sábado, 7 de dezembro de 2013

MARCELO DÉDA, OU A NOBREZA DA POLÍTICA A ESTRELA E AS CINZAS ( 1 )



MARCELO DÉDA, OU A NOBREZA DA  POLÍTICA
             A ESTRELA E AS CINZAS ( 1 )


Passava um pouco das 5  horas de uma tarde quente,  como costumam ser aqui todas as tardes de dezembro,  quando o avião da Força Aérea Brasileira  decolou do aeroporto de Aracaju levando o corpo do governador Marcelo Déda. Na pista,  onde poucos conseguiram chegar,  o deputado João Daniel,   líder do MST, erguia com os braços abertos num gesto de exaltação e despedida, a bandeira rubra do Partido dos Trabalhadores. Os raios vindos de um  enfraquecido sol vespertino  que descambava,  esbatiam-se, quase horizontais,  sobre o pano vermelho, tornando-o translúcido, e quem estava próximo, através dele,  podia divisar o avião que ia sumindo, envolvido num difuso tom escarlate  que  coloria, no céu, o seu trajeto.
Era então o momento de enxugar as lágrimas.    Junto ao grupo que conseguiu ultrapassar  a faixa de segurança do pátio de manobras,  um militar caminha  murmurando:   ¨A estrela partiu ¨.
Quando, na madrugada em que findou o alongado calvário, Eliane, a mulher sempre presente a acompanhar os passos doloridos rumo ao final,  sem nunca, pela força do amor infindo desligar- se de um tênue  fio de esperança, não querendo falar em morte ao filho menos criança, João Marcelo, usando também a metáfora da estrela,  disse:  ¨Agora, quando você olhar o céu, aquela estrelinha mais brilhante  será papai. ¨
A estrela do PT esteve  sempre presente na vida de Déda, nela, ele enxergava aquilo em que sempre acreditou e dedicou a sua vida pública, elaborando  uma outra metáfora, a da estrela que, na  visão cristã, ilumina e guia o caminho a ser percorrido rumo à solidariedade, à liberdade e a Justiça, talvez até,  a uma quase utópica igualdade.
Déda, ele próprio uma estrela de primeira grandeza no cenário nem sempre iluminado da vida pública brasileira, não perdeu o brilho,  nem mesmo quando morria aos poucos, sem uma palavra de desespero ou revolta, e   mesmo definhando, sonhava, divagava, falava sobre o futuro que não seria mais o dele, todavia,  o de Sergipe, do Brasil, dos seus filhos, da sua gente. E conseguia fazer poesia, uma delas,  denominada Gênesis,  momento da criação,  do surgimento da vida,  da qual ele  conscientemente se despedia.
 Foi assim: Houve, durante  6 anos  11 meses e 2 dias, um  governador de Sergipe  que foi poeta,  sonhador, um ser humano exemplar,  homem público íntegro, que superou a própria ruina física,  e manteve intacta a mente, decidido a  tornar-se um exemplo, ao mesmo tempo de resignação e crença na vida. Quando Déda pediu  para ser cremado e traçou o roteiro ou a liturgia para as suas cinzas, ali estava o homem humilde,  e também superior,  que se enxerga pó e ao pó retorna. O homem que, tendo a capacidade de  refletir  quase sonhando,  contempla o céu numa noite estrelada, e se vê minúsculo, vagando no espaço infinito sobre uma esfera ínfima.  Probabilidade remota, o que não significa impossível, caso o planeta onde vivemos se choque com  um grande asteroide,  irá desintegrar-se, sem que isso, para o universo, signifique  tanto quanto a  folha caindo ao chão de uma floresta imensa . A folha morta  porém se transforma em húmus que fertiliza a terra.  Assim, enquanto não acabar o espaço  entre o gênesis e o apocalipse,  seja  de acordo com a criação bíblica  ou os cálculos precisos  da ciência, é preciso crer na vida e realimentá-la, num ato supremo de solidariedade com o futuro do planeta e dos seus habitantes. Marcelo Déda,  homem culto, uma enciclopédia em permanente ebulição, deve ter pensado dessa forma,   então, quis que as suas cinzas fossem  esparzidas sobre as raízes de duas árvores que ele e Eliane, felizes e juntos,  um dia plantaram no parque Augusto Franco, a Sementeira; uma outra parcela iria , ele  orientou, ser lançada ao mar que ele contemplava como espaço para ousadias e aventuras,  e a outra, pela família, certamente a ser  depositada em Simão Dias, a sua terra.
Camilo Castelo Branco o romancista português que  foi um vulcão de criatividade, semeador rebelde de ideias, disse ao morrer: ¨Não deixo nada, só o exemplo ¨.
Déda também não deixou nada, nada material, mas,  semeou exemplos, muitos exemplos , entre eles, o da nobreza da política.

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