segunda-feira, 22 de abril de 2013

LOURIVAL E AS SUAS BALAS DE HORTELÃ



LOURIVAL E AS SUAS
BALAS DE HORTELÃ
Lourival Baptista  tinha um forma muito particular de viver que ele levava à cena política, e que, ao adotá-la no governo, criou também um estilo de administrar.  Misturava, na dose certa,  sisudez com um senso de humor fino, inteligente, as vezes até  deixando  leve suspeita de que encarava com ironia e interiormente desdenhava das pompas e dos salamaleques,  que, em tempos de regime forte, sempre se fazem inseparáveis acompanhantes do poder. Apesar disso,  não dispensava aquelas formalidades,  a liturgia do poder. Lourival tinha uma capacidade invulgar para distinguir o amigo do adulador.  Anotava os gestos e as palavras melosas dos puxa-sacos,  e em ocasiões descontraídas  fazia verdadeiras performances teatrais, imitando aqueles bajuladores ou alguns dos líderes políticos do seu tempo. Era,  contudo, muito reservado, e só a uns poucos amigos ele tratava com intimidade, e se permitia os momentos de descontração. Entre esses poucos amigos estavam o radialista Santos Santana, ( o melhor locutor de Sergipe, até hoje, 30 anos depois de morto sem ter quem o iguale) e  o jornalista Leó  Filho, muito jovem, repórter político do Diário de Aracaju, que Lourival convidou para a sua assessoria.
Lourival inaugurou a prática frequente de  fazer visitas aos municípios, iniciando um programa de interiorização do desenvolvimento.  Com muita festividade e pompa,  desfile e revista da Guarda de Honra da Polícia Militar, hasteamento de bandeiras, se fazia a instalação do governo, e a cidade se transformava, por dois dias, em capital do estado.  As cidades  disputavam a honra e não era possível atender a todos os prefeitos. Assim, Lourival resolveu programar inaugurações nos municípios menores, levando uma parte do aparato que o acompanhava nas transferências da capital.
Canindé do São Francisco era naquele tempo  o fim de uma ladeira íngreme onde existia um aglomerado de casas  em duas ruas: a de cima, e a de baixo.    Por precaução contra as enchentes, que eram então anuais, as casas ficavam sobre um barranco.  O prefeito Ananias, que se tornou muito amigo do governador,  fez-lhe um pedido. Queria que ele fosse o primeiro governante de Sergipe a visitar o município. Lourival mandou construir uma escola e marcou o dia da inauguração:  logo no início de 69, em janeiro.    No dia aprazado chega o governador com uns seis carros na comitiva e mais um ônibus da Policia Militar  que transportava a Guarda de Honra, envergando o  vistoso uniforme de lanceiros que Lourival  criara logo ao assumir o governo .   Nas viagens que fazia no   Itamaraty, chapa um,  raro automóvel  nacional com ar condicionado, Lourival guardava um estoque de balas de hortelã no cinzeiro, em desvio de função.  No carro era proibido fumar.  O prefeito ofereceu um almoço à comitiva, onde havia um prato enorme com a iguaria da região, cágados, que ficou quase intocado.
  Na escola falaram o vice-governador, o intelectual Cabral Machado e o Secretário da Educação, Professor Carlos Alberto Sampaio. Lourival  estava afônico,  consequência da poeira imensa e do ar condicionado,  depois, o calor terrível de mais de 40 graus na chegada à povoação. Chamou um ajudante de ordens e mandou que ele fosse buscar uma das suas balas de hortelã. O militar voltou  com a informação de que as balas haviam sumido. Lourival fechou a cara,  mas conseguiu fazer seu   discurso mesmo sem o socorro das balas. Na volta ao carro,  chegou perguntado ríspido ao  motorista  Sales, que era um senhor de vasta cabeleira branca: ¨O que você fez com as minhas balas ?¨
Sales não teve outro jeito a não ser contar o que acontecera.
 Leó Filho, Santos Santana e o presidente da Energipe, Benjamin Fontes ( pai do ex-deputado João Fontes )  fugindo da soalheira insuportável,  foram buscar refugio no Itamaraty, e pediram a Sales que ligasse o ar condicionado. Lá ficaram ,  frescos e devastando o estoque de balas de hortelã, enquanto Sales repetia: ¨ Dr. Lourival não vai gostar disso.¨
 Lourival ouviu  sem nada comentar,   chamou o coronel Lenine, subchefe da  Casa Militar, e deu-lhe a ordem: ¨Coronel, avise a todos os motoristas que Leó Filho e  Santos Santana, estão proibidos de entrar nos automóveis,  e devem retornar a Aracaju, se puderem, a pé. Mas  acrescentou : ¨ Como eu sei que o senhor  tem o coração mole, pode deixar que  eles entrem no último carro .  E outra coisa, Benjamin  fica fora disso, porque é um homem de cabelos brancos e eu sei  que ele não avançou nas minhas balas.¨ O último carro era uma viatura de apoio da Policia Militar  que  transportava mecânicos , pneus e peças para   socorrer os carros da comitiva que sempre quebravam durante as viagens.  Nele , equilibrando-se sobre pneus e ferramentas , retornaram  Leó Filho e Santos Santana.
De volta a Aracaju   por volta das 20 horas, Lourival tomou um banho, jantou, e foi para a sua sala de trabalho no palácio da Atalaia, onde morava.    Quase meia noite ,   preparava ofícios que levaria aos ministérios em Brasilia,  para aonde viajaria naquela madrugada. Mandou  chamar Leó e Santana. Os  dois, parece que haviam combinado, e disseram que não iriam, porque estavam  muito cansados.  Em Brasília,  Lourival comprou  duas caixas de balas de hortelã e mandou-as pelos Correios  a  Leó e a   Santana, com um mesmo  bilhete anexo:  ¨Nas próximas viagens que iremos fazer,  leve suas próprias balas. ¨

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