sábado, 26 de julho de 2014

O JUMENTO É NOSSO IRMÃO



O JUMENTO É NOSSO IRMÃO
Para uma boa parte dos nordestinos o jumento, ou jegue, é bicho sagrado. Como canta Luiz Gonzaga:  ¨  o jumento é nosso irmão¨.  Assim , tão reverenciado ,não se pense contudo que o bicho se faz merecedor de algum privilégio. O jegue vive ao léu, ao ¨deus dará¨,  é de fato um penitente das caatingas. Quase não bebe e pouco  come, e quando come é  sempre o pão que o diabo amassou. Jegue não deixa passar um almoço que faz até de um capuco de milho esturricado pelo sol. Cutuca com os cascos  a cobertura espinhenta dos facheiros e mandacarus, dos coroas de frade, até deixar   descoberta a polpa macia dos cactus, e isso para ele é um lauto almoço. No fundo dos terreiros onde se joga  aquele lixo miúdo de gente pobre, o jegue tudo remexe, e quando acha coisa umedecida, mesmo que esteja podre, aí, ganhou um banquete padrão FIFA.
O jegue não é nosso,  veio   trazido pelos portugueses. Seus tataravós   luzitanos eram vistosos,  cheinhos de gordura , jeguinhos  de clima ameno, vivendo com algumas farturas. Aqui pelo nordeste foram definhando, mas a natureza de certa forma protege aqueles que nela se vêm desvalidos, e assim o jegue se foi adaptando ao meio, tornou-se íntimo das caatingas, esperto em descobrir vestígios de água no leito seco dos riachos, ao mesmo tempo acostumou-se a sobreviver achando água nas macambiras e  e comendo até areia. Mas  jegue, bicho, digamos assim, excepcionalmente bem dotado, nunca deixou de exibir uma férrea virilidade, mesmo ao sol desatado do verão, quando costuma relinchar às 11 horas quase sempre em rígida posição de sentido, farejando uma jeguinha pelas redondezas. Mas não é disso que tratamos, o que traz o jegue ao centro do noticiário, às páginas dos jornais, aos espaços nas rádios e TVs, é a idéia de   um Promotor  de Justiça que, de tanto avistar jegues pelos sertões que percorre, descobriu, inteligentemente, que estamos a desperdiçar  proteína pura e barata, carne saudável tanto quanto o são as carnes ovinas, bovinas ou caprinas. Então, pergunta o lúcido representante do Ministério Público: Por que não introduzimos na alimentação diária a carne de jegue, de forma opcional é claro, e sugeriu que o jumento passasse a constar nas refeições dos estudantes e dos presidiários. Nisso, evidentemente ,  lhe faltou um pouco de jeito e habilidade.  E ai foi o bastante para desabar o mundo, pelo menos naquela parte saliente do continente brasileiro  o nordeste, a pátria do jumento. Apareceram  as confrarias de gente,  que se impressiona quando se fala em abater um animal não usualmente integrante do vasto cardápio do voraz e insaciável bicho homem.  Comportam-se  como se o mundo fosse formado por sete bilhões de vegetarianos.   Mas  este nosso  vasto mundo,  é um descomunal e fétido  matadouro, onde  escorrem os milhões de litros de sangue de   milhões de aves,   de carneiros, bois, vacas, coelhos, tudo exterminado pelo   homo –sapiens, o ser inteligente que aprendeu a fazer essa carnificina, essencial para a sua sobrevivência. Então, um jegue a mais um jegue a menos, o que iria afetar o escorrer desse rio sanguinolento, sem o qual a raça humana já estaria extinta?
O ¨jegue é bicho sagrado¨, dizem, querendo encontrar uma justificativa na tradição bíblica de que Jesus andou montado num deles.
 O que então dizer do carneiro, o dócil cordeirinho, com o qual se identificou o Filho de Deus? ¨ Agnnus Dei qui tollis pecata mundi ¨.  E quem já pensou em livrar o carneiro do porrete ou da faca afiada do magarefe ?
Em todos os pontos do planeta onde bichos melhor se adaptam ao clima, são eles sempre os que mais se encaminham para a panela. Nos países nórdicos, as renas, aqueles veadões de enormes galhas, são dos  poucos que resistem ao frio extremo,  em pleno inverno  rebocam o trenó de Papai Noel,  nem  por isso deixam de ser inapelavelmente devorados. Na Finlândia,  país  tão gelado quando insípido, serve-se um bifinho de rena, fininho, quase transparente, que tem gosto de matéria plástica,.
Dizem, experientes mergulhadores que  tubarão é bicho um tanto indiferente ao sexo,  no entanto os chineses estão a exterminá-los  para retirar-lhes as barbatanas,  vendidas  como se fossem mais eficazes  do que o Viagra.
Já imaginaram se do jegue retirarem aquela  parte inferior mais proeminente para transformá- la em lingüiça  a ser servida em minúsculos pedacinhos  a quem estiver necessitando de estimulantes sexuais?
Essa não seria exatamente a idéia do Promotor  mas, como no capitalismo quem dita  regras é o mercado, então, que se maximizem os lucros.

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