sábado, 30 de janeiro de 2016

NO RASO DA CATARINA 46 GRAUS (2, final).



NO RASO DA CATARINA 46 GRAUS (2, final).

Uma semana após as chuvas, torrenciais,a caatinga no Raso da Catarina já estava verde. Breve, as juremas os mandacarus, as catingueiras, estarão todos exibindo as suas flores. Naquele inusitado bioma onde a dureza do clima exige uma forma excepcional de adaptação, existem árvores que florescem e espalham suas sementes mesmo durante a secura dos verões,e outras que dependem das chuvas para florescer.
Os riachos intermitentes que correram caudalosos após a chuvarada, três dias depois já haviam escorridoe tinham apenas, aqui e ali, algumas poças d’água. Essa é uma cena que se repete em todo o sertão nordestino. Assim, tão bem constatada essa evidencia, ressurge o velho debate que se perde no tempo sobre a imprescindível estratégia de conservação da água. Em maior escala isso só se faz através da construção dos grandes açudes, do barramento de rios. Em todo o Raso da Catarina, e nos seus arredores existe apenas um único açude, ele está no exato local do heroico arraial de Canudos, onde hoje se planta muita banana. É o assoreado Cocorobó, que resulta do barramento do minguante Vasa Barris.  Ao norte corre o São Francisco,mas, nas pequenas comunidades espalhadas pela vastidão semi deserta, a água continuava sendo uma rara preciosidade.
Reza a tradição oral desde tempos idos,que aquelas terras ressequidasconfrontando nem sempre pacificamente os vastíssimos domínios do Barão de Jeremoabo, pertenciam a uma mulher, uma resoluta virago sertaneja que juntava dobrões nos seus baús resultantes do comércio de um gado mirradinho, que as secas não dizimavam. Era o rebanho dos “pé-duro”. Muitos se embrenhavam pela extensão da caatinga, num tempo em que não havia cercas, e lá se iam ficando, num processo de simbiose com o meio que os fez esquecer completamente de água que não fosse aquela retirada com cascos e dentes das macambiras, mandacarus e raízes dos umbuzeiros. No Raso,que significa planura ampla,ligeiramente côncava, espécie de bacia rasa, os vaqueiros encourados que procuravam as rezestresmalhadas durante dias e até semanas, nem levavam água,procediam da mesma forma que os “pé-duro”.
E então aconteceu o inesperado, ou talvez aquilo que o mundo oficial, sempre desatento e alheio, nunca pensara em pesquisar. O Raso tinha água no subsolo. Em alguns pontos era doce.
Naquele domingo, 16 de janeiro, pouco antes da chuva, com o ar rigorosamente seco, e tudo queimando sob 46 graus centígrados,as pessoas bebiam cerveja gelada no único bar do povoado Salobro, e num chafariz próximo, ao lado da estrada,outros estavam a refrescar-se com a água cristalina e abundante que jorrava,parecendo um milagre irreal, acontecendo diante de quem, há muitos anos percorrerao Raso, tendo de urinar no radiador de um resfolegante Jeep.  Nas taperas encontradas pelo caminho poderia haver alguma água no pote, para beber nunca negada, mas, seria até desrespeitoso pedi-la para “esfriara máquina”, tecnologia up-to-date dos anos 40, especifica para a guerra, eirresoluta, naquele cenário de fascinante insensatez luminosa.
 No Raso, naqueles povoados minúsculos perdidos na sua extensão,ou nos maiores ao redor:Sítio do Tará, São José,Juá, Várzea, Salobro, Tanquinho, Bonomão, Boa Lembrança, Nambebé, Tabolerinho, Ingazeira, Riacho, e tantos outros, há poços artesianos jorrando água.  Todavia, em alguns deles, geridos por associações, (sempre elas) cobra-se pelo “precioso líquido”, principalmente se sair de dessalinizadores,quase nunca funcionando, deixando sérias duvidas sobre o custo benefício das “ingresias”, que são úteis, mas precisam ser aperfeiçoadas.  Compra-se a ficha,  e enche-se o vasilhame.  25 centavos, 25  litros. É caríssimo, sai a preço maior do que a água encanada e tratada.  Para aquelas populações paupérrimas é   ¨luxo¨ inacessível.
Água chegando ao semiárido é o sertão aparelhando-se para a vida, para a vida normal, que lhe tem sido negada, pela falta de consistência e continuidade nos projetos feitos, refeitos, ou nunca concluídos. Tem sido assim desde o Império, atravessando a República.
Desse faz não faz, o prédio em ruínas da SUDENE, no Recife, serve como testemunho, na triste eloqüência do seu silêncio.

