AFINAL
QUE PAÍS É ESTE ?
Simplificadoramente
chamada de ditadura militar, aquela, que nos assolou de 64 a 85, poderia,
corretamente, chamar-se ditadura milico-paisana. Para que se
caracterize melhor o regime inaugurado com o golpe de abril de 64, seria
errôneo limitá-lo ao espaço dos quartéis. Foram civis os que imploraram pelo
golpe, foram civis que formaram o núcleo tecnocrático do regime, foram civis
que, felizes e refestelados no conforto de um partido,
a ARENA, o fizeram tão grande que o seu presidente, Francelino Pereira,
o chamou de ¨ maior partido político do ocidente. ¨ Embora aparentemente
deslumbrado com o partido imenso que comandava, Francelino era um
político suficientemente realista para saber que o gigantismo da ARENA,
todavia sem povo, não poderia assegurar sobrevida a um regime que
agonizava. Foi então que começou a sintonizar o partido com a agenda que
o general presidente Geisel sinalizara: a ¨distensão lenta
gradual e segura¨ . A idéia encontrava resistências nos quartéis. Diante
de duvidas sobre a anunciada abertura que jornalistas transformavam em
perguntas, Francelino, demonstrando irritação, desabafou : ¨Afinal,
que país é este ?
A frase
ganhou manchetes, mereceu discursos , virou título de música, mas
nunca foi respondida, e desafiou o tempo como resiliente espécie de
questionamento diante das inconstâncias do povo brasileiro.
Mas
afinal que país é este?
Houve farto lacrimejar em face da desdita do brasileiro que foi traficar
cocaína na Indonésia, mesmo sabendo que o país insular fuzila sem dó nem
piedade quem mexe com drogas, embora seja permissivo em relação aos
que mexem com o dinheiro público. O desavisado, simplório piloto de asa
delta, talvez nem soubesse que a Indonésia tem um grau de ¨privatização ¨ do
patrimônio público bem mais elevado do que o alcançado por outros países,
inclusive o nosso. Archer, o infeliz fuzilado, se soubesse disso,
teria melhor destino, procurando ligar-se a algum político indonésio,
quem sabe, até ao próprio presidente, tão orgulhoso dos seus
pelotões de fuzilamento, desde que sejam acionados apenas contra
traficantes. Sem correr riscos, ele poderia ter conseguido muito
mais do que a soma obtida com a venda dos 13 quilos de cocaína. Como se sabe,
tudo é uma questão de jeito, ou jeitinho.
Pois é,
mexemos céus e terras para salvar da execução o brasileiro condenado. As
nossas autoridades se empenharam tanto nessa tarefa, sem dúvidas
humanitária, aqui cruzavam o céu balas perdidas,
ocorriam tiroteios, assaltos, execuções, chacinas. Entre o pedido de
clemência para o brasileiro traficante e a data do fuzilamento,
centenas de brasileiros, na escola, no trabalho, na igreja, andando nas ruas,
divertindo-se, foram fuzilados.
Um
cafajeste a quem a sociedade paga para que vista uma farda mata o
jovem surfista Ricardinho.
Ele
cavalgava ondas gigantes, famoso no mundo por fazer isso com perfeição.
Desafiava, esportivamente, com a alegria esfuziante de sorver a vida, nos
riscos da natureza imponente e indomada. Acostumado a esse tipo de perigo com o
qual sabia primorosamente lidar, o menino das ondas altas,
bondosamente ingênuo, confiante, nem imaginaria que o perigo morava ao
seu lado. Ao lado estava a putrefação que destrói o tecido social do
país. E essa putrefação é a violência associada à apatia
institucional, cujo resultado perverso é a impunidade.
Morrem
por ano mais de 30 mil pessoas, fuziladas na guerra que tomou conta deste país
imenso.
E
ninguém se preocupa com isso? Ninguém tenta deter essa
sangria descomunal ? O Estado a sociedade, parecem omissos, acomodados,
inoperantes diante da incessante fuzilaria nossa de todos os dias.
O
cafajeste fardado que matou o menino das ondas será expulso da PM,
receberá uma pena alta em conseqüência da repercussão do seu crime, ( outros
semelhantes ocorrem às centenas todos os dias e não chegam às manchetes) mas,
passará no máximo 4 a 5 anos na cadeia.
Afinal,
que país é este ?