O URBANISTA O ARQUITETO
E A FLECHADA DO ÍNDIO
Lúcio Costa a quem Juscelino
Kubitschek pediu que projetasse no meio do nada uma cidade inovadora,e Oscar
Niemayer a quem foi feito o outro pedido para que ocupasse o traçado urbano com
prédios modernos, logo surpreenderiam o presidente apresentando-lhe um esboço
de Brasília que ia além da expectativa que ele criara ainda prefeito de Belo Horizonte quando os dois para ele projetaram o Parque da
Pampulha, onde havia aquela igrejinha de linhas futuristas que o Arcebispo da capital mineira, o sergipano Dom Antônio
Cabral, recusou-se a sagrar.
Niemayer e Lúcio Costa tinham a mesma ideia
sobre o que a nova capital representaria para o país que iniciava o arrojado salto de
desenvolvimento. Entenderam, que naquela cidade símbolo,tudo teria de ser
revolucionariamente criador, emblematicamente descomplicado, uma estética
despojada de atavios e ostentações, buscando a simplicidade das formas
geométricas, sobretudo uma arquitetura brasileira que não fosse cópia de modelos europeus ou norte-
americanos. Lúcio Costa rabiscou o plano piloto da cidade: o eixo e duas asas,
ou uma flecha. Pensava-seno país do
futuro, no que aquela cidade representaria, e nada melhor do que o traçado de um avião ou
de uma flecha para simbolizar a ousadia do vôo. Niemayer traçou as linhas essenciais do Alvorada,
do Supremo, da Catedral , do Palácio do
Itamaraty, e nelas, mais ainda, configurava-se a imagem da flecha, da sensação de movimento e
leveza, de desafio , superação e
liberdade. Enquanto surgiam nas pranchetas do arquiteto e do urbanista as
formas e o delírio da nova capital, cresciam de intensidade as investidas
dos¨arqueólogos do presente¨, perdidos na escavação do passado, vozes
catastróficas, clamor negativista, traçando horrorosos panoramas para um país
cujo governante,
patriota e visionário, cometia o
crime de acreditar na capacidade do seu povo para construir uma grande nação. Antes de inaugurar Brasília, preparando-se
para recepcionar as delegações estrangeiras convidadas para a festa de entrega
da ¨novacap¨ , JK telefonou para um
acérrimo adversário , o economista e também engenheiro Eugênio Gudin.
Eleprofetizava na sua coluna semanal no jornal O Globo, que a capital isolada,
quase ponto geodésico central do país,
ficaria muito tempo sem poder comunicar-se por
telefone. Gudin, ao ouvir a voz do presidente, indagou-lhe de onde ele estava
falando, e JK respondeu: ¨Estou no meu gabinete no palácio da Alvorada em
Brasília, espero contar amanhã com a sua presença na festa.¨
O Brasil felizmente tem
conseguido vencer o pessimismo e o maus presságios, os brasileiros costumam ter
um arsenal poderoso deamuletos e sortilégios para superar o mau agouro.
Assim, temos atravessado crises, atenuado decepções e afastado o azar.
Mas, no começo da semana que
passou uma flecha insólita, surgiu, e não
se tratava de representação artística ,
de algo que houvesse sido concebido nos desenhos pioneiros de Niemayer e Lúcio
Costa. Foi disparada pelo arco de um índio bom de pontaria , penetrou no corpo
de um cavalariano que tentava conter a fúria da horda truculenta. Queriam
marchar atravancando e paralisando as ruas, até o estádio onde estava a Taça da
Copa, e impedir que uma multidão visse
de perto o dourado troféu. Os índios, misturados aos desordeiros, antes protestavam
contra a lei de demarcação das terras
que dizem lhes pertencer, aliás, o Brasil todo lhes pertenceria, antes de serem
subjugados pelos brancos que conheciam como
usar a pólvora, e pela força das
armas
traziam para a fé cristã o bugre, na¨ piedosa tarefa¨ de
salvar-lhe a alma.
De onde vem esse ódio do índio contra a Copa do
Mundo no Brasil? Certamente ele,muito bem informado, dispondo de Internet,
celular, tablet e computador, sabe que a FIFA, máfia do futebol, é antro de ladrões, sabe também que grande parte das obras
permanentes, além do delírio megalomaníaco das ¨arenas ¨impostas pela FIFA,
ainda não estão concluídas. Um índio
assim, tão bem informado, deve saber que manifestação não se confunde com
depredação e saque,sabe que disparar uma flecha e ferir alguém é crime. Mas o
índio não foi preso, apenas apreendido, no linguajar e procedimentos técnicos
para os inimputáveis, menores de 18 anos, índios, loucos. Também os baderneiros,
se chegaram a ser presos, logo foram postos em liberdade, como determinam as
nossas leis.
No episódio brasiliense da baderna e da
flecha,conjuminaram-se dois equívocos: Primeiro, a transposição para as nossas
leis daquela ideia romântica de Jean Jacques Rousseau, segundo a qual o homem
primitivo é portador de uma inocência, ingenuidade e bondade
inatas, ¨O Bom Selvagem ¨, e a civilização o corrompe, daí, sendo ingênuo ou
aculturado, todos os índios são, na prática, tratados da mesma forma, mesmo se
estiverem ¨civilizadamente ¨participando de um tumulto e esticando o arco para
disparar flechas contra policiais. O outro equivoco é supor que a democracia
pode sobreviver no vácuo das leis não obedecidas, e da omissão de quem deveria
fazê-las respeitadas.