sábado, 8 de março de 2014

O CARTEIRO E O GOVERNADOR



O CARTEIRO E O GOVERNADOR
Corria o ano de 1963. Há mais de umano   admitido nos Correios  como carteiro, um jovem que cursava o primeiro ano da Faculdade de Direito, revelou-se muito eficiente e responsável,  e mereceu então a  tarefa de entregar todos os dias a volumosa correspondência dirigida ao governador do Estado. O jovem carteiro que já percorrera a pé todos os bairros da cidade, comprarahá pouco tempo uma bicicleta.  Pedalando chegavatodos os dias ao palácio Olímpio Campos. Encostava na parede da frente a Monark de fabricação inglesa, selecionava cuidadosamente as cartas e pacotes,  e com eles numa sacola se dirigia à Casa Militar, onde fazia a entrega e guardava cuidadosamente os recibos. O carteiro sentiaorgulho de ter dado a sua contribuição para eleger aquele governador a quem agora levava as cartas. A campanha fora no ano anterior,disputa acirrada entre o jovem e impetuoso deputado Seixas Dória,  que rompera com o seu chefe, o líder da UDN Leandro Maciel,e  à frente de uma coalizão  de partidos o enfrentara nas urnas. O carteiro sentira nasua  família o que significava o exercício autoritário do poder numa democracia apenas formal, sem a participação efetiva do povo ,  onde adversários eram tratados  como inimigos, aos quais não se concediam direitos.  Sua mãe,professora  teimosamente política, seguindo a liderança de Leite Neto, chefe do PSD na oposição, era, por isso, removida de um município para outro, 5, 6 vezes por ano.
 O carteiro enxergava na vitória de Seixaso inicio do crescimento do protagonismo das chamadas forças populares,  sindicatos,  partidos de esquerda,  estudantes então muito em evidencia, o movimento camponês que surgia, e, com isso, o simples choque de interesses restrito às elites da aristocracia sergipana, iriam se transformando num enfrentamento entre estruturas político-sociais superadas,   resistentes à criação da  perspectiva do novo, da transformação social. O carteiro tinha a veia política da mãe professora,as ideias de mudança  se firmavam na  sua cabeça, e ele já era militante esquerdista. Andava agora a cumprir tarefas para oclandestino PCB,  as vezes indo para reuniões do partido,  saindo da igreja onde nunca deixou de assistir missa, de rezar muito e incomodar os santos com variadas promessas. O carteiro antecipava o laço de solidária identidade que os teóricos já identificavam entre as teses da esquerda,e a esperança viva de paz e fraternidade humana que se resume no  ¨amai--vos uns aos outros,¨ uma ousadia  do Homem de Nazaré,  que viveu nos tempos do ¨olho por olho, dente por dente¨,  que era lei e norma de conduta.
Semana passada o carteiro que levava cartas para o governador , que agora também é governador, Jackson Barreto, recebeu os  engenheiros Ernani e Antônio Carlos, filhos do destacado líder nacionalista,  que lhe foram fazer a entrega do acervo do pai, uma preciosidade histórica contida em documentos, cartas, escritos, livros, jornais, honrarias, memórias vívidas de uma existência de lutas,  sucessos,   vitorias e queda, prisão e sofrimentos, e de muita tempera para resistir ,ao amparo das mesmas ideias e dos mesmos sonhos,  o roteiro completo de uma vida dedicada a Sergipe e ao Brasil. Daquilo  que foi organizado com a dedicação de Dona Meire,  esposa , companheira extraordinária, e até conselheira política, surgirá, certamente, o Memorial Seixas Dória, melhor homenagem que Sergipe prestará ao filho ilustre.
Jackson, rodeado por velhos companheiros dos tempos ásperos do regime raivoso, emocionou-se, não conseguiu falar, viu passar àfrente a sua  própria vida, desde o carteiro ao governador, em tantos episódios históricos  atravessados  ao lado de Seixas Dória.
O que de melhor se pode identificar hoje no comportamento deJackson,  político cuja vida se  mistura com a História recente de Sergipe e do Brasil,  é que, os mesmos sonhos de evolução social, de ampliação da democracia com a participação popular que o carteiro  acalentava, persistem agora no governador, que se empenha em construí-los, e o que é talvez mais importante: sem perder a humildade do carteiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário