A DESCOBERTA DA DEMOCRACIA
A
História do Brasil registra, numa sucessão de eventos, a trajetória de uma ideia em busca de afirmação. Não foi um
percurso exemplarmente cumprido, sequer
traçado com a clareza da escolha, nem
mesmo a coerência das motivações. A
marcha da democracia no Brasil tem sido um labirinto de contradições. Talvez
por isso mesmo, e embora exaltada, aquela concepção de ¨governo do povo, pelo povo e para o povo ¨, sempre
juntou na mesma praça em delírio retórico, ou no mesmo quartel em ânsias de rebelião, os equívocos das escolhas
e as incoerências das ações. Aquelas senhoras transidas de sentimentos patrióticos que
dedilhavam terços nas marchas ¨Com Deus pela pátria e pela família ¨ pouco antes
do epílogo final do golpe de 1964,
definiam-se todas, como sendo a intimorata barreira levada às ruas das
cidades brasileiras para deter o avanço do comunismo que
ameaçava a democracia brasileira. Logo, elas estariam transidas de um outro sentimento.
Ao ouvirem aquelas vozes cavernosas que anunciavam cassações, prisões, nos
estertores da liberdade, as senhoras dedilhavam os terços, entravam numa espécie de histeria,
as insatisfações do corpo disfarçadas ou aplacadas pela inconsequente
adesão ao autoritarismo. Mas, nem uma só
entre elas deixaria de se definir, orgulhosamente, como democrata pura. Os
políticos que alertavam para as ameaças à democracia, logo decoraram o hino de
exaltação aos generais ¨salvadores das instituições ¨. Democracia e hipocrisia não se casam bem, e
desse desencontro visceral, nascem
ditaduras, ou, um dia, quando a
hipocrisia é identificada algo de salutar acontece.
As ruas que clamam, nos fazem
descobrir as virtualidades que a democracia oferece quando a presunção que é o pior vírus a infectar o
poder, termina por desmascarar o equivoco, ou a hipocrisia de acreditar na plenitude
democrática com o povo mudo.
Se um dia transformar-se em
realidade a utopia da plenitude das
satisfações humanas, poderemos, quem
sabe, conviver com a paralisia social, onde
somente se ouvirá a chatice uníssona de um SIM. Talvez essa concordância
absoluta torne desnecessária a
democracia. A humanidade se reduziria a um bando de idiotas em abobalhado êxtase de unanimidade.
Enquanto isso felizmente não acontece, diante da falsa imagem do melhor dos mundos,
as ruas que dizem NÃO fazem a descoberta da democracia ampla, geral e
irrestrita, desde que não haja, no meio, a fúria selvagemente totalitária dos
arruaceiros.
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