quarta-feira, 20 de abril de 2011

QUANDO MATARAM PITITÓ


Nos anos cinquenta e começo da década dos sessenta, quando findou-se  sua breve existência, Pititó era, em Sergipe,  nome  pronunciado com  o recato que se  se tem ao verbalizar palavras que nos metem medo. E Pititó metia medo, muito medo, na polícia, inclusive. Filho de um pecuarista que se tornou usineiro, Pedro Ribeiro, homem honrado que fez fortuna com muito trabalho, Pititó receberia a mesma educação dos irmãos e irmãs mandados a estudar internos em bons colégios de Aracaju. Mas as carteiras escolares lhe foram incômodas, nelas não conseguia sentar-se sem pensar na sela de um cavalo, onde acomodava-se seguro e dominador, lidando com gado, despejando-se nas correrias pelos pastos. Com a mesma destreza como cavalgava e derrubava bois, passou a manejar revólveres, pistolas, espingardas, e rifles. Sua pontaria era excepcional.  Sobre um cavalo a galope, disparava tiros sucessivos em garrafas de cerveja colocadas ao longo da corrida, e em quase todas acertava.
 Gênio impulsivo e violento, desentendia-se facilmente, e era muito sensível a qualquer coisa que pudesse interpretar como ofensa.  Matou o primeiro e não parou mais. Vivia entre as fazendas do pai, a usina Várzea Grande em Capela, os bares e os cabarés de Aracaju. Não tinha pistoleiros a acompanhá-lo como guarda-costas. Quase sempre, sentava-se a um canto, de costas para a parede, e parecia elétrico. Poucos costumavam fazer-lhe companhia, mas, quem chegasse à sua mesa ele recebia com amabilidades de um gentleman. Não fosse a fama, ninguém imaginaria que ali pudesse a qualquer momento despertar uma fera.  A cabeça rodava de um lado para outro, como se estivesse tentando localizar alguma coisa ao seu redor, enquanto acariciava, tanto as prostitutas que  o cercavam, como o revolver 38 e a pistola 9 milímetros que carregava na cintura  ao alcance das duas mãos.  E a volúpia em cada caso parecia ser a mesma. Atravessado às costas, por baixo da camisa, tinha um punhal.
 Cumpria sempre um invariável roteiro entre os cabarés Shangay,  ShelL,  Mira-Mar, e terminava a noite no Brahma Bar, comendo filé com fritas.  Tanto aqueles cabarés como o bar da madrugada, eram frequentados assiduamente por policiais, alguns com fama de violentos, mas Pititó nunca era incomodado. Poderia tudo isso, configurar uma prosaica existência boêmia, não fosse pontilhada por enfrentamentos, nos quais, a rapidez no gatilho, a precisa pontaria e a frieza de Pititó iam fazendo dele um homem cada vez mais temido e também odiado por muitos. Pititó não era um pistoleiro no sentido comum da palavra. Não alugava o seu braço para matar, nem pagava a pistoleiros para que matassem.  Quando Leandro Maciel assumiu o governo, o seu Secretário da Segurança Pública Heribaldo Vieira entendeu que Pititó era uma ameaça que precisava ser contida, e a policia começou a caçá-lo depois que a Justiça contra ele emitiu uma ordem de prisão. Havia quem identificasse por trás daquela súbita mudança de comportamento da polícia, motivações marcadamente políticas, porque o usineiro pai de Pititó era amigo e eleitor de líderes pessedistas, que  haviam perdido o governo, derrotados pelos udenistas.  Pititó passou a viver em Serra Negra sob a proteção de João Maria de Carvalho, e, dizia-se, mais ainda, do seu irmão, o general de exército Liberato Carvalho, homem que caçou o bando de Lampião, participou da revolução de 30, e era fraternal amigo do poderoso tenente Juracy, vice - rei da Bahia. Tendo suspeitado, certa vez, que Pititó poderia estar na usina Várzea Grande, do seu pai Pedro Ribeiro, uma volante policial foi organizada para ir prendê-lo, Não o encontrando, depredaram a casa grande, metralharam paredes, portas, janelas, móveis, até cachorros, gatos, e um infeliz papagaio.  