A BATALHA PERDIDA CONTRA AS DROGAS
A guerra contra as drogas vem sendo, em todo o mundo, uma sucessão de
batalhas perdidas pelos órgão de repressão, que, embora sofisticados, não
conseguem fazer duas coisas que seriam essenciais: Convencer o usuário a deixar
de consumir a droga e evitar o contágio da corrupção. Enquanto houver quem
esteja disposto a comprar droga, ávidos narizes cafungando o pó, e enquanto não
for reinventada a natureza humana para tossrná-la imune à sedução do dinheiro,
não há como imaginar que através da repressão se poderá acabar com os
traficantes, e impedir a comercialização da droga.
No Rio de Janeiro a ocupação dos morros pela chamada Polícia
Pacificadora criou a ilusão de que , nos territórios reconquistados, com
direito a hasteamento de bandeira e tudo o mais, os traficantes estariam
derrotados.. Ledo engano. A polícia finge que ocupou e ¨pacificou ¨os morros, e
o tráfico continua. Mas o fingimento resulta em conflitos constantes, por outro
lado, parte dos envolvidos com o tráfico, no caso a ¨arraia miúda
¨temporariamente desalojada, foi agir nas ruas, em outro ramo de ¨atividade¨:
Os assaltos.
A maquiagem durou pouco tempo, depois, derreteu e deixou à mostra o
rosto feio, porém real, de uma catástrofe coletiva que tem a característica de
ser socializante, abrange todos, desde o que pode cheirar cocaína, ao pobre,
que recorre ao crack, tão barato quanto letal.
O negócio da droga está hoje entre os 3 que mais movimentam dinheiro.
É uma soma colossal, que se mede em centenas de bilhões de dólares, valor maior
do que o Produto Interno Bruto de sessenta por cento dos países do mundo. Dar
combate a este império global exige recursos e eles são gastos em quantidades
colossais. Mas o custo benefício dessa guerra é duvidosamente avaliado.
Se de um lado o tráfico produz criminosos milionários, distribui renda
entre os que nele se envolvem, do outro, o aparato repressivo também cria
milionários corruptos entre o México e os Estados Unidos. Tijuana é o palco de
uma guerra travada há mais de 50 anos e que ninguém acredita que poderá
terminar algum dia. Ali estão diversos organismos do sofisticado sistema de
repressão às drogas dos Estados Unidos, ao lado da polícia mexicana e vez por
outra também das forças armadas daquele país. São em media 50 mil mortos todos
os anos e Tijuana é uma cidade apenas de porte médio. Traficantes exterminam-se
entre si, promovem matanças e colocam corpos espetados em postes, enfrentam,
também, o aparato bélico mexicano e o da maior potencia militar do mundo, sem
dar sinais de enfraquecimento. O mercado consumidor do lado norte da fronteira
é imenso, ávido, e continua recebendo regularmente o seu suprimento, uma
espécie de delivery transnacional. Tijuana até descobriu uma nova fonte de
receita. São os narcofilmes ou narcocines, produções baratas, entre 20 e 30 mil
dólares, mostrando a violência da guerra entre traficantes e policiais. Na
tela, mocinho e bandido permanecem, como sempre, em lados eticamente antagônicos.
Alguém acredita que não exista entre o tráfico e a repressão uma área
cinza onde se produz a rendosa conivência?
O exemplo mexicano pode ser transposto, sem receio de injustiça , para
qualquer outra parte do mundo onde traficantes e policiais encenam o
enfrentamento.
O governo de El Salvador, paisinho miúdo ao sul do México,
infelicitado por vulcões, terremotos e guerras civis, adotou uma fórmula de
convivência com as gangs do tráfico, que também se envolvem com sequestros e
assaltos. Surgiu um pacto que escandaliza , mas, segundo a austera publicação
The Economist, espelho fiel da imagem capitalista, em artigo intitulado,
Dealing with the devil, ( Acordo com o demônio) afirma que¨ os acordos salvaram
vidas, mas é algo que não pode ser feito à luz do dia. ¨
Quando governou o Rio de Janeiro, Leonel Brizola, pai de Neuzinha, que
subia o morro dia e noite para comprar cocaína, combinou com os traficantes:
¨Vocês vendam suas drogas, a polícia não se mete, não cometam assaltos,
sequestros, ou estupros, e vivam em paz ¨.
Talvez a fórmula ruborize os aplicadores da lei, os defensores da
família, dos bons costumes, os moralizadores em geral, mas, de que adianta
mesmo a polícia sair caçando maconheiros, procurando plantações nas caatingas
de Pernambuco, nas ilhotas sazonais do São Francisco, enquanto a bandidagem
assalta, mata e aterroriza?
Maconha é inofensiva ? Evidentemente que não. Mas, num país onde se
faz propaganda de bebida alcoolica quase nos jardins de infância, onde se
tolera e se cantam em músicas as ¨virtudes ¨de uma garrafinha de Pedra Noventa,
quase álcool puro, vendida por 1,50 centavos, e bêbados matam e morrem ao
volante, o que é mesmo considerado ofensivo ou inofensivo ?
O Uruguay faz agora uma experiência de discriminalização da maconha
que deve ser acompanhada com atenção pelo Brasil, onde o Congresso começa a
discutir uma iniciativa semelhante. A experiência uruguaia vem com certo atraso
à América Latina, onde novidades, quando chegam, são coisas exóticas, assim
como o finado Chavez ou o quase se finando Maduro, contrafações burlescas do
que deveria ser mesmo uma esquerda sintonizada com o seu tempo , capaz de
entender melhor e interagir com as forças que estão moldando uma nova
configuração do mundo.