LOURIVAL E AS SUAS
BALAS DE HORTELÃ
Lourival Baptista tinha um forma muito particular
de viver que ele levava à cena política, e que, ao adotá-la no governo, criou
também um estilo de administrar. Misturava, na dose certa, sisudez
com um senso de humor fino, inteligente, as vezes até deixando leve
suspeita de que encarava com ironia e interiormente desdenhava das pompas e dos
salamaleques, que, em tempos de regime forte, sempre se fazem
inseparáveis acompanhantes do poder. Apesar disso, não dispensava aquelas
formalidades, a liturgia do poder. Lourival tinha uma capacidade invulgar
para distinguir o amigo do adulador. Anotava os gestos e as palavras
melosas dos puxa-sacos, e em ocasiões descontraídas fazia
verdadeiras performances teatrais, imitando aqueles bajuladores ou alguns dos
líderes políticos do seu tempo. Era, contudo, muito reservado, e só a uns
poucos amigos ele tratava com intimidade, e se permitia os momentos de
descontração. Entre esses poucos amigos estavam o radialista Santos Santana, (
o melhor locutor de Sergipe, até hoje, 30 anos depois de morto sem ter quem o
iguale) e o jornalista Leó Filho, muito jovem, repórter político do
Diário de Aracaju, que Lourival convidou para a sua assessoria.
Lourival inaugurou a prática frequente de fazer
visitas aos municípios, iniciando um programa de interiorização do
desenvolvimento. Com muita festividade e pompa, desfile e revista
da Guarda de Honra da Polícia Militar, hasteamento de bandeiras, se fazia a
instalação do governo, e a cidade se transformava, por dois dias, em capital do
estado. As cidades disputavam a honra e não era possível atender a
todos os prefeitos. Assim, Lourival resolveu programar inaugurações nos
municípios menores, levando uma parte do aparato que o acompanhava nas
transferências da capital.
Canindé do São Francisco era naquele tempo o fim de
uma ladeira íngreme onde existia um aglomerado de casas em duas ruas: a
de cima, e a de baixo. Por precaução contra as enchentes, que
eram então anuais, as casas ficavam sobre um barranco. O prefeito
Ananias, que se tornou muito amigo do governador, fez-lhe um pedido.
Queria que ele fosse o primeiro governante de Sergipe a visitar o município.
Lourival mandou construir uma escola e marcou o dia da inauguração: logo
no início de 69, em janeiro. No dia aprazado chega o
governador com uns seis carros na comitiva e mais um ônibus da Policia
Militar que transportava a Guarda de Honra, envergando o vistoso
uniforme de lanceiros que Lourival criara logo ao assumir o governo .
Nas viagens que fazia no Itamaraty, chapa um,
raro automóvel nacional com ar condicionado, Lourival guardava um estoque
de balas de hortelã no cinzeiro, em desvio de função. No carro era
proibido fumar. O prefeito ofereceu um almoço à comitiva, onde havia um
prato enorme com a iguaria da região, cágados, que ficou quase intocado.
Na escola falaram o vice-governador, o intelectual
Cabral Machado e o Secretário da Educação, Professor Carlos Alberto Sampaio.
Lourival estava afônico, consequência da poeira imensa e do ar
condicionado, depois, o calor terrível de mais de 40 graus na chegada à povoação.
Chamou um ajudante de ordens e mandou que ele fosse buscar uma das suas balas
de hortelã. O militar voltou com a informação de que as balas haviam
sumido. Lourival fechou a cara, mas conseguiu fazer seu
discurso mesmo sem o socorro das balas. Na volta ao carro, chegou
perguntado ríspido ao motorista Sales, que era um senhor de vasta
cabeleira branca: ¨O que você fez com as minhas balas ?¨
Sales não teve outro jeito a não ser contar o que
acontecera.
Leó Filho, Santos Santana e o presidente da
Energipe, Benjamin Fontes ( pai do ex-deputado João Fontes ) fugindo da
soalheira insuportável, foram buscar refugio no Itamaraty, e pediram a
Sales que ligasse o ar condicionado. Lá ficaram , frescos e devastando o
estoque de balas de hortelã, enquanto Sales repetia: ¨ Dr. Lourival não vai
gostar disso.¨
Lourival ouviu sem nada comentar,
chamou o coronel Lenine, subchefe da Casa Militar, e deu-lhe
a ordem: ¨Coronel, avise a todos os motoristas que Leó Filho e Santos
Santana, estão proibidos de entrar nos automóveis, e devem retornar a
Aracaju, se puderem, a pé. Mas acrescentou : ¨ Como eu sei que o senhor
tem o coração mole, pode deixar que eles entrem no último carro
. E outra coisa, Benjamin fica fora disso, porque é um homem de
cabelos brancos e eu sei que ele não avançou nas minhas balas.¨ O último
carro era uma viatura de apoio da Policia Militar que transportava
mecânicos , pneus e peças para socorrer os carros da comitiva que
sempre quebravam durante as viagens. Nele , equilibrando-se sobre pneus e
ferramentas , retornaram Leó Filho e Santos Santana.
De volta a Aracaju por volta das 20 horas,
Lourival tomou um banho, jantou, e foi para a sua sala de trabalho no palácio
da Atalaia, onde morava. Quase meia noite ,
preparava ofícios que levaria aos ministérios em Brasilia, para
aonde viajaria naquela madrugada. Mandou chamar Leó e Santana. Os
dois, parece que haviam combinado, e disseram que não iriam, porque estavam
muito cansados. Em Brasília, Lourival comprou duas
caixas de balas de hortelã e mandou-as pelos Correios a Leó e a
Santana, com um mesmo bilhete anexo: ¨Nas próximas
viagens que iremos fazer, leve suas próprias balas. ¨
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