AS ESTRADAS E O SENADOR



AS ESTRADAS
E O SENADOR
O estreante senador suplente Ricardo Franco, agora na titularidade do cargo pelo menos até o final deste ano, nem parece um noviço nos labirintos de Brasília. Deve ter aprendido a transitar por eles,desde que o pai, Albano Franco, fazia parte do ranking dos políticos mais poderosos do país. Ricardo já caminha com invulgar desenvoltura.  Visitou vários ministérios, colocou-se à disposição do governador Jackson Barreto para tratar de pleitos de Sergipe em Brasília e não deixa de acompanhar tudo o que o prefeito João Alves tenta obter do governo federal, algo que não está fácil só para ele.
Agora o senador Ricardo insiste em convencer o Ministério dos Transportes que a BR-101 no trecho sergipano deve ser colocada na agenda das concessões públicas. Ricardo mostra cifras virtuosas alcançadas em estradas sob regime de concessão comparando-as com aquelas apresentadas pelo gerenciamento estatal direto através do DNIT e revela o tamanho da ineficiência.
Enquanto o DNIT nem tapa buracos, as estradas terceirizadas exibem um asfalto bem cuidado, oferecem serviços de atendimento médico, e de socorro a veículos em pane, e algumas com os grandes espaços às margens para estacionamento seguro de veículos, com todos os serviços disponíveis,aqui, por exemplo, na BR -101 o DNIT, ou seja, o governo federal, levou mais de um ano para começar as obras de reparo de um enorme buraco surgido pouco tempo depois de inauguradas as pistas duplas. E as obras só começaram depois que o engenheiro Sílvio Santos assumiu a direção do DNIT começou a retirar o departamento da longa letargia em que mergulhara, e tão loteado no leilão político. Mas apesar de toda a movimentação do engenheiro Sílvio, não se conseguiu até agora, por exemplo, acender aquelas luzes da BR-101 nas proximidades de Aracaju, eternamente apagadas. Há quem diga, porém,que a responsabilidade seria das Prefeituras de Aracaju e Socorro.

A FEIRINHA QUE ACABOU E A SOMBRA DESAPARECIDA



A FEIRINHA QUE ACABOU E
A SOMBRA DESAPARECIDA
 Naquele conjunto de prédios em frente ao Batistão onde funcionam órgãos públicos estaduais havia um espaço arborizado, com boa sombra, até banquinhos, e ali realizava-se uma pequena feira-livre todas as sextas-feiras. Isso há mais de 35 anos. Foi uma iniciativa do agrônomo Paulo Viana quando era Secretário da Agricultura no governo de Valadares.
 Tornou-se uma tradição no bairro,ponto de encontro das pessoas; idosos preferiam frequentá-la por ser segura,num espaço protegido,além disso, havia a sombra acolhedora das árvores e eram comercializados produtos orgânicos. Falamos assim,no pretérito, porque a feira que havia, já não há mais. Acabou, ou melhor, foi tangida para fora do espaço entre os prédios e jogada para o outro lado da rua, onde está num descampado, sem a proteção refrescante das árvores, buscando alguma sombra esquiva projetada pelo Ginásio de Esportes Constancio Vieira. Os feirantes estão revoltados, as pessoas que frequentavam a feira muito tristes, por terem perdido um local que fazia parte da sua rotina de lazer.
Como aconteceu tudo isso?   É a conseqüência de um ato autoritário, também um crime ambiental, com a derrubada das árvores, um desrespeito aos microempresários que pagam impostos e esperavam merecer alguma consideração, respeito ao que faziam sem interrupções,e há tanto tempo.
Apontam o secretário da infraestrutura o engenheiro Valmor Barbosa que é sindico do conjunto de prédios, como responsável pelo que foi feito, e mal feito.
Logo ao ocupar as novas dependências da sua secretaria naquele grupo de edifícios, o secretário mandou asfaltar toda a área de acesso que já era bem pavimentada a paralelepípedos.  Asfaltou também o espaço amplo, espécie de praça arborizada, onde as árvores foram sumariamente cortadas e dela mandou retirar a feira para dar lugar aos veículos, estatais e particulares dos que ali trabalham.
O secretário talvez não avalie a importância real e simbólica das feiras livres, a sua identificação com o que de melhor existe nas iniciativas populares. Se ele soubesse que feiras – livres existem desde o fundo da Idade Média, quando eram feitas fora dos muros das cidades,ou ao lado dos castelos, algumas desafiando a má vontade dos senhores feudais, por isso, sendo “livres”pensaria melhor antes de investir contra uma réplica atualizada das suas antecessoras distanciadas por séculos.Feiras - livres se constituíram e se fortaleceram à revelia de um sistema de economia fechada onde o consumo era restrito e cada comunidade provia-se de tudo o que lhe era necessário. As feiras livres incentivaram o consumo, agregaram iniciativas, estimularam o associativismo, a cooperação, e fizeram circular riquezas, tudo o que era necessário para que se trocasse o feudalismo  pelo capitalismo.
Um dia, em Havana, onde este escrevinhador perdia as ilusões sobre economias totalmente controladas pelo Estado, e equivocadamente denominadas socialistas, assistindo o desabastecimento total, a falta calamitosa de produtos agrícolas,e filas enormes nas tendas estatais, ouviu de um vendedor que era funcionário público: “Isso tudo seria diferente se tivéssemos aquifeiras livres”. O funcionário  era engenheiro, um dos muitos resultantes do eficiente sistema  educacional da ilha, todavia, sem perspectiva de emprego  na sua área.
Sem absolutamente nenhuma simpatia pelo engodo neoliberal, há que se reconhecer,todavia, que é preciso muito cuidado para que o Estado representado pelos seus burocratas em grande parte insensíveis, não se intrometa onde não deve, e, o que é pior, se imagine senhor dos destinos de feiras – livres, edas árvores.

