O ZIKA VIRUS NO SÉCULO XXI - O
PASSEIO PELA IDADE MÉDIA
O ano era 1348 no topo da Idade Média. A peste devastava a Europa. Viera do oriente,
e sem que as pessoas soubessem, era disseminada pelos ratos. Ratos estavam em todas as partes, andavam
pelas casas humildes e pelos castelos, rondavam, famintos, em busca de onde
houvesse o que comer.
A peste dizimou metade da
população européia. Em Florença, cidade onde vivia um jovem chamado Giovanni
Boccaccio, a mortandade foi menor, mas alcançou um terço dos habitantes, e
aquele jovem, até então um desconhecido, fez a crônica da peste, dos
sofrimentos humanos por ela causados, dos costumes transtornados diante da inevitabilidade
da morte, enquanto a putrefação dos cadáveres insepultos fazia da vida um
inferno presente, que desfazia o medo do outro inferno próximo. Todos se punham
a retirar o que podiam do tempo que lhes restava. Na obra prima que escreveu, Boccaccio eternizou o seu nome entre os poucos
que em cada época melhor souberam caracterizar a trajetória
humana.
Quando era necessário cremar pilhas
de cadáveres insepultos, retirar o lixo, cuidar da higiene pública e pessoal e
exterminar os ratos, as pessoas aglomeravam-se nas igrejas implorando aos céus pelo
fim da mortandade. E por isso o contágio da peste só aumentava. Na igreja de
Santa Maria Novela, conta Boccaccio, sete moças encontram três rapazes, e os
dez juntos, decidiram deixar a cidade, partir para o sopé das montanhas, e lá
viver durante algum tempo, alegres, festivos e susceptíveis aos prazeres, e
também a contar histórias, as novelas, São cem ao todo, narradas dez em cada dia.
Boccaccio, com o Decameron, ao
lado de Dante Alighieri, com a Divina Comédia e Francesco Petrarca com os Sonetos,
foram os precursores da literatura moderna.
O Brasil já atravessou várias
epidemias, entre elas a devastadora Gripe Espanhola, que, apesar do nome,
começou nos Estados Unidos em 1918 e matou uma enormidade de gente pelo mundo
todo, mais de 40 milhões de vítimas. No Brasil mais de 65 % da população
tiveram a gripe. Morreram mais de 300
mil pessoas , com o presidente da
República Rodrigues Alves, fazendo parte da cifra dos defuntos. Todavia, o que matava
em maior escala os brasileiros era mesmo a fome. A tuberculose a mais mortífera das
doenças, resultava em grande parte da debilidade dos organismos carentes de
alimento. Stefan Zweig, no livro Brasil Um País do Futuro, páginas de admiração
e entusiasmo por este país, embora se
diga que ele trocou os encômios pelo asilo que lhe concedeu Getúlio Vargas,
protegendo-o da sanha nazista contra os judeus, também expôs uma realidade que era esquecida ou ocultada,
revelando que metade da população brasileira vivia em condições de pobreza
absoluta, pelo interior do país, por
isso, nem poderia ser chamada de proletariado, que era um fenômeno recente, e
tipicamente urbano, conseqüência da tímida industrialização. Zweig identificou
um mosquito causador de muitas febres. Foi
até estranhamente detalhista, ao dizer que do Anapheles Gambia “alguns
exemplares vieram em 1930
contrabandeados por um avião procedente de Dakar e aqui se aclimataram e
multiplicaram rapidamente”.
Em 1930 não existiam vôos regulares de
passageiros para o Brasil. A empresa francesa Latècóere pioneira na travessia
comercial do Atlântico fazia o correio aéreo. Seu mais famoso piloto foi o
escritor Antoine de Saint Exupéry. Teria o autor do Pequeno Príncipe nos
trazido o calamitoso inseto?
Aquela peste, quase um apocalipse da qual mais de seis séculos já nos
distanciam, ficou sendo muito mais do que uma tragédia, tornou-se uma espécie
de marco referencial para o fim de uma era, o começo do renascimento,
assinalado pelas descobertas, a expansão do comércio, a atração pelos novos
mundos, as ideias humanistas florescendo.
talvez, para um país que anda
desencantado, deprimido, até duvidando de sí mesmo, fosse bom imaginar que o mosquito
aterrorizante que causa zika, microcefalia,
chikungunya ,denge , seja, como foi a peste, um sinal ainda que macabro
de que novos tempos serão possiveis.
somos desafiados a gerar um renascimento.
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