O protesto que moradores de uma
localidade em Socorro fizeram,
interrompendo o transito numa estrada, são sinalizações das dificuldades que serão encontradas todas as vezes que se pensar em transferir o lixo gerado em
um município, para depositá-lo em
outros, tenham esses depósitos o nome que tiverem, tanto fazendo se forem lixões
ou aterros sanitários. Ninguém quer receber lixo dos outros, e o prefeito Fábio Henrique, deixou isso bem claro, quando
se pretendeu levar lixo de Aracaju para um aterro sanitário naquele município.
Essas dificuldades e a premência de tempo para que desapareçam os lixões, estariam a indicar caminhos novos para a solução do velho problema. Há
interesses mesclados, econômicos, políticos. Assim, quando dinheiro e
poder estão em jogo, as soluções
requeridas devem buscar a conciliação de
propósitos.. No caso, há ainda o componente técnico, que é talvez mais
complicado. Fazer o correto descarte do lixo não é coisa fácil, ainda mais num
país como o nosso, que convive com séculos de omissões. Herdamos de Portugal o
mau costume . Na
França, na Inglaterra, século 17, existiam legislações avançadas sobre o meio ambiente. No século 18 os esgotos
de Paris já não despejavam suas sujeitas no Sena. Portugal até conseguiu fazer
uma legislação eficiente sobre a preservação das florestas, que haviam sido
devastadas pela construção naval e
civil. Mas em Lisboa e outras
cidades, o costume medieval de lançar o conteúdo de penicos pela janela, ainda
atravessava o século 19. Na mesma época, no Rio de Janeiro, escravos conduziam em barris sobre a
cabeça os excrementos dos senhores, que também os alugavam para essa tarefa,
imunda, em todos os sentidos. Os excrementos eram lançados por toda a extensão da orla, principalmente
na enseada de Botafogo, bem perto de
onde vivia o maior dos nossos
romancistas, Machado de Assis.. É provável que algumas vezes, absorto em suas
meditações ficcionais, o escritor houvesse esbarrado em alguns daqueles negros,
seus irmãos, quase da mesma cor,
tratados como bestas, carregando quilos e quilos de merda alheia, que lhes
escorriam pelos corpos seminus. Cada época tem seus hábitos, cada época guarda os seus crimes, junto com
suas omissões e alheamentos. O lixo também atulhava as cidades, e nos habituamos a retirá-lo em carroças, depois em
caminhões, para lançá-lo longe, onde o
fedor chegasse apenas aos narizes de favelados, que, por sua vez, viviam do
lixo, ou nele literalmente se alimentavam. Nos convencemos, aceitamos isso como solução prática, plausível, socialmente
correta. A concepção do aterro sanitário, guarda ainda um resquício dessa visão
deturpada, que consiste em livrar a
cidade do lixo, deixando-o, porém, ao alcance da periferia.
Nesse debate ou nesse embate
sobre o lixo, os lixões ou aterros,
deveria, necessariamente, entrar um componente mais moderno, uma visão de
futuro, sem que perdêssemos o contato com a realidade. Essa visão, que aliás nem seria mais futurista, apenas atual,
incluiria a educação ambiental, a formação de uma consciência coletiva sobre o
tratamento a ser dado ao lixo, que deveria começar em cada casa, em cada comunidade, em cada residência, em cada
escola.
Zygmunt Bauman, pensador da pós-modernidade disse: ¨a sujeira
de qualquer espécie parece-nos incompatível com a civilização¨.
Sujeira de qualquer espécie, ressaltou o filósofo.
Juntar o descarte do lixo ao
interesse econômico é fundamental, reunindo catadores que vivem na informalidade
da imundície dos lixões, em cooperativas de reciclagem. Industrializar o lixo é
essencial, transformando-o em adubo, em energia.
O resto do resto, aquilo que não
fosse de forma alguma aproveitado, a
parcela mínima, a esquírola de nuga, como diria o professor clássico, monsenhor doutor Bragança, iria então aos
aterros sanitários, que seriam mínimos, reduzidíssimos, e não chegariam a
apavorar prefeitos e comunidades..
Nesses aterros sanitários a
Suécia despeja menos de 5% do seu lixo,
e quer reduzir a menos de 1% essa proporção. Temos de nos mirar
preferencialmente numa Suécia, jamais em Bangladesh.
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