do mandato de Pinna como presidente. Quase se fixou em Canindé, entusiasmado que estava como professor do curso de excelência em português e matemática que o município manteve até que sobreviesse o desastre da queda de 40% na arrecadação, consequência dos erros clamorosos ocorridos no sistema elétrico, causando a redução do ICMS pago pela Usina Xingó. O poeta refugiou-se na sua poesia e continuou criador e criativo, mas, a ânsia das contas avolumando-se de mês a mês o torturava, e talvez essa tortura o tenha levado ao infarto fatal.
Destino ingrato para um intelectual que além das glórias acadêmicas, necessitava, pelo menos, do reconhecimento ao seu valor, à sua importância como ator social atuante, que sempre depositou na  arte a crença de fazê-la instrumento da evolução do povo.

O PROCURADOR HELI NASCIMENTO



O PROCURADOR HELI NASCIMENTO
Heli Nascimento foi, por toda a vida, uma pessoa extremamente reservada e discreta. Isso, desde os tempos de estudante quando também ajudava o pai, atendendo no balcão da Livraria e Papelaria Nascimento. Como os demais irmãos e irmãs, todos se encaminharam para as poucas faculdades que então existiam em Aracaju ou foram buscar o diploma superior em outras cidades ou o oficialato nas Agulhas Negras. Sobre o depois íntegro e diligente Procurador de Justiça que foi Heli Nascimento, o ecrevinhador sente-se devedor de um público depoimento pessoal, fugindo, assim, à impessoalidade com que sempre procura traçar estas linhas.
Numa tarde de 8 de dezembro de 1972, feriado santo em Aracaju, o escrevinhador dormia  em sua casa na então quase deserta Atalaia, após uma caranguejada regada a cerveja. A esposa o acorda para informar-lhe que havia, na porta, uma patrulha da Marinha para levá-lo até a Capitania dos Portos, convocado pelo Capitão de Corveta Eduardo Pessoa Fontes. Antes mesmo de levantar-se a patrulha armada já estava no seu quarto, e o escrevinhador foi posto num Jeep, todavia sem mal tratos ou sequer ofensas verbais. Além do constrangimento pela situação insólita, não houve maiores contratempos até o ingresso na sala onde se encontrava o Capitão dos Portos. O militar estava na cabeceira de uma mesa, parecia presidir mais uma reunião da tenebrosa Comissão Geral de Investigações, um poder discricionário que o regime militar atribuíra à Marinha de Guerra. À mesa estavam alguns oficiais e os promotores Heli Nascimento, Carlos Leite, e o contador Poconé, todos, retirados de suas atividades normais, e convocados para integrarem a temida CGI. Quando o escrevinhador devidamente escoltado transpôs a porta da sala, o Comandante contra ele investiu aos gritos, o segurou e ameaçou espancá-lo. Foi quando o promotor Heli Nascimento levantou-se da cadeira e colocou-se entre o escrevinhador e o militar, logo depois sendo seguido pelo promotor Carlos Leite.
Gestos assim, que hoje pareceriam comuns e até indispensáveis, diante de tais situações naqueles dias, seriam impensáveis se partidos de pessoas que estavam subordinadas a uma autoridade militar. O promotor Heli Nascimento ao ouvir um dia o agradecimento do escrevinhador, disse que nem mais se recordava do gesto, o que era mais uma demonstração da forma exemplar como desempenhava suas funções.