A SECA DE CHUVA E
A SECA DE IDEIAS
A SECA DE IDEIAS
Quem trafega pelas estradas que cortam
ou margeiam o Raso da Catarina, poderá dedicar-se a um entediante e
constrangedor exercício: a avaliação do tamanho dos prejuízos
causados pela seca, isso, se estiver disposto a contar as carcaças de gado que
se enfileiram jogadas aos lados das rodovias. Depois de rodar uns
50 quilômetros, nosso memorizador de cifras letais terá, certamente,
contabilizado dezenas de cabeças de animais mortos. O
Raso da Catarina fica no nordeste baiano, tem cerca de 5 mil
quilômetros quadrados, abrangendo a maior parte dos territórios de
Jeremoabo e Paulo Afonso. Seria ele a expressão maior do ¨deserto brasileiro¨,
aqueles trechos do nosso semiárido onde a chuva se mede, anualmente, em torno
de 400 a 500 milímetros. Há, na Paraíba, o sertão de Taperoá, onde a chuva cai
menos, mas, trata-se de área de tamanho reduzido.
Nada assustador. No norte da África e
num pedaço da franja mediterrânea europeia, mais exatamente nas espanholas
Andaluzia e Catalunha, planta-se e colhe-se em profusão, e a pluviosidade é
menor do que no semiárido brasileiro.
Quem primeiro revelou ao Brasil o Raso da
Catarina, foi Euclides da Cunha, quando o atravessou em demanda a
Canudos, Ele seguia, como correspondente de guerra, a quarta
expedição do exército brasileiro que arrasou o resistente e heroico
arraial de Antônio Conselheiro. Euclides foi o primeiro a observar
que a descontinuidade das chuvas, com o pico ocorrendo em curtos períodos,
gerava a aridez, acentuada pelo solo cristalino e irregular, onde,
nas grandes trovoadas, as águas escorrem rápidas em correntes torrenciais, logo
deixando vastas bacias de rios transbordantes, pouco tempo
depois, inteiramente secos.
Quando o regime militar pretendeu cometer o
desatino, de construir a bomba atômica brasileira, suspeitou-se que o
lixo atômico viria a ser despejado em buracos no meio do Raso da
Catarina, porque ali estaria para sempre isolado , sem o risco de contaminar
aquíferos.
Mas, voltando aos bois, ou melhor, às suas
carcaças, é oportuno lembrar que ao lado das estradas, vêem-se
também uma sucessão de poços artesianos.
Ou seja, do fundo do nosso ¨deserto¨ jorra água doce.
No Raso da Catarina, Lampião ficava bem protegido
das volantes. Nele, nos galhos de uma desfolhada braúna, ficou
dependurado o desidratado cadáver do coronel Moreira
Cezar, o ¨corta-cabeças ¨ assustadora visão da múmia dentro do
despropósito de uma farda inadequadamente colorida.
Aqui, o Raso da Catarina entra como
contradição e paradoxo, podendo servir de paradigma a todo o
sertão, abarcando o semiárido. No Raso, agora já se sabe,
existe um manancial imenso de água subterrânea. Ali, o açude de Cocorobó
represou as águas escassas da bacia do Vasa Barris. No seu entorno
há bananais imensos irrigados. Em diversos pontos a caatinga foi substituída
por florestas de algarobas, que alimentam os rebanhos, e delas se retira
madeira legal. Em Uauá, Chorrochó, Canché , Euclides da Cunha, há
rebanhos numerosos de cabras, para as quais o semiárido é o próprio paraíso.
ONGs, honestamente organizadas, produzem doces, geleias, licores de
umbu, mel em profusão. No meio do Raso há vida ativa, economicamente
produtiva, como de resto em todo o semiárido, mas, restrita às
experiências pontuais, que não são replicadas por toda a extensão do ¨deserto¨.
Por isso o gado morre de fome e sede depois de dois anos sem chuvas.
O problema não está na aspereza do meio, a seca
devasta, todavia, pior do que ela, são cabeças afetadas pela secura de ideias.
Há, exatamente agora, uma epidemia grassando
na cabeça dos nossos políticos.
Se já não havia muita disposição para tratar dos
nossos avassaladores problemas, de debruçar-se, sobre as
desditas do nosso falso ¨deserto ¨ nordestino, agora, com a fixação
em 2014, a prioridade absoluta é para o marketing, o que significa dizer, para
o tratamento superficial e oportunista da realidade , e a exclusão de tudo
mais que não renda votos.
Por isso, muito pouco se fala sobre a seca, esta
clamorosa estiagem, que, ao longo de 10 anos deixará seus efeitos
sobre a economia nordestina.