sábado, 16 de abril de 2016

O VELHO AS CRISES E A ANÁGUA DE ENTRETELA



O VELHO AS CRISES E A
 ANÁGUA DE ENTRETELA
A criança ouviu, sem muito entender, no  rádio branco de fabricação suíça o Repórter Esso, em edição extraordinária, anunciar que a Alemanha se rendera.  Na Europa a guerra ( 1939- 1945) acabava.  Era a manhã de 8 de maio de 1945. Logo, a festa nas ruas, a revoada de aviões, o sino da catedral e o foguetório, marcavam o fim da sacrificada e heróica crise da guerra.  Meses depois,  o retorno de parentes  . Eles   voltavam com as cicatrizes do sofrimento, e o riso largo de vencedores.Lutaram contra ditaduras, e aqui, um ditador os recebia.
Viria,  depois, a crise logo superada da deposição do ditador . A criança não compreendia aquelas coisas, só soube que Getúlio Vargas deixara de ser tão importante, porque o pai que ao ir ao sanitário sempre dizia: ¨Vou enviar um telegrama ao Getúlio ¨, naquele dia, lamentou, porque   o ¨ telegrama ¨ não teria mais destinatário. Meses antes, a criança sentira o que era de fato a crise permanente de uma ditadura . Foi quando   o pai sumiu ,  sem que lhe dissessem para aonde  ele fora.  Pressentia que algo estava errado. A mãe escondia o choro e as pessoas apenas murmuravam a esconder, dele, que o pai  estava preso.
 O adolescente ouviu, agora no rádio potente  da radiola  Standard- Electric ,  outra vez pelo Repórter Esso em edição extraordinária, a noticia: ¨ O presidente Getúlio Vargas matou-se com um tiro no peito. ¨  Em seguida,  Heron Domingues lia a Carta Testamento. Era  a manhã de 24 de agosto de 1954.  O menino, que hesitava entre  leituras de um volume condensado de O Capital,  as Seleções do Reader`s Digest, e o anarquismo difundido por um jornal de periodicidade incerta, editado na Costa Rica, o El Sol, ficara, também, fascinado com o discurso moralista de Carlos Lacerda, as  denúncias sobre o ¨ Mar de lama que corria nos porões do Catete ¨, e, até torcera para que a mazorca da  ¨ República  do Galeão ¨ consumasse  o golpe contra o presidente eleito, e no último ano de mandato. Entendeu, então, que daquela vez Getúlio fora a vítima  .   Lutava por um projeto consistente e transformador de desenvolvimento econômico e social em bases nacionalistas, com plena soberania sobre nossos  recursos naturais,  e isso desagradava  às elites econômicas e políticas ,  também militares, que viam comunismo por todo lado.  Não tardou, o adolescente estava  no meio daquela horda de raivosos  que encheram as ruas, armados de paus e pedras,  vingadores de Getúlio, ¨ o pai dos pobres ¨. Houve tiros, um trucidamento,  feridos.   O menino logo voltou para a casa com  testa sangrando, e a convicção de que Getúlio fora vítima de uma conspiração  dos inconformados com o progresso social. Abominou Lacerda,  nunca mais leu Seleções. A crise amainou, mas tornou-se cíclica.
Meses depois, a crise da ¨ novembrada .¨ Os tanques saíram  da Vila  sob as ordens do Ministro da Guerra Teixeira Lott, que pôs em fuga o fantoche  presidente da Câmara, Carlos Luz. Ele assumira a presidência depois da ¨  doença cardíaca ¨ do vice presidente Café Filho,  que preferiu transferir a
 responsabilidade  pela ruptura institucional ao presidente da Câmara , um golpista, mas não  cínico, farsante e mentiroso, tipo Eduardo Cunha. Do Ministério da Guerra saiu a explicação canhestra  para o golpe: Fora feito para   ¨ reconduzir o país aos quadros constitucionais vigentes ¨.  Assim, Juscelino,  um dos nossos raros  Estadistas, eleito com menos de 40 % dos votos,  numa eleição com 5 concorrentes e sem segundo turno , teria a  posse assegurada. O adolescente festejou o desfecho da crise, no Atheneu, sob os olhares severos, todavia tolerantes, do diretor Padre Mendonça, que parecia não estar gostando nada daquilo.    Naquela noite  de 11 de novembro em que o pai, cercado de amigos comemorava o aniversário,  também erguendo  brindes ao general Lott  e à sua ¨espada  legalista ¨, o adolescente teve direito a uma só dose de uísque,a primeira, a quebra da virgindade alcoólica. A outra, seria quebrada meses depois, pela condescendência de uma   recatada senhora. Ela apertava numa das mãos o terço que acabara de   dedilhar na última noite festiva de encerramento do Congresso Eucarístico, na Praça da Bandeira, em cujas redondezas, escuras, transcorreu  a  ¨ crise ¨ das anáguas de entretela engomada, sob a comprida saia de seda  branca . Felizmente,    sem traumas posteriores.
  Daí em diante, crises sucessivas, mas o Brasil entrava   no ritmo trepidante de progresso , otimismo , criatividade.   Tempo  da Bossa Nova, da Garota de Ipanema, do biquíni, da ascensão da mulherada rebelde a demolir preconceitos, da SUDENE, dos carros nacionais, de Brasília,  também, das rebeliões de Jacareacanga,  Aragarças  , dos desatinos verbais de Carlos Lacerda, enquanto  Prestes passeava livre pelas ruas do Rio de Janeiro.  JK preservava a democracia,  sendo tolerante,  anistiando os rebelados para poder dar   ao Brasil 50 anos de progresso em 5 de mandato , tal como prometera.
