domingo, 25 de março de 2012

A ENFERRUJADA ´MAGRELA´ DO POBRE E O BÓLIDO PRATEADO DO BILIONÁRIO



O trabalhador era  biscaiteiro.   Saíra  de casa à tardinha depois do trabalho.  Fora comprar, na quitanda, o leite para fazer um pudim.  Dia do aniversário da mulher,  ele queria fazer-lhe uma surpresa.  Morava em Xerém, distante subúrbio do Rio,  lugar onde o vento faz a curva. Retornava  pedalando uma bicicleta.  Em sentido contrário, acabando de descer a serra, vindo de Itaipava, reduto de milionários, chegava à baixada fluminense o bólido prateado.  Uma  Mercedes SLR- Mac - Laren, motor V-8 , potência de 626 cavalos, faz 334 quilômetros por hora, um dos 75 exclusivos modelos fabricados pela sofisticada montadora alemã.  É  carro prodigioso, quase um foguete. Roda de 0 a 100 quilômetros em 3.85 segundos, e de 0 a 300 em 28,8.  Considerando-se que os nossos limites de velocidade variam de 60 a 80 quilômetros nas cidades, e só em raras  autopistas chegam a 140, fica a pergunta: Para que  serve  um despautério  desse,   no nosso tráfego urbano congestionado, ou nas nossas quase sempre precárias estradas? Serve  sim, para ostentar riqueza,  inflar o ego desmesuradamente grande de quem já é desmesuradamente rico.  Mas não  só isso. É  máquina mortífera, mesmo  pilotada com todos os cuidados.  Como manter o bólido dentro dos limites de velocidade, se  uma leve pisada no acelerador já o faz ultrapassar os 100 quilômetros?  Ninguém que o dirija pode fazer o milagre de evitar pontos de punição na carteira por ultrapassagem da velocidade máxima.  A mais de 200 quilômetros, por mais tecnologia de freios ultramodernos, um piloto não conseguirá domar tanta força e fazer o SLR parar, antes de percorrer cem metros. O carro é  uma dupla  dose de estupidez  com incoerência, tanto de quem o pilota, como do poder público, que permite livremente a importação ou a fabricação no Brasil de automóveis com mais de  duzentos cavalos de potência . O que dizer então de um  carro com motor  de 626 cavalos, mais do que a potência dos dois motores do   Douglas DC-3, que foi o avião de passageiros e transporte de cargas mais utilizado no mundo por empresas  e forças aéreas?
Thor, o jovem filho do empresário Eike   Batista,  ao volante da joia prateada de um milhão e setecentos mil reais, pode até nem ser culpado, mas,  mesmo culpado, a sua responsabilidade se dilui diante da irresponsabilidade como  o Estado brasileiro costuma administrar certas questões .  Já o trabalhador morto, este ,  como tantos outros, terá sido mais uma vítima  dessa recorrente dupla circunstância: o exibicionismo arrogante e afrontoso  dos muito ricos, e a omissão culposa do poder público.
Como os nossos parlamentares na sua grande maioria ainda não estão a pilotar Ferraris, ou  Mac-Larens, não seria então o momento para que apresentassem um projeto proibindo a importação ou fabricação  no Brasil, para venda interna,  de automóveis com mais de 200 cavalos ?  ( O senador Valadares, que, saudosista,  conserva ainda na sua garagem um fusca e um DKW, tem tudo para ser o autor do projeto). Algum  deputado estadual  não poderia apresentar uma lei, proibindo a venda ou a circulação em nossas rodovias de automóveis acima daquele limite de potência? Daríamos um bom, um saudável e atualizado exemplo.
Fugiria das suas atribuições o Ministério Público, se resolvesse entrar nessa questão? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário