segunda-feira, 22 de abril de 2013

A SECA DE CHUVA E A SECA DE IDEIAS



A SECA DE CHUVA E
A SECA DE IDEIAS
  Quem trafega pelas estradas  que cortam ou margeiam o Raso da Catarina,  poderá dedicar-se a um entediante e constrangedor exercício:  a  avaliação do tamanho  dos prejuízos causados pela seca, isso, se estiver disposto a contar as carcaças de gado que se enfileiram  jogadas aos lados das  rodovias. Depois de rodar uns 50 quilômetros, nosso memorizador de cifras letais terá, certamente, contabilizado     dezenas de cabeças de animais mortos. O Raso da Catarina    fica no nordeste baiano, tem cerca de 5 mil quilômetros quadrados, abrangendo a maior parte dos territórios  de Jeremoabo e Paulo Afonso. Seria ele a expressão maior do ¨deserto brasileiro¨, aqueles trechos do nosso semiárido onde a chuva se mede, anualmente, em torno de 400 a 500 milímetros. Há, na Paraíba, o sertão de Taperoá, onde a chuva cai menos, mas, trata-se de área de tamanho reduzido.
 Nada  assustador.  No norte da África e num pedaço da franja mediterrânea europeia, mais exatamente nas  espanholas Andaluzia e Catalunha, planta-se e colhe-se em profusão, e a pluviosidade é menor do que no semiárido brasileiro.
 Quem primeiro revelou ao Brasil o  Raso da Catarina,  foi Euclides da Cunha, quando o atravessou  em demanda a Canudos,  Ele seguia, como correspondente de guerra, a quarta expedição  do exército brasileiro que arrasou o resistente e heroico  arraial de  Antônio Conselheiro. Euclides foi o primeiro a observar que  a descontinuidade das chuvas, com o pico ocorrendo em curtos períodos,  gerava a aridez, acentuada pelo solo cristalino e irregular, onde,  nas grandes trovoadas, as águas escorrem rápidas em correntes torrenciais, logo deixando  vastas bacias de rios  transbordantes,  pouco tempo depois, inteiramente secos.
Quando o regime militar pretendeu cometer o desatino,  de construir a bomba atômica brasileira, suspeitou-se que o lixo atômico viria a ser despejado em buracos  no meio do Raso da Catarina, porque ali estaria para sempre isolado , sem o risco de contaminar aquíferos.
Mas, voltando aos bois, ou melhor,  às suas carcaças, é oportuno lembrar que ao lado das estradas,  vêem-se  também uma sucessão de  poços   artesianos.  Ou   seja, do fundo do nosso ¨deserto¨ jorra água doce.
No Raso da Catarina,  Lampião ficava bem protegido das volantes. Nele,   nos galhos de uma desfolhada braúna, ficou    dependurado o desidratado cadáver  do coronel Moreira Cezar, o ¨corta-cabeças ¨  assustadora visão da múmia dentro do despropósito de uma farda inadequadamente colorida.
  Aqui, o Raso da Catarina  entra como  contradição e paradoxo,  podendo  servir de paradigma a todo o sertão,  abarcando  o semiárido. No Raso,  agora já se sabe, existe um manancial imenso de água subterrânea. Ali,  o açude de Cocorobó represou  as águas escassas da bacia do Vasa Barris. No seu  entorno há bananais imensos irrigados. Em diversos pontos a caatinga foi substituída por florestas de algarobas,  que alimentam os rebanhos, e delas se retira madeira legal.   Em Uauá, Chorrochó, Canché , Euclides da Cunha, há rebanhos numerosos de cabras, para as quais o semiárido é o próprio paraíso. ONGs, honestamente organizadas, produzem doces, geleias,  licores de umbu,  mel em profusão. No meio do Raso há vida ativa, economicamente produtiva,  como de resto em todo o semiárido, mas,  restrita às experiências pontuais, que não são replicadas por toda a extensão do ¨deserto¨. Por isso o gado morre de fome e sede  depois de dois anos sem chuvas.
O problema não está na aspereza do meio,  a seca devasta, todavia, pior do que ela, são cabeças afetadas pela secura de ideias.   
 Há, exatamente agora, uma epidemia  grassando na  cabeça dos nossos políticos.  
Se já não havia muita disposição para tratar  dos nossos  avassaladores problemas, de debruçar-se,  sobre as desditas  do nosso falso ¨deserto ¨ nordestino,  agora, com a fixação em 2014, a prioridade absoluta é para o marketing, o que significa dizer, para o tratamento superficial e oportunista da realidade , e a exclusão de tudo  mais que não renda votos.
Por isso, muito pouco se fala sobre a seca, esta clamorosa estiagem, que, ao longo de 10 anos   deixará seus efeitos sobre a economia nordestina.

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