O soturno Franz Kafka enquanto passeava
metido num pesado capote, num vai e vem pelas pontes magníficas sobre o
rio Vlatva que emolduram a austera beleza de Praga, ia mentalizando os
labirintos insondáveis dos seus romances chatos e geniais. O Processo é,
deles todos, o que mais caracteriza o mundo kafkiano, território da
irrealidade extrema, do absurdo. A temática de Kafka é a constante fuga
do real, o desconhecimento das concretudes, ao mesmo tempo, a filosófica
ironia do cotidiano da vida irresolvida, que faz fronteira com o non
sense. O absurdo em Kafka pode ser incompreensível, mas é nada mais
nada menos, do que a metáfora da própria vida. Há, em Kafka, um sombrio
pessimismo. Ele percorre os caminhos mais complexos para metamorfosear
realidades, e conclui sempre, baixando uma cortina de irresolução.
Temos, no Brasil, alguém que se utilizou do grotesco com a aparência de absurdo, todavia, realidade presente no dia a dia da existência. O escritor, dramaturgo, Nelson Rodrigues, autor da frase definidora da realidade absoluta e estranhamente ignorada: o óbvio ululante.
O óbvio ululante é aquilo que salta aos olhos, que até agride aos sentidos, mas se faz desconhecido, ou, quando descoberto, às vezes aparece como novidade. De certa forma é o absurdo tratado com a tropicalidade extrovertida e sacana de um brasileiro distante das liturgias cerimoniosas do escritor eslavo. Pois um dia, descobriu Nelson Rodrigues que outro escritor famoso, Otto Lara Rezende, vindo de Belo Horizonte e vivendo há algum tempo no Rio, trafegando sempre pelo aterro do Flamengo, surpreendeu-se, vendo à sua frente o bondinho e a imponência do Corcovado. Disse da sua insólita surpresa ao amigo Nelson, e ele logo constatou: era a descoberta do óbvio ululante.
É óbvio, é ululantemente óbvio, que em todos os indultos natalinos ou de qualquer outro período, dos presos que recebem a liberalidade da soltura temporária, muitos não retornam, e ainda aproveitam a liberdade para cometer assaltos, estupros, assassinatos. Nesse Natal foram 330 presos beneficiados, e desses, 80 não retornaram. Estão levando intranquilidade à população, cometendo crimes, mas, todos os anos a mesma coisa se repete. Os Juízes que concedem os indultos estariam desconhecendo o óbvio ululante, ou prefeririam transitar pelos caminhos do absurdo?
Já o sindicato dos professores, o SINTESE, repetiu este ano, mais uma vez, o ritual de divulgação das notas que concede para a educação do estado e dos municípios. Ninguém nega o importante papel desempenhado pelo SINTESE em prol da valorização do magistério, na trincheira em que se transformou na defesa da democracia, numa certa época difícil, e não há como desqualificar, nesse aspecto, o papel de lideranças que estiveram no comando do atuante sindicato. Mas, aos poucos, o SINTESE foi incorporando à sua atuação algo daquele clima kafkiano do absurdo.
O sindicato faz uma avaliação anual das políticas públicas para a educação. Analisa aspectos tais como a valorização profissional, gestão democrática das escolas, garantia dos direitos inerentes à profissão, qualidade social do ensino, condições de trabalho, entre outros.
Não há um só item relacionado ao desempenho dos professores, à eficácia do ensino, ao compromisso de cada professor com a escola, à relação entre docentes e discentes, ao rendimento escolar, reciclagem dos professores, interação entre escola e pais de alunos, avaliação que faz a sociedade a respeito de cada escola, dos seus mestres, dos seus dirigentes. Ou seja, na pesquisa que o SINTESE desenvolve, o professor é um ser à parte, ausente, ele não aparece como principal ferramenta do processo educacional. O professor parece, então, ser nada mais do que uma vítima impotente de um sistema desastroso que o oprime, esmaga, e neutraliza a tal ponto, que ele não teria condições para interagir com o aparato educacional e produzir um mínimo indispensável para colocar um décimo que seja na pontuação que o sindicato elabora para dar nota final à educação pública. O professor, para o SINTESE, não tem responsabilidade diante da avaliação que é feita sobre a qualidade educacional. O SINTESE coloca o professor sem ter nenhuma responsabilidade, seja com o fracasso ou o sucesso da educação. O SINTESE avalia a educação atribuindo notas, como se não fosse o professor a peça fundamental de todas as escolas, sendo bem ou sendo mal remunerado. Tem algo de Franz Kafka nesse absurdo.
A eficácia dessa duvidosa e incompleta avaliação que o SINTESE faz da educação, se desfaz, por inteiro, quando se dá crédito a uma declaração do professor Roberto Silva, diretor de base do SINTESE , publicada pelos jornais.
Disse ele: Ano passado a nota foi 5,3, este ano 3, e poderia ser ainda pior, só não foi porque a votação entre os professores aconteceu antes da aprovação do projeto que acabou com a carreira da categoria. A nota 3 equivale a péssima gestão utilizada no estado.
Assim, fica muito claro: a nota alta corresponde ao benefício auferido pelo professor, a qualidade de educação que o professor deveria levar ao aluno, isso, não influi na nota.
