ÀS MARGENS DO LAGO
AFUNDOU O PROJETO
Esta crise, tem tudo para se tornar alongada e renitente. Muito
precisamos e quase tudo nos falta.
Faltam-nos, sobretudo, aquilo que é
essencial: um projeto para o Brasil, e políticos capazes para colocá-lo em
marcha. E por onde andarão esses políticos? Tratando de si mesmos, dos
interesses específicos que representam, ou da mesquinhez de uma politicagem
abjeta. A história nos demonstra : desde 1889, quando Deodoro muito a
contragosto retirou Dom Pedro do trono e
instalou a turbulenta República, só tivemos, de fato, dois projetos bem
sucedidos para o Brasil. Um, foi tocado por Getúlio Vargas, outro, por
Juscelino Kubitscheck. Getúlio deu atenção ao povo, criou direitos
que ele nunca tivera, mas seu modelo autoritário-populista excluía a hipótese
de uma democracia representativa. O povo
ganhou direitos sob a forma de outorga, e serviu de massa de manobra
para uma ditadura que cultivava a força e a adesão das massas. Mas o Brasil tornou-se menos injusto, e começou a modernizar-se,
criando a plataforma para o salto da industrialização, suplantando o retrógrado modelo agrícola –
exportador, que, apenas substituíra o braço escravo pela semi-escravidão de
trabalhadores subjugados.
Juscelino, prometendo 50 anos em 5, deu feição moderna ao país rural. Instalou
indústrias, abriu estradas, multiplicou
a geração de energia, levou civilização aos ermos inalcançáveis do
centro-oeste. Criou otimismo e esperança, apesar das sublevações militares, do
golpismo liderado pelos porta-vozes do atraso.
Eugenio Gudin, um dos gurús da reação conservadora –
moralisteira, disse que Brasília era um disparate tão grande que melhor seria
deixa – la inconclusa para que a vegetação resisiliente do cerrado viesse, depois, a recobrir tudo. Com Brasília às vésperas de ser inaugurada, Gudin escreveu
em O
Globo que a capital nova da República não poderia instalar o governo, porque as
ligações telefônicas nunca seriam concluídas.
Três dias antes da inauguração de Brasília o telefone tocou na casa de Gudin, no bairro de Copacabana, Rio de Janeiro. Era o
presidente JK que o convidava para a festa da nova capital. Gudin perguntou: De
onde o senhor está telefona ? JK
respondeu: Do meu gabinete no Palácio da Alvorada em Brasília, onde já estou
trabalhando.
Juscelino era fascinado pela loucura bendita de fazer.
Usava o poder para concretizar
o sonho de visionário . Acreditava na
capacidade que tem a política quando
manejada com idealismo, para transformar-se no melhor caminho em direção à
utopia.
Lula poderia ter concretizado o que seria o terceiro e mais
consistente projeto para o Brasil.
Seria a abrangência ampla do
Fome Zero , com educação, saúde,
empreendedorismo. Enchendo barriga e tornando produtivas as pessoas
alimentadas. A perfeita fórmula social,
priorizando os excluídos, e o consequente sepultamento de uma sociedade esclerosadamente
conservadora,
a consolidação de uma democracia
participativa, a vivificação dinâmica da política pelos movimentos
sociais.
Todavia, a capital do
futuro, Brasília, nascida das linhas revolucionariamente modernas de Oscar
Niemeyer e Lúcio Costa, tornou-se, na
sua imagem urbana deturpada, a metáfora infeliz do generoso projeto social que naufragou às
margens do Lago Paranoá.
Aquele lago é a emblemática imagem da nossa trágica desigualdade, atravessando
séculos, sem merecer qualquer forma de atenção. Pelo contrário, sempre foi entendida como
algo inevitável a ser
solucionada num prazo futuro, sempre,
imprecisamente definido.
Em Brasília, às
margens disputadíssimas do lago estão os ¨metros quadrados ¨ mais caros do
país. As grandes mansões ficam na frente, com vista privilegiada para o enorme
espelho d`água. Seus moradores ainda
conservam o sofisticadíssimo direito, ou esbulho, de acesso exclusivo à margem.
Nessas mansões estão próceres da República ( onde todos são iguais perante a
lei ), há também escritórios de corporações, de advogados renomados, e também
de notórios lobistas. Enfim, ali esta a finíssima flor dos poderosos em
simbiose com negócios, ou, preferentemente, negociatas. Na segunda fila, sem
vista para o lago, estão as mansões de
personagens menos importantes, mas, muito endinheiradas. É possível que nelas
se encontrem numerosos servidores públicos, desses, que conseguem gastar muito mais do
que permitem os seus salários. Ao largo, rodeando o Lago de Paranoá está grande
parte da população brasiliense. A classe
média nos prédios comuns, os ricos, que ainda não conseguiram chegar à beira do
lago, ou que têm o bom senso de evitar o exibicionismo. Agora, longe, muito longe, vive o grosso da população
brasiliense. Aglomera-se nos núcleos empobrecidos e em grande parte favelizados
: o Gama, Sobradinho, Ceilândia, Planaltina......
Os que ali vivem, enfrentam os terríveis problemas da grande
massa trabalhadora : mobilidade urbana
péssima, saúde e educação horríveis,
segurança pública inexistente.
Nessa massa, que é síntese do povão brasileiro, onde cabe também a classe
média, e até ricos, conscientes de que num país
clamorosamente desigual os seus negócios
ficam comprometidos, havia a esperança alimentada pelo projeto social que Lula liderava. O conservadorismo renitente, e insensível,
sempre foi radicalmente contra, raivosamente adversário.
Andava em busca de um bom pretexto para por tudo abaixo, e deixar a nossa estratificação social
perversamente, como sempre foi: ricos,
privilegiados, à beira do lago, e o
resto, o povão, no miserê do barracão de zinco, na rua com esgoto
correndo , com fome, doente, e sem remédio.
Mas ai, quando o miserável começava a comer, quando os de
baixo subiam, já andavam de avião,
compravam motos , carros, se vestiam, iam à restaurantes, os que tocavam o
projeto social foram freqüentar as mansões dos lobistas à beira do lago. Ali,
entusiasmaram-se tanto com as facilidades encontradas, enquanto o projeto social ia para o brejo.
Para completar, a inanição política e administrativa de Dilma, que, aliás, nunca freqüentou as mansões dos lobistas,
agora, afunda também o Brasil.
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