O CARTEIRO E O GOVERNADOR
Corria o ano de 1963. Há mais de
umano admitido nos Correios como carteiro, um jovem que cursava o primeiro
ano da Faculdade de Direito, revelou-se muito eficiente e responsável, e mereceu então a tarefa de entregar todos os dias a volumosa
correspondência dirigida ao governador do Estado. O jovem carteiro que já
percorrera a pé todos os bairros da cidade, comprarahá pouco tempo uma
bicicleta. Pedalando chegavatodos os
dias ao palácio Olímpio Campos. Encostava na parede da frente a Monark de
fabricação inglesa, selecionava cuidadosamente as cartas e pacotes, e com eles numa sacola se dirigia à Casa
Militar, onde fazia a entrega e guardava cuidadosamente os recibos. O carteiro
sentiaorgulho de ter dado a sua contribuição para eleger aquele governador a
quem agora levava as cartas. A campanha fora no ano anterior,disputa acirrada
entre o jovem e impetuoso deputado Seixas Dória, que rompera com o seu chefe, o líder da UDN
Leandro Maciel,e à frente de uma coalizão de partidos o enfrentara nas urnas. O carteiro
sentira nasua família o que significava
o exercício autoritário do poder numa democracia apenas formal, sem a
participação efetiva do povo , onde
adversários eram tratados como inimigos,
aos quais não se concediam direitos. Sua
mãe,professora teimosamente política,
seguindo a liderança de Leite Neto, chefe do PSD na oposição, era, por isso,
removida de um município para outro, 5, 6 vezes por ano.
O carteiro enxergava na vitória de Seixaso
inicio do crescimento do protagonismo das chamadas forças populares, sindicatos,
partidos de esquerda, estudantes
então muito em evidencia, o movimento camponês que surgia, e, com isso, o simples
choque de interesses restrito às elites da aristocracia sergipana, iriam se
transformando num enfrentamento entre estruturas político-sociais superadas, resistentes à criação da perspectiva do novo, da transformação social.
O carteiro tinha a veia política da mãe professora,as ideias de mudança se firmavam na sua cabeça, e ele já era militante
esquerdista. Andava agora a cumprir tarefas para oclandestino PCB, as vezes indo para reuniões do partido, saindo da igreja onde nunca deixou de assistir
missa, de rezar muito e incomodar os santos com variadas promessas. O carteiro
antecipava o laço de solidária identidade que os teóricos já identificavam
entre as teses da esquerda,e a esperança viva de paz e fraternidade humana que
se resume no ¨amai--vos uns aos outros,¨
uma ousadia do Homem de Nazaré, que viveu nos tempos do ¨olho por olho, dente
por dente¨, que era lei e norma de
conduta.
Semana passada o carteiro que
levava cartas para o governador , que agora também é governador, Jackson
Barreto, recebeu os engenheiros Ernani e
Antônio Carlos, filhos do destacado líder nacionalista, que lhe foram fazer a entrega do acervo do
pai, uma preciosidade histórica contida em documentos, cartas, escritos,
livros, jornais, honrarias, memórias vívidas de uma existência de lutas, sucessos,
vitorias e queda, prisão e
sofrimentos, e de muita tempera para resistir ,ao amparo das mesmas ideias e
dos mesmos sonhos, o roteiro completo de
uma vida dedicada a Sergipe e ao Brasil. Daquilo que foi organizado com a dedicação de Dona
Meire, esposa , companheira
extraordinária, e até conselheira política, surgirá, certamente, o Memorial
Seixas Dória, melhor homenagem que Sergipe prestará ao filho ilustre.
Jackson, rodeado por velhos
companheiros dos tempos ásperos do regime raivoso, emocionou-se, não conseguiu
falar, viu passar àfrente a sua própria
vida, desde o carteiro ao governador, em tantos episódios históricos atravessados ao lado de Seixas Dória.
O que de melhor se pode
identificar hoje no comportamento deJackson, político cuja vida se mistura com a História recente de Sergipe e
do Brasil, é que, os mesmos sonhos de
evolução social, de ampliação da democracia com a participação popular que o
carteiro acalentava, persistem agora no
governador, que se empenha em construí-los, e o que é talvez mais importante:
sem perder a humildade do carteiro.
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