NOTICIAS DE MANGUE SECO (3)
Em Mangue Seco circula uma frota de mais de 30
bugres. Veículos improvisados, de baixo custo,
únicos que podem enfrentar os
areais, e subir e descer fazendo ousadas manobras sobre as dunas. Depois da
ponte Gilberto Amado o fluxo turístico cresceu na região, convergindo para a
Praia do Saco, o Pontal, a Terra Caída, o Porto do Cavalo, e também beneficiando o lado baiano do imenso estuário. Com os
peixes cada vez mais escassos, os pescadores desistem de redes, linhas e anzóis, e se tornam bugreiros,
pilotos de lanchas, ainda o principal meio de transporte para quem queira
ter acesso a Mangue Seco. A comunidade
vive do turismo, e sem gente suficiente para ocupar os postos de
trabalho, trabalhadores das redondezas passam o dia nas pousadas e restaurantes, retornando à noite às suas casas, na sua maior
parte no Coqueiro, um povoado maior que é , economicamente, satélite de Mangue Seco.
Eugênio, entre os bugreiros se destaca: o seu bugre é novinho em folha, reluzente, bem
tratado, ainda por cima tem um som da melhor qualidade. No fim do dia quando encerra as atividades ele chega com o seu carrinho, que, como todos os bugres, é aberto, e o estaciona junto à corrente que atravessa a
rua delimitando a área até aonde podem ir veículos motorizados. Um detalhe quase
inacreditável: A chave nunca é retirada, fica na ignição , da mesma forma o
som, vistoso componente bem visível no
despojado painel.
Eugênio
faz cara de estranheza quando lhe perguntam se não tem medo que lhe roubem o
bugre ou o som tão acessível para quem quiser furtá-lo, e logo transforma a
estranheza em pergunta , seguida da
explicação definitiva: ¨E quem aqui iria fazer isso? Em Mangue Seco não tem
ladrão. ¨
Regis, mora em Estância. Sobrinho de Dona Ana, ele, vez por outra
aparece no café da sua tia, um local onde além do expresso cuidadosamente
preparado, há doces saborosos feitos com frutas da terra e com o requinte da
doceira que, pela morte da mãe, dona Sula, teve de usar o seu talento tocando o negócio, e foi viver para sempre em Mangue Seco. Ela é prima de Jorge Amado.
Aos 80 anos lembra-se de quando o escritor andou entre Estancia e Mangue Seco
para fugir da polícia política do ditador Getúlio Vargas, que sabia por onde
ele andava, mas preferia não prendê-lo, a menos que retornasse ao Rio de Janeiro, capital da república, onde, no entender da
desinteligência do aparato
repressivo, os comunistas se tornavam
perigosos. Nas lonjuras de praias sergipanas ou baianas, qualquer
comunista ficava inofensivo. Pois bem,
voltando ao Regis, sobrinho da dona Ana, ele, vez por outra , gosta de sair
andarilhando pelo povoado. Regis conta
que nessas caminhadas as vezes resolve
dormir em qualquer lugar onde haja um gramado aconchegante, e vai deixando
celulares, carteiras, e os esquece. Volta para casa e no outro dia chegam as
pessoas para avisá-lo onde estão os seus pertences. Ninguém os toca, preferem
avisar ao dono, que tranquilamente vai buscá-los. ( Continua no próximo domingo
)
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