Então, se um dia a educação no estado ou em algum município vier a merecer nota dez, já se sabe, o professor se sentiria plenamente satisfeito com o seu salário. Se esse professor, assim tão bem remunerado, estaria contribuindo para melhorar o nível da educação, se os alunos também seriam beneficiados pelos gastos maiores com o magistério, isso, pelo que se vê, nem é levado em consideração.
Entre Franz Kafka e Nelson Rodrigues alguém terá de fazer uma escolha.
O absurdo ou o óbvio ululante?
Temos, no Brasil, alguém que se utilizou do grotesco com a aparência de absurdo, todavia, realidade presente no dia a dia da existência. O escritor, dramaturgo, Nelson Rodrigues, autor da frase definidora da realidade absoluta e estranhamente ignorada: o óbvio ululante.
O óbvio ululante é aquilo que salta aos olhos, que até agride aos sentidos, mas se faz desconhecido, ou, quando descoberto, às vezes aparece como novidade. De certa forma é o absurdo tratado com a tropicalidade extrovertida e sacana de um brasileiro distante das liturgias cerimoniosas do escritor eslavo. Pois um dia, descobriu Nelson Rodrigues que outro escritor famoso, Otto Lara Rezende, vindo de Belo Horizonte e vivendo há algum tempo no Rio, trafegando sempre pelo aterro do Flamengo, surpreendeu-se, vendo à sua frente o bondinho e a imponência do Corcovado. Disse da sua insólita surpresa ao amigo Nelson, e ele logo constatou: era a descoberta do óbvio ululante.
É óbvio, é ululantemente óbvio, que em todos os indultos natalinos ou de qualquer outro período, dos presos que recebem a liberalidade da soltura temporária, muitos não retornam, e ainda aproveitam a liberdade para cometer assaltos, estupros, assassinatos. Nesse Natal foram 330 presos beneficiados, e desses, 80 não retornaram. Estão levando intranquilidade à população, cometendo crimes, mas, todos os anos a mesma coisa se repete. Os Juízes que concedem os indultos estariam desconhecendo o óbvio ululante, ou prefeririam transitar pelos caminhos do absurdo?
Já o sindicato dos professores, o SINTESE, repetiu este ano, mais uma vez, o ritual de divulgação das notas que concede para a educação do estado e dos municípios. Ninguém nega o importante papel desempenhado pelo SINTESE em prol da valorização do magistério, na trincheira em que se transformou na defesa da democracia, numa certa época difícil, e não há como desqualificar, nesse aspecto, o papel de lideranças que estiveram no comando do atuante sindicato. Mas, aos poucos, o SINTESE foi incorporando à sua atuação algo daquele clima kafkiano do absurdo.
O sindicato faz uma avaliação anual das políticas públicas para a educação. Analisa aspectos tais como a valorização profissional, gestão democrática das escolas, garantia dos direitos inerentes à profissão, qualidade social do ensino, condições de trabalho, entre outros.
Não há um só item relacionado ao desempenho dos professores, à eficácia do ensino, ao compromisso de cada professor com a escola, à relação entre docentes e discentes, ao rendimento escolar, reciclagem dos professores, interação entre escola e pais de alunos, avaliação que faz a sociedade a respeito de cada escola, dos seus mestres, dos seus dirigentes. Ou seja, na pesquisa que o SINTESE desenvolve, o professor é um ser à parte, ausente, ele não aparece como principal ferramenta do processo educacional. O professor parece, então, ser nada mais do que uma vítima impotente de um sistema desastroso que o oprime, esmaga, e neutraliza a tal ponto, que ele não teria condições para interagir com o aparato educacional e produzir um mínimo indispensável para colocar um décimo que seja na pontuação que o sindicato elabora para dar nota final à educação pública. O professor, para o SINTESE, não tem responsabilidade diante da avaliação que é feita sobre a qualidade educacional. O SINTESE coloca o professor sem ter nenhuma responsabilidade, seja com o fracasso ou o sucesso da educação. O SINTESE avalia a educação atribuindo notas, como se não fosse o professor a peça fundamental de todas as escolas, sendo bem ou sendo mal remunerado. Tem algo de Franz Kafka nesse absurdo.
A eficácia dessa duvidosa e incompleta avaliação que o SINTESE faz da educação, se desfaz, por inteiro, quando se dá crédito a uma declaração do professor Roberto Silva, diretor de base do SINTESE , publicada pelos jornais.
Disse ele: Ano passado a nota foi 5,3, este ano 3, e poderia ser ainda pior, só não foi porque a votação entre os professores aconteceu antes da aprovação do projeto que acabou com a carreira da categoria. A nota 3 equivale a péssima gestão utilizada no estado.
Assim, fica muito claro: a nota alta corresponde ao benefício auferido pelo professor, a qualidade de educação que o professor deveria levar ao aluno, isso, não influi na nota.
Então, se um dia a educação no estado ou em algum município vier a merecer nota dez, já se sabe, o professor se sentiria plenamente satisfeito com o seu salário. Se esse professor, assim tão bem remunerado, estaria contribuindo para melhorar o nível da educação, se os alunos também seriam beneficiados pelos gastos maiores com o magistério, isso, pelo que se vê, nem é levado em consideração.
Entre Franz Kafka e Nelson Rodrigues alguém terá de fazer uma escolha.
O absurdo ou o óbvio ululante?
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