O louro, talvez primeiro e único a ser alvo das metralhadoras, ficou destroçado num monte de penas verdes sobre o ladrilho branco ensanguentado da imensa cozinha. Depois, outra volante policial, dessa vez recheada com muitos pistoleiros famosos, atravessou as caatingas sergipanas e baianas, para ser surpreendida por Pititó à frente de um pequeno grupo. A volante retornou desfalcada e desmoralizada a Aracaju.  Depois disso, correu a noticia de que uma outra e mais poderosa volante seria mandada a Serra Negra, dessa vez,  para matar Pititó, decepar-lhe a cabeça,  que deveria ser trazida a Aracaju como troféu e prova definitiva de que o temido homem estava mesmo morto. Quando soube que a volante estava prestes a ser despachada para a macabra empreitada, Pedro Ribeiro  colocou na camionete Fargo que costumeiramente usava, uma metralhadora Thompson, e foi à casa do amigo e compadre, o jornalista e promotor público Paulo Costa. A conversa não foi longa, mas, foram muitos os  fumarentos charutos  que nervosamente Pedro Ribeiro consumiu em tão pouco tempo. Disse que não tinha dúvidas de que o seu filho seria morto violentamente, pelo modo de vida que ele escolhera, e que a Justiça e a polícia cumpriam o seu o papel ao tentar prendê-lo, mas, não admitiria que depois de morto lhe decepassem a cabeça. Se isso acontecesse,  ele se consideraria ofendido como pai, e teria de usar a metralhadora contra as autoridades responsáveis pela ordem de decapitação. Sabia que seria morto, e pedia ao amigo que cuidasse  de fazer cumprir o inventário que ele já teria feito e assinado. Paulo Costa pediu-lhe calma, enquanto tentaria fazer proveitosos contatos. Conversou com algumas pessoas, narrou o ato de desespero que o pai cometeria, caso Pititó tivesse cortada a cabeça. A volante não se deslocou para o sertão.  Tempos depois, Pititó voltou a aparecer em Aracaju, no interior, envolveu-se em novas refregas sangrentas, matou um policial, e aí tornou-se inimigo número um da policia militar, que decidiu exterminá-lo.  Uma patrulha comandada pelo sargento Sobral o  surpreendeu num cabaré em Carmopólis. Ele foi atingido por vários tiros de revolver e fuzil, o irmão, Pempo, que estava com ele, conseguiu fugir. Pititó cambaleou até a porta e caiu no meio da rua, agonizando, mas investindo contra os policiais,  tentando retirar das costas o  seu inseparável punhal. Os soldados o cercaram e dispararam vários tiros à queima roupa, até se certificarem de que ele estava efetivamente morto. Por esse tempo Pedro Ribeiro já se desfizera da metralhadora Thompson. Acontecera o que ele esperava, e até considerava normal, diante da vida e da fama do filho morto.
O velório foi realizado na casa da família, aquele casarão na esquina de Gerú com Santo Amaro onde hoje funciona a Federação da Agricultura. A família Ribeiro sempre teve poder, posses e muita influência política. O usineiro Pedro Ribeiro era meio irmão do ex-deputado estadual Rosendo Ribeiro e do ex-prefeito de Lagarto, Jose Raimundo Ribeiro, o Cabo Zé. Nem o pai, nem os tios, nem os irmãos, Idélio e Pempo, imaginaram qualquer forma de vingança, admitindo que quem escolhe a violência, sempre terá um fim violento e isso era o que todos esperavam  que acontecesse com Pititó.
 Os policiais que mataram Pititó continuaram sossegados as suas vidas. O sargento reformado da PM, Sobral, que comandou a patrulha, bem idoso, vive hoje cuidando de uma pequena propriedade em Canindé do São Francisco. Recebe quem chega à sua acolhedora casa no povoado Capim Grosso, com uma xícara de café bem quente servido pela sua atenciosa esposa, mas, é preciso vencer-lhe uma enorme resistência para que ele admita relembrar daquele episodio em Carmópolis.      

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