De Aracaju a Goiânia lá se vão
cerca de dois mil quilômetros. É um longo estirão, mas, se percorrermos a
distancia entre Boa Vista e Porto Alegre serão quatro mil.
O Brasil é essa imensidão, de terras, de sucessos, e também de enormes desacertos. Dois episódios, revelações dos nossos
desacertos, nesses últimos dias, interligaram de forma desprimorosa Aracaju a
Goiânia. Aqui, enquanto nas penitenciárias
e delegacias aglomeram-se míseros
traficantes flagrados com umas trouxinhas de maconha, saíram,
sorridentes, dos presídios onde passaram menos de quatro meses os
italianos Davide e sua namorada Giorgia
. Eles transportavam trezentos e dez quilos de
cocaína pura, ou seja, uma carga
avaliada em portentosos milhões de reais Agora, com seus passaportes
outra vez nas mãos, viajam para aonde
quiserem ir. Certamente voltarão para outras
velejadas pelas costas brasileiras. Aqui, eles têm a certeza de que se outra vez o barco
encalhar levando centenas de quilos de cocaína,
de novo conseguirão ¨provar a inocência¨. Essa ¨prova de inocência ¨é sempre quase impossível para os pobres. Quem quiser ter sucesso traficando droga e garantir a liberdade caso venha a ser preso, tenha vergonha na cara, não ande por aí com poucos papelotes de
cocaína. Compre um veleiro, saia pelo mundo, de preferencia pela enorme
extensão de absoluta impunidade que existe no Brasil. E boa viagem. Em Goiânia, Carlinhos Cachoeira, ponta de um iceberg do crime organisadíssimamente agindo junto aos cofres públicos e aos seus
gestores, debochou , e fez do que seria
um depoimento, a melhor ocasião para
declarar seu eterno amor à namorada. Despreocupadamente romântico, Cachoeira
a ela propôs casamento. Isso
aconteceu naquele local antes
cerimoniosamente chamado de ¨excelso pretório , ¨ um Tribunal de
Justiça. Diante de Juizes e promotores
Carlinhos Cachoeira encenou uma
deplorável ópera bufa de afrontoso achincalhe à Justiça. Nada lhe aconteceu. Essa despreocupação dos bandidos, talvez
explique a ousadia que cada dia eles mais demonstram. Existem hoje no Brasil mais de quatrocentos magistrados e promotores
que, ameaçados, são obrigados a andar protegidos por seguranças armados.
A essa boa hora o casal de traficantes italianos,
traficantes sim, eles não são outra coisa, já deve ter saído do Brasil. Aqui,
valeram os argumentos da defesa, e,
desafiando todas as circunstancias que deixam evidente o crime, o casal
foi beneficiado por uma decisão judicial que já provoca indignação nos
presídios, onde mofam traficantes pés de chinelo, que não têm veleiros , nem podem dispor de
uma carga tão vistosa de cocaína. Neste JORNAL DO DIA de domingo passado, dia 22, o
jornalista Cristian Góes, atento
defensor da cidadania, revelou em sua coluna, que o Davide Migani, comandante do veleiro do pó, tem passagens
pela polícia italiana. Ele figurou num
processo ao lado de dois irmãos que são elementos de proa no tráfico
internacional de drogas, e já foi preso, numa das vezes, guardando em casa 50 gramas de haxixe.
O comandante do veleiro tem um rastro de
evidencias que o relacionam diretamente ao tráfico, mas aqui foi absolvido , porque ¨pairavam duvidas sobre a conduta dolosa
¨. Cristian Góes encontrou num jornal da cidade italiana de
Bolonha, minuciosa matéria escrita pelo
jornalista Raimondo Baldone, com detalhes suficientes para afastar todas as possíveis dúvidas . Mas agora é tarde, o traficante internacional está livre.
Em sintonia com aquelas ¨dúvidas
¨que beneficiaram o sortudo e
protegido traficante velejador italiano,
por que não soltamos todos os bandidinhos
sem sorte, desprotegidos, condenados e presos que nunca tiveram sequer uma canoa para
navegar com a sua droga ?