UM MÉDICO, UM INTELECTUAL
Mais duas perdas em menos de uma semana. Domingo, falávamos sobre o político Tertuliano Azevedo
e o médico Hyder Gurgel, que faleceram.
Agora, há que se abrir um espaço de saudade e reverencia a
dois outros exemplares cidadãos que irão nos fazer muita falta. O intelectual
Ezequiel Monteiro e o médico Hugo Gurgel.
Aos 90 anos morreu o
médico Hugo Gurgel, 5 dias após o irmão Hyder. Hugo obstetra, Hyder pediatra, fizeram da
medicina um exercício virtuoso de humanismo. Hugo criou a maternidade Santa Lúcia, padrão em obstetrícia e ginecologia. Maternidade particular, mantida com o que
arrecada, mas ele sempre teve um largo espaço reservado ao exercício gratuito e benemerente da sua
profissão. Era um desses médicos que não têm hora, nem dia, nem circunstancia,
que os impeçam de atender um paciente, não distinguindo entre os que podem e os
que não podem pagar. Hugo foi também o
professor que sabia, sobretudo, motivar e oferecer exemplos aos seus alunos. Os
belos exemplos da sua própria vida.
Ezequiel Monteiro foi a inteligência mais representativa da
sua geração. Desde jovem, revolucionário, dividiu-se depois nas contradições de quem não limita o
pensamento aos cânones das ideologias, ou aos dogmas das religiões. Foi iconoclasta e
religioso, esquerdista e descrente de extremas ousadias sociais, anarquista e fiel cultor das leis e do
Direito. Jornalista, advogado, escritor. Contista de surpreendente
engenhosidade imaginativa, Ezequiel, como bem lembrou Ivan Valença na sua
coluna dominical do Jornal da Cidade, foi compositor tão bom que o
perfeccionista João Gilberto fez com ele parcerias.
Poucos sabem, mas Ezequiel, quando pacifista, retornou às
pressas a Aracaju, vindo do Rio de Janeiro, onde era aluno
brilhante do Instituto Superior de
Estudos Brasileiros, o ISEB. Motivo: Deu um soco na cara do coronel aviador
Gustavo Borges, poderoso integrante do governo de Carlos Lacerda, que andava
pelas ruas furando pneus de carros estacionados sobre as calçadas. Ezequiel
conseguiu fugir do coronel que não o alcançou na corrida, mas antes, aos 16 anos, não escapou da fúria
fascista do almirante Penna Boto, que
caçava comunistas em Sergipe. Ezequiel foi trazido de Laranjeiras para Aracaju
amarrado no fundo de um Jeep , e entrou na Capitania dos Portos cantando alto a
Marselhesa, que, para ele, não era o Hino da França, mas o brado revolucionário
da liberdade. O almirante quase morreu de raiva.
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