O JUMENTO É NOSSO IRMÃO
Para uma boa parte dos nordestinos o
jumento, ou jegue, é bicho sagrado. Como canta Luiz Gonzaga: ¨ o
jumento é nosso irmão¨. Assim , tão
reverenciado ,não se pense contudo que o bicho se faz merecedor de algum
privilégio. O jegue vive ao léu, ao ¨deus dará¨, é de fato um penitente das caatingas. Quase
não bebe e pouco come, e quando come
é sempre o pão que o diabo amassou.
Jegue não deixa passar um almoço que faz até de um capuco de milho esturricado
pelo sol. Cutuca com os cascos a
cobertura espinhenta dos facheiros e mandacarus, dos coroas de frade, até
deixar descoberta a polpa macia dos
cactus, e isso para ele é um lauto almoço. No fundo dos terreiros onde se
joga aquele lixo miúdo de gente pobre, o
jegue tudo remexe, e quando acha coisa umedecida, mesmo que esteja podre, aí,
ganhou um banquete padrão FIFA.
O jegue não é nosso, veio
trazido pelos portugueses. Seus tataravós luzitanos eram vistosos, cheinhos de gordura , jeguinhos de clima ameno, vivendo com algumas farturas.
Aqui pelo nordeste foram definhando, mas a natureza de certa forma protege
aqueles que nela se vêm desvalidos, e assim o jegue se foi adaptando ao meio,
tornou-se íntimo das caatingas, esperto em descobrir vestígios de água no leito
seco dos riachos, ao mesmo tempo acostumou-se a sobreviver achando água nas
macambiras e e comendo até areia. Mas jegue, bicho, digamos assim, excepcionalmente
bem dotado, nunca deixou de exibir uma férrea virilidade, mesmo ao sol desatado
do verão, quando costuma relinchar às 11 horas quase sempre em rígida posição
de sentido, farejando uma jeguinha pelas redondezas. Mas não é disso que
tratamos, o que traz o jegue ao centro do noticiário, às páginas dos jornais,
aos espaços nas rádios e TVs, é a idéia de
um Promotor de Justiça que, de
tanto avistar jegues pelos sertões que percorre, descobriu, inteligentemente,
que estamos a desperdiçar proteína pura
e barata, carne saudável tanto quanto o são as carnes ovinas, bovinas ou
caprinas. Então, pergunta o lúcido representante do Ministério Público: Por que
não introduzimos na alimentação diária a carne de jegue, de forma opcional é
claro, e sugeriu que o jumento passasse a constar nas refeições dos estudantes
e dos presidiários. Nisso, evidentemente ,
lhe faltou um pouco de jeito e habilidade. E ai foi o bastante para desabar o mundo,
pelo menos naquela parte saliente do continente brasileiro o nordeste, a pátria do jumento. Apareceram as confrarias de gente, que se impressiona quando se fala em abater um
animal não usualmente integrante do vasto cardápio do voraz e insaciável bicho
homem. Comportam-se como se o mundo fosse formado por sete
bilhões de vegetarianos. Mas este nosso
vasto mundo, é um descomunal e
fétido matadouro, onde escorrem os milhões de litros de sangue de milhões
de aves, de carneiros, bois, vacas, coelhos, tudo
exterminado pelo homo –sapiens, o ser
inteligente que aprendeu a fazer essa carnificina, essencial para a sua
sobrevivência. Então, um jegue a mais um jegue a menos, o que iria afetar o
escorrer desse rio sanguinolento, sem o qual a raça humana já estaria extinta?
O ¨jegue é bicho sagrado¨, dizem,
querendo encontrar uma justificativa na tradição bíblica de que Jesus andou
montado num deles.
O que então dizer do carneiro, o dócil
cordeirinho, com o qual se identificou o Filho de Deus? ¨ Agnnus Dei qui tollis
pecata mundi ¨. E quem já pensou em
livrar o carneiro do porrete ou da faca afiada do magarefe ?
Em todos os pontos do planeta onde
bichos melhor se adaptam ao clima, são eles sempre os que mais se encaminham
para a panela. Nos países nórdicos, as renas, aqueles veadões de enormes
galhas, são dos poucos que resistem ao
frio extremo, em pleno inverno rebocam o trenó de Papai Noel, nem
por isso deixam de ser inapelavelmente devorados. Na Finlândia, país
tão gelado quando insípido, serve-se um bifinho de rena, fininho, quase
transparente, que tem gosto de matéria plástica,.
Dizem, experientes mergulhadores
que tubarão é bicho um tanto indiferente
ao sexo, no entanto os chineses estão a
exterminá-los para retirar-lhes as
barbatanas, vendidas como se fossem mais eficazes do que o Viagra.
Já imaginaram se do jegue retirarem
aquela parte inferior mais proeminente
para transformá- la em lingüiça a ser
servida em minúsculos pedacinhos a quem
estiver necessitando de estimulantes sexuais?
Essa não seria exatamente a idéia do
Promotor mas, como no capitalismo quem
dita regras é o mercado, então, que se
maximizem os lucros.