GRANDE BOCÃO QUE SAUDADE DO SEU MEGAFONE
O regime militar dava sinais de exaustão, e Rosalvo Alexandre,
um jovem agronomo que dele era vítima, corajosamente, queria ajudar a
apressar-lhe a agonia. Pegou um megafone e saiu pelas ruas de Aracaju,
denunciando a falta de liberdade, o processo espúrio da escolha pelos generais, dos que comandavam a militarizada República. Rosalvo, impetuoso, desafiador, clamava por democracia.
Aquele gesto foi emblemático para disseminar atitudes corajosas, para afastar o
medo opressivo que gerava a acomodação
no silêncio. Rosalvo, com sua voz tonitroante, já era conhecido como o Bocão.
Elegeu-se vereador, e desde então o Bocão faria parte indelével do cenário
político sergipano. Ideólogo, tambem ideologizador, ele não tinha o ranço da
presunção de posse da verdade. Quando
estudante, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro, que sobrevivia na
ilegalidade, e assistindo os seus quadros serem dizimados pela repressão.
Dizimados, literalmente. Mortos, assassinados.
Rosalvo mergulhou nas leituras dos
livros essenciais ao seu curso de agronomia, e foi alargar o pensamento na
literatura marxista, nas ciencias sociais de forma mais ampla. Naquele tempo
onde a polarização ideológica era inevitável, ele chegou a ter um vezo
estalinista, a concepção dura da esquerda, mas essa tendencia paradoxalmente desapareceu,
quando ele próprio sentiu na pele o que
era o descontrole da força bruta do autoritarismo. Estava no seu quarto de
pensão em Viçosa, (MG) fazendo um curso de pós-graduação, quando entram
militares e policiais que lhe dão ordem de prisão, e imediatamente começam a
espancá-lo, furiosos, descontrolados. Trazido a Aracaju, Rosalvo foi levado aos
porões do 28 BC , que se tornaram o
cenário desumano da Operação Cajueiro, em 1976. Saiu da prisão com a certeza de que só a democracia ampla,
poderia ser o caminho para a superação
dos conflitos e as transformações sociais. Mudou conscientemente de estilo,
sem trocar de convicções. Surgiu o
Rosalvo conciliador, conselheiro, pensador do presente e de coisas futuras.
Surgiu a pessoa essencial nos instantes em que mais era necessário meditar,
planejar, e fazer. Consolidou-se o cérebro essencialmente politico. E política
é exatamente isso : a arte de superar e de fazer o possivel, sem
fugir ao risco do impossivel.
O colega Rosalvo, fica na memoria
dos que com ele sentaram nos bancos escolares, o colega Rosalvo fica na memoria
dos que com ele, já investidos de
responsabilidade administrativa e política
trabalharam na formulação de politicas
publicas para Sergipe. Fica Rosalvo na memoria de todos os seus inumeros amigos
que com ele partilharam esperanças,
tantas vezes percorridas em vastas jornadas etilicas e boemias. Fica
Rosalvo na lembrança do carinho do pai que sempre sentirão os seus filhos, e
pelo amor que devotou à última companheira. Fica Rosalvo como lembrança do
exemplo virtuoso e puro de cidadania que ele deu a todos nós, sergipanos, todos
nós, seus contemporaneos de sonhos e tambem de eventuais desatinos.
Sergipe sentirá a sua falta. Jackson Barreto, sentirá talvez mais do que todos a
ausencia daquela voz que, nos ultimos meses de vida, insistia em se fazer
ouvida, vencendo as limitações da doença para lhe trazer sugestões, ideias, até
consolos.
Fica a lembrança do megafone rebelde
multiplicando o vozeirão humano-cívico-revolucionário do suave turbulento Bocão.
Ele morreu ontem em Minas Gerais onde tentava
vencer a doença. Estas páginas neste domingo ficam, assim, incompletas.
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