Veio Jânio com  a sua  vassoura  tresloucada ,   novo símbolo de uma crescente classe média, sempre  disposta a acreditar nos   ídolos ôcos de pés de barro.
Janio renunciou. Estava de porre, e ai a crise foi feia. Beiramos a tragédia de uma guerra  civil. Então o adolescente já era homem.
 Depois  de muito espalhar panfletos pela cidade, e ir  dar plantão   na Prefeitura ao lado do prefeito  Conrado,  que resistia ao golpe,  terminou  coercitivamente, ( palavra da moda )  levado ao quartel do 28 º BC, para ouvir, na madrugada, sob a luz intensa de holofotes na cara, os ¨ conselhos ¨ do coronel Bragança. Viu a crise terminar com  a habilidosa solução do parlamentarismo, evitando-se o derramar de sangue, mas não se conformou com o que entendia como  ¨acomodação burguesa.¨
Depois,  a crise mais longa, a iniciada em março de 64. O jovem tentou algumas ousadias, claramente insensatas .  Começou  o período autoritário,  a manutenção pela força de um estado permanente de crise. E a saída se fez pelo esgotamento de um modelo que os principais chefes militares reconheceram ser impossível  manter, quando a sociedade dele se mostra antagonista.
O impeachment de Collor , foi, antes desta, a crise maior após a redemocratização.  Então,
 o jovem já não  era tão  jovem, todavia, entusiasmou-se, juvenilmente com  os ¨ caras- pintadas ¨.   Collor,  havendo perdido a arrogância,  montara um ministério de pessoas ilibadas e capazes, assim, deveria ter concluído  o  mandato.
Os cabelos brancos, as rodadas pelo mundo ,  a vida vivida, com a ânsia de aprender,  de agir, de não ver simplesmente o tempo passar na janela, fez o velho concordar com Raul Seixas,  ¨ preferindo ser uma metamorfose ambulante, do que ter idéias velhas sobre tudo.¨ O velho votou em Lula várias vezes, em Dilma duas. Na ultima, já descrente, mas, com uma ligeira esperança, logo desfeita com as primeiras atitudes da presidente.
Por isso, o velho  que nunca foi prisioneiro de dogmas, sejam ideológicos ou religiosos,
 nesta,  que espera ser a última das crises que atravessou na vida, continua sendo  brasileiro esperançoso, acreditando que o bom senso vai prevalecer, e Temer, que inevitavelmente será o sucessor de Dilma,  embora de forma traumática e duvidosa, consiga  condições políticas para superar o trauma e a crise, desde que não se faça refém do calhorda, gatuno e salafrário Eduardo Cunha, e de tantos outros iguais a ele, e dele aliados, e entenda que o Brasil é maior do que partidos ou ambições pessoais. Por isso, se faz imperioso um acordo, um pacto, uma acomodação,   ou seja lá o que for, contanto que  se evite a escalada dos radicais. O Brasil precisa de  esperança, confiança e paz, para construir um projeto que englobe geopolítica e, sobretudo, a nova forma de  protagonismo ,  que é a geoeconomia, a afirmação do poder através da capacidade de produzir, de inovar, de compatibilizar progresso com meio ambiente; de unir a criação da riqueza à necessidade de bem redistribuí-la. Somos, na essência, um povo generoso, e temos tudo para, nos próximos 20 anos, figurar entre as cinco maiores potencias globais, com o traço característico de tolerância multirracial e multicultural, que nos faz diferenciados pelo  exemplo.  Poderemos, entre os vizinhos, exercer  uma hegemonia benevolente, influindo, sem impor nem dispor, e projetando nossa capacidade de viver e de conviver pelo mundo. Essas  coisas, sabemos fazer muito bem. Criatividade e jeitinho não nos faltam, mas, precisamos voltar a crer no Brasil, e em nós mesmos. Que o impeachment,  não se transforme em caça às bruxas. Uma democracia não se consolida  vomitando preconceitos, como esse,  agora recorrente, de que um partido ou partidos, se transformaram em pragas, e que é preciso exterminá-los.  Como sensatamente disse FHC , partidos só crescem ou se extinguem através de eleições. O Brasil será  maior na medida em que for  mais justo , assim,  Bolsa  Família  é  irremovível enquanto durar a miséria, e  para acabar com ela não há fórmulas milagrosas, como a estatização de tudo, a expropriação dos ricos, a eliminação do agronegócio, ou revoluções, muito menos a adesão incondicional ao mercado, ao cassino financeiro global.  Finalmente,  é preciso que se tenha bem claro, que direita, centro, esquerda, são parcelas inseparáveis do jogo político democrático , e devem se revezar tranquilamente no poder, sem   que isso cause convulsões, até porque, com essa rotatividade, os extremos,  tanto  da direita  como da esquerda, estarão neutralizados.

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