O ESCÂNDALO DO PANAMÁ
E OS NOSSOS ESCÂNDALOS
A primeira tentativa de
construção do Canal do Panamá, entre 1880 e 1889 fracassou, e o caso gerou um escândalo de
tamanhas proporções que o substantivo transformou-se em adjetivo, para classificar
assaltos aos cofres públicos ocorridos, desde então, em qualquer lugar do
mundo. Só que a denominação Panamá é absolutamente descabida, e também injusta,
por colar a pecha de corrupto ao pequeno país que entrou na estória apenas por um condicionamento geográfico.
O Panamá é um istmo ligando dois continentes e separando dois oceanos.
Exatamente por isso foi escolhido
para nele ser rasgado o canal entre
o Atlântico e o Pacífico, reduzindo-se o
tempo e o custo de uma extensa navegação contornando o continente sul
americano.
Fernando de Lesseps com a fama de
ter sido o construtor do Canal de Suez, inaugurado em novembro de 1869, queria reeditar a façanha dez anos depois , e lançou a idéia de um novo
canal, desafio ainda maior à engenharia
da época, e uma convocação aos
financistas franceses, deprimidos com a drenagem de recursos para pagar
pelo retorno de um pedaço da França ocupado, após a derrota na guerra travada
com a Prússia. Além da guerra perdida, os franceses recuperavam-se de um outro trauma:
a Comuna de Paris, o governo improvisado e
transformador que se estabeleceu
durante 72 dias, e que terminou com um massacres brutal realizado pelos
exércitos que deixaram o front onde combatiam os prussianos, para esmagar o
povo, no ensaio de uma experiência de democracia e gestão revolucionárias. As elites francesas,
atônitas e humilhadas, viram, na idéia do Canal, uma maneira de refazer as
glórias da França, e também de encherem os bolsos. Os banqueiros a princípio resistiram .
Lesseps , com o prestígio do seu nome, realizou subscrições populares,
amaciou com muito dinheiro a grande imprensa
que entoava a cantilena do fracasso, e, enquanto não via a cor do
dinheiro, denunciava, vigorosamente, a aventura que seria feita à custa dos
cofres públicos. Como é bem sabido , a rigidez ética dos grandes formadores de
opinião se resume num dito tão cínico como realista de Assis Chateaubriand, o dono dos Diários Associados, maior império de comunicação já instalado no
país: ¨ Para mexer no editorial é preciso pagar a folha ¨ .
Logo, os grandes jornais
franceses derramavam-se em entusiasmadas louvações à monumental obra que
revolucionaria a economia com a expansão rápida do comércio global.
O Panamá nem chegara a ser ainda
um país, era apenas um pedaço do território da Colômbia,habitado por gente
inconformada com a dependência. A
Colômbia, por concessão de 90 anos, cedeu o Panamá a um general e um aristocrata franceses, que a transferiram a Lesseps.
A construção do Canal começa, e
logo se sucedem os escândalos.
Instalou-se um comércio de carne humana. Negros são recrutados aos milhares na
África e no Caribe por uma empresa que cobra 75 francos por cabeça, e aos
escravizados trabalhadores só paga dez. Os banqueiros recebem juros indecentes,
as obras são superfaturadas. Lesseps insiste num traçado circundando elevações,
imaginando manter todo o canal ao nível
do mar, para evitar eclusas. O preço do
empreendimento torna-se astronômico. Entram em cena ministros, senadores,
deputados, barões, banqueiros, jornalistas, empresários, lobistas. O custo da propina corre paralelo ao da obra.
E os cofres franceses vão sustentando o
festim. Lesseps, quase octogenário, é muito mais um visionário vaidoso e determinado
do que corrupto, convicto de que a
importância da obra tornava irrelevantes
as criticas sobre os meios utilizados para viabilizá-la. Na iminência do fracasso convida Gustav Eiffel o
engenheiro famoso que imortalizou seu nome na
torre que acabara de construir,
e, por isso, um personagem mítico na cabeça de todos os franceses. Eiffel, já idoso, vai ao Panamá onde as febres
dizimavam os trabalhadores que morriam em maior proporção do que soldados em
campos de batalha.