OS JUROS E A VOZ ROUCA DE JACKSON



OS JUROS E A VOZ
ROUCA DE JACKSON
 Repetem e repetem os ortodoxos da economia que, para que se tenha investimento, é preciso, é essencial, que se tenha segurança jurídica, manutenção segura de contratos, de normas pré-estabelecidas. Nisso,pelo menos, os ortodoxos, apologistas do desregrado mercado financeiro, têm absoluta razão.  Mas, querem saber quem autorizou as absurdas alterações nos jurosdo chamado Fundo Constitucional, aquele que injeta algum estímulo para o desenvolvimento do Nordeste? Pasmem, foi o ortodoxo ex-ministro Joaquim Levy,um dos confiáveis “Chicago’s Boys”, prestadores de serviços às teses ortodoxas. Ele autorizou o aumento de 9 % para 12 % dos juros cobrados em financiamentos para empresas no Nordeste, inclusive aquelas sendo implantadas. E sabem quem aceitou tranqüila e mansamente a decisão do Ministro? Foi a economista medíocre e gestora temerária,a nossa presidente, adepta de uma heterodoxia, que ela não entende bem como funciona.
Nenhuma empresa que põe na planilha juros de 9 % poderá suportar a mudança. Estão ameaçados vários projetos no nordeste e, especificamente em Sergipe, entre outros, o de um grande Shopping  que poderá ainda este ano gerar mais de 800 empregos diretos. O governador Jackson Barreto assumiu a liderança da indignação nordestina, manteve contatos, articulou-se com governadores, e dirá, nessa segunda – feira à presidente Dilma,  que dessa forma não há razão para dela ser  aliado, mesmo porque, confluência de interesses políticos, com decência,só pode existir quando há também a confluência dos interesses públicos. Isso Jackson, bem ao seu estilo, com a voz mais rouca do que nunca, fará com que a turrona presidente o escute.

QUAIS SÃO AS SETE PRAGAS DO BRASIL



QUAIS SÃO AS SETE
PRAGAS DO BRASIL
Joaci Góes é filho do patriarca fundador da construtora Góis Cohabita. Seu João passou dos cem anos bem saudável com a sua “rigorosa” dieta diária de carne do sol do sertão, de preferência gordurosa. Ele era empresário e também rigorosamente cristão, confissão evangélica, além disso, foi, sobretudo, poeticamente sertanejo, tendo a vista espalhada ao mundo. Recolhia-se sempre ao Mar de Espanha, a assim por ele denominada fazenda encravada nas caatingas baianas, de onde certamente avistava as caravelas saindo e voltando dos novos mundos.
Tendo todo esse substrato genético, Joaci não poderia deixar de ser um ser humano especial, mesmo porque é também irmão de Julival, um empresário baianamente tranqüilo que colocou como dístico filosófico num dos seus hotéis a frase inspiradora de imensos e producentes efeitos: “Comoé bom não fazer nada e depois descansar”.  Domenico de Masi, aquele do ócio criativo, lhe conferiria uma medalha. Julival, navegador de improvisos, fazia até bem pouco tempo a festa baiano-sergipana dos velejadores retardatários da regata Recife-Noronha.
Joaci foi político, deputado federal na trincheira sempre expugnada das oposições em tempos de ditadura. Chegou-se até a cogitar no seu nome para ser governador da Bahia, quando voltaram as eleições diretas nos estados. Ele ousava enfrentar o tido como inexpugnável grande babalorixá baiano ACM. No seu jornal, Tribuna da Bahia, a oposição baiana cutucava os generais e lutava por espaços no imenso terreiro baiano onde o temido babalorixá, espalhava e fazia valer o seu poder, quase incontestado.
Joaci é um intelectual da mais virtuosa cepa baiana. Polemico, inquiridor, disseminador de ideia se intolerante com os preconceitos, e burrices várias. Com essas credenciais ingressou na Academia Baiana de Letras. Tem a seu crédito quatro livros publicados: Anatomia do Ódio,A Inveja Nossa de Cada Dia, A Forçada Vocação e, o mais recente:As Sete Pragas do Brasil Moderno, prefaciado pelo ex- ministro Carlos Ayres de Britto, primorosamente, aliás, como tudo o que ele escreve.
Depois defalar sobre as qualidades humanas e intelectuais do autor, pouco nos resta a comentar sobre o livro, bastando dizer que é essencial na biblioteca de quem pensa e se preocupa com a trajetória tão sinuosa desta nossa Terra de Santa Cruz.
PS- Joaci, quando deputado, participou da elaboração do Código de Defesa do Consumidor.