DOS CAVALOS DE FIGUEIREDO AOS
JATINHOS DE RENAN E HENRIQUE
Quando o general Ernesto Geisel,
saído da presidência da Petrobras, preparava-se para assumir a Presidência da
República e ia compondo o seu ministério, deparou-se logo com a primeira
dificuldade. Seu irmão o general Orlando Geisel era Ministro do Exército.
Oficial que se identificava com a
truculência da ¨linha dura ¨, facção radical das forças armadas, ele
comandara a pesada repressão durante os 4 anos do general Garrastazu Médici, e não demonstrava vontade de abandonar o
posto. O irmão presidente o decepcionou escolhendo outro general para Ministro.
Orlando Geisel conformou-se, mas
resolveu continuar morando no Palácio Duque de Caxias, residência oficial no Rio de Janeiro dos ministros do exército. Orlando Geisel , mesmo vestindo pijama de militar reformado, lá ficou vivendo
com a família, desfrutando de todas as mordomias , e recebendo, às expensas dos
cofres públicos, o longo tratamento da
enfermidade que o levou à morte. Já um outro general, o último deles escolhido para presidente, João
Batista Figueiredo, era vidrado em
equitação. Montava todos os dias, praticava salto, e de
tanto conviver nas baias, até disse que
preferia o cheiro dos seus cavalos ao cheiro do povo. Esse, pelo menos, era
sincero. Figueiredo era ministro-chefe
do SNI, - Serviço Nacional de
Informações- o imenso aparato bisbilhoteiro que invadia a vida pública e
privada das pessoas. O general instalou-se durante muito tempo na Granja do
Torto, e lá também viviam os seus cavalos, que
gostavam de comer aveia . Na
presidência, continuou morando na Granja
do Torto para não sair da proximidade
dos seus cavalos, todos alimentados e
tratados com o dinheiro do contribuinte.
Figueiredo, nos quase 4 anos à frente do SNI, cuidou de investigar a vida dos políticos ,
dos servidores públicos, dos empresários, e muitos deles, carimbados como corruptos , foram expostos à sanha
persecutória do regime. Já o general Orlando Geisel, morador do Palácio Duque
de Caxias, deu plena sustentação à ditadura que, segundo ele, tinha como principal meta livrar
o Brasil de corruptos e subversivos. Mas
os dois não se constrangiam, um, em
viver à custa dos cofres públicos em um palácio, e o outro, a alimentar e
tratar suas exigentes montadas com dinheiro
da mesma procedência. Iniciada a abertura, relaxada a rotina repressiva,
restabelecida as eleições diretas para
governadores, decretada a anistia, suspensa a censura, Figueiredo
participava de um ato político em Florianópolis, e um grupo de estudantes
começou a vaiá-lo. Ele não perdeu o humor até que um deles gritou: ¨
Figueiredo, Figueiredo dos seus cavalos o povo não tem medo ¨. Nem os seguranças conseguiram segurar
o general furioso que desceu à rua para
brigar com os estudantes. Eles, prudentemente correram.
A ditadura que agonizava, enfim,
e felizmente, morreu. Entre os seus
generais presidentes, pelo que se sabe, só Costa e Silva tinha gostos que iam bem além da
mordomia equina. Amante de um carteado, ele, principalmente quando foi comandante do
II Exército, tornou-se conhecido pelas dívidas feitas nas mesas de jogo, pelos
cheques voadores espalhados, até quando,
finalmente, lhe socorreu o providencial
amparo de uma velha e riquíssima
senhora, também frequentadora da tavolagem, que vinha a ser, exatamente, a mãe
de um engenheiro quase desconhecido, chamado Paulo Maluf, logo nomeado prefeito da cidade de São Paulo. Nem o mais ousado dos agiotas imaginaria um
retorno tão excepcional para o capital
utilizado.
Instalada a equivocadamente
chamada Nova República, os condestáveis
e os seus pajens tornaram-se ginetes de outras cavalgadas, bem
mais destemidas. Houve o tropel nunca interrompido em direção aos
segredos dos cofres da pátria amada. A velha mistura entre público e privado exigia algo mais do que cavalos, e entre outras coisas se fez corriqueiro o uso desordenado dos
jatinhos. Feito governador do ainda
território federal de Fernando Noronha,
o jornalista Fernando Mesquita recepcionava,
quase todas as semanas, ministros, familiares e amigos, que nas asas da Força Aérea Brasileira chegavam para o animado week-----end. Com FHC, a ilha fascinante que deixara de ser território federal, não desativou a Casa de Hóspedes localizada
num privilegiado local, de onde se podia
ver o Mar de Fora, na direção da África, e o Mar de Dentro, na direção do
Brasil, de onde escapavam os fatigados ministros sempre, nos jatos da FAB, deixando longe as canseiras.
A farra dos jatinhos começou a ser denunciada, e os
seus usuários se viram obrigados a um certo recato.
Hoje, com o povo nas ruas em indignada fúria
contra os descaminhos e equívocos do poder, pensava-se que o simples recato
fosse substituído pela obrigatoriedade do respeito ao povo.
Mas que nada, os velhos vícios são resistentes.
Encontrava-se o presidente da Câmara Federal
Henrique Eduardo Alves, em Natal, sua terra, quando
resolveu atender aos familiares e
amigos que queriam assistir, no Maracanã, o jogo Brasil e Espanha. Lá se foram
todos num jato da FAB.
Já o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, saiu da sua Maceió, também
num avião da Força Aérea, e foi a Porto Seguro, na Bahia, participar da festa
do casamento de um casal amigo No dia
seguinte, após a ressaca da festa, retornou a Brasília. Para ele, nada de
errado aconteceu, como presidente do Senado, alegou, tem
direito aos privilégios considerados ¨representação oficial ¨. Certamente representava o Senado na festança
do casal festejador. Henrique Eduardo Alves inventou uma audiência que teria
com o Prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, estranhamente num domingo, e
dia do jogo, mas devolveu aos cofres públicos 9 mil e 700 reais, que seriam
correspondentes às passagens da sua despreocupada comitiva. O
ministro da previdência Garibalde Alves, aquele que tem sempre no rosto
um sorrisinho inocente de coelhinho, também andou aprontando . Foi de Fortaleza
ao Rio assistir o final da Copa das Confederações num jatinho da FAB. Levou
parentes e aderentes, entre eles um grande empresário. Todos já anunciam agora
a devolução aos cofres públicos do que foi gasto. O cálculo porem é inexato,
até inexpressivo. E por que todos não fazem melhor, em chendo-se de vergonha e devolvendo os seus
cargos? Por aqui perto, a Mesa da Assembleia nem pensa em devolver
aos mirrados cofres de Sergipe, os 250 mil reais pagos ao ex-ministro do
Supremo, Sepúlveda Pertence, para que faça a defesa dos interesses da deputada
Suzana Azevedo .
É preciso
agora que os jovens manifestantes nas ruas ouçam os relatos de velhos que , quando jovens,
enfrentaram nas ruas a cavalaria da ditadura, para que, diante da farra
impudica dos jatinhos ,e outras farras
que continuam não venham a se sentir tentados a considerar ingênuos, aqueles
que transformaram cavalos em pensionistas do Estado, ou
fizeram de prédios federais residências vitalícias.
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