O FEIJÃO QUE SUMIU E O “FEIJÃO” DA PONTE
O preço do feijão nosso de cada dia vai às alturas. A
transformação do cereal plebeu em ingrediente custoso nos pitéus granfinos, anda
a abalar as estruturas vulneráveis da nossa economia em descenso. Se o tomate,
ou até mesmo o insípido chuchu (o legume, não o governador de São Paulo)
conseguiram desfazer os cálculos econométricos do Banco Central e aceleraram a
inflação, por que o feijão, assíduo freqüentador de pratos ricos e pobres, não mereceria receber o título de
fator inflacionário?
Em outros tempos a crise do feijão logo faria surgir
fantasmas ou abantesmas conspiratórios. Sempre existiu entre nós aquela mania
de atribuir a outros as culpas pelas nossas próprias mazelas. Dividimo-nos
entre os que nos apontavam como perigosos inimigos , o “comunismo
internacional” ou o “imperialismo americano”. E pouco nos demos ao trabalho de
elencar os nossos próprios erros, causados aqui dentro por cada um de nós, no
nosso dia a dia, ampliados pela rapinagem ou incompetência daqueles que
erradamente elegemos. Talvez o feijão esteja assim tão escasso e inacessível,
menos pelo clima do que pela ausência, no seu cultivo, das tecnologias que a
EMBRAPA oferece ao agricultor, resultado da competência e dedicação dos seus cientistas.
Mas para não perder o velho hábito viram na crise feijoeira o
dedo vermelhíssimo dos irmãos Castro, os quase decrépitos mandatários de Cuba.
A eles Lula, “cúmplice da ditadura
cubana” doou, faz tempo, 600 toneladas de feijão, e isso até agora desconjuntou
os nossos estoques reguladores.
Seiscentas toneladas de feijão é exatamente a mesma quantia
que o deputado federal Fábio Mitidieri informa que solicitou à COBAL para que
fossem enviadas a Aracaju, mas, completou a informação denunciando o prefeito
João Alves que esqueceu o feijão e o deixou apodrecer sem uso.
O que, sendo verídico, vem a comprovar a tese mais objetiva
de que os erros devem ser encontrados principalmente aqui, entre nós mesmos.
O feijão é alimento
igualitário, freqüentador de todas as mesas. O muito pobre o consome agradecido
pela sorte, o remediado o consome com gosto, o rico o consome um tanto
contrafeito, disfarçando aquela preferência ausente dos cardápios sofisticados.
Mas todos se juntam de maneiras diversas em tôrno do prato de
feijão.
Para determinar os efeitos da carestia (assim se chamava a
inflação) sobre o consumo de alimentos e o bem estar da coletividade, o poeta
Freire Ribeiro andou a formular teorias, aplicando uma metodologia muito
pessoal e um método empírico-escatológico, também invenção sua.
Partindo da premissa de que o consumo do feijão entre a
população pobre variava de acordo com o preço (ele nem conhecia o economês, nada
sobre elasticidade ou inelasticidade da demanda) Freire, freqüentador assíduo da Ponte do
Imperador, onde pobres, sem duvidas, defecavam à noite, saía durante o dia a prospectar os indícios de
feijão, evidenciados e perceptíveis pelas cascas que restavam inteiras nos
excrementos. De acordo com a fartura ou escassez daqueles “inequívocos testemunhos”
ele anunciava com a face alegre e riso sarcástico, que lançava as bases sólidas,
ou nem tanto, de uma radical teoria econômico-social-escatológica, perfeitamente
aplicável à realidade brasileira .
Freire, fascinado leitor de Bocaccio e Cervantes, bem conhecia
quanto vale uma sátira.
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