A Companhia do Canal do Panamá já fracassara, afundada em dívidas
,desacreditada pelas denuncias e malsinada pelos franceses crédulos, que
sacrificaram suas economias no temerário projeto.
A oposição transforma o Canal do
Panamá em um grito de guerra incessante contra o governo, que se torna ainda
mais suspeito quando o Ministro da Justiça engaveta as denuncias.
Em fevereiro de 1889 a Companhia
do Canal é dissolvida pela Corte de Justiça, mas só em junho de 1891 o
procurador- geral Quesnay de Baureperie produz a demolidora peça de acusação,
na qual, pela primeira vez na história da França, figuram dois oficiais da Legião de Honra:
Fernand de Lesseps e Cornelius Hertz, este, um médico que nunca clinicou, e
bem sucedido intermediário de grandes e escusos negócios. Braço direito do poderoso
barão Jacques Reinhart, especializou-se
em distribuir o que na época era chamado ¨manás do Panamá,¨ entre as grandes
personalidades da República.O médico, lobista privilegiado, levava ao
Presidente da República, e Ministros, pessoas interessadas em grandes negócios.
Amansou o árdego George Clemenceau, que,
futuro primeiro ministro, receberia a denominação elogiosa de O Tigre, todavia,
o lobista o teria ajudado a montar o jornal La Justice. Hertz jactava-se de ter em seu poder uma
lista de cento e dois deputados aos quais pagava propina, entre eles, o
presidente da Câmara, Charles Floquet. Surgem delatores, caem ministros, entre
eles o das Finanças, travam-se intensos e tumultuados debates na Câmara e no Senado ,
deles participam extraordinários advogados .
Forma-se uma comissão de
inquérito. Nela, o banqueiro Thierée revela ter uma lista de 26 cheques
entregues ao barão Reinhart, totalizando mais de três milhões de francos, repassados a dois senadores e um deputado.
Surgem mandados de prisão, e entra em cena um personagem que ficou célebre: o
policial Clement, que o povo logo
apelidou: Pai Clement. Ele foi bater à porta de vistosas autoridades, e até
localizou os cheques descontados .
O presidente da Câmara se disse inocente e
vitima de uma conspiração dos adversários, até que um jornal publicou uma
declaração assinada, que ele, antes,
usando estratégia diferente, havia feito, confessado que recebera trezentos mil
francos, mas, fizera isso para salvar a República. Desistiu da estratégia
anterior, e esqueceu-se de avisar ao jornalista.
No episódio seguinte, desaparecem
todas as possíveis similitudes com os nossos escândalos: Um deputado jovem e
estreante, herói de guerra , sobe à tribuna para fazer uma denuncia e um
desafio. Lembra que o barão Reinhart suicidou-se, mas ele teria um cúmplice que todavia o traiu . E
afirma: ¨Este homem vós o conheceis. Seu nome está em vossos lábios; mas nenhum
de vós seria capaz de citá-lo, porque ele possui três coisas que temeis: sua
espada, sua pistola e sua língua! Pois
bem, quanto a mim, afronto as três, e lhe declino o nome: é Clemenceau.
Ofendido, o grande tribuno e
polemista reage, chama o acusador de mentiroso.
O duelo verbal
deu lugar a um duelo real , a pistola. Clemenceau é exímio atirador, pratica o tiro com freqüência. Travou-se o
duelo. Cada um dispara e erra três tiros, e a honra está reparada. Nos jornais
surgiram insinuações de que Clemenceau errara de propósito, porque, se matasse
o ousado deputado, o povo o trucidaria depois.
Os ¨Panamás ¨ na França e no
Brasil são semelhantes, mas nessa questão de honra as diferenças são gritantes. Por aqui a palavra honra há muito tempo
perdeu o significado.
Uma Câmara que tem Eduardo Cunha a presidi-la é uma desonrada
Casa de todas as tolerâncias.
Outra diferença que, aliás, muito nos honra: No Escândalo do
Panamá, a maior parte dos acusados foi
condenada. Mas as instituições foram
lenientes, e os crimes prescreveram.