UM PERCURSO AO SOL
De Aracaju até Juazeiro e
Petrolina é um bom estirão de mais de
seis horas por estradas surpreendentemente boas, incluindo o retorno, com
parada que não foi para descanço , mas, para as estafantes caminhadas, debaixo
de 42º e umidade abaixo de 15%, pelas serranias que formam o entorno do Arraial
de Canudos, onde se deram as pelejas ferozes.
Um grupo de mulheres e homens, variando dos
quarenta até o pico dos setenta e cinco, que gosta de percorrer e desbravar
caminhos, deram-se o nome coletivo de Expedição Serigy . O percurso feito no
último feriadão deve ter sido o décimo quinto já completado.
Em Petrolina, a vista
perdida sobre os vinhedos imensos, o milagre da
técnica obstinação e coragem, milagre que fez brotar o vinho de um
quase abrasador deserto. São mais de cem mil hectares de terras irrigadas, e delas
saem as frutas que enchem os jatos
cargueiros saindo do aeroporto de Petrolina para a Europa, os Estados Unidos, a
Colômbia. Pelo lago de Sobradinho, maior
superfície líquida artificial do mundo ( Assuã no Egito foi reduzida, e Três Gargantas, na China, ainda não encheu) o
catamarã navega lento, 8 nós por hora, mas está repleto de turistas, ( de
Sergipe principalmente ) depois da subida pela eclusa, há um vento morno, o
abafado do ar diminui, e o empresário Rogério, pioneiro naquele roteiro da
água, vinho e sol, faz, ele mesmo, o entusiasmado panorama da sua região.
Lembra que no final dos anos 50 ali chegou um japonês, nissei, vindo de São
Paulo, dirigindo um fusca. Caminhou pela
terra coberta pela caatinga, olhou o rio
perto e decidiu: ¨Aqui eu vou plantar e produzir¨. Comprou uma área, instalou
bombas movidas a motor, ( não havia energia) e anos depois tinha mais de 20 mil
hectares, era o maior produtor de uvas. A barragem de Sobradinho já estava
construída, e as terras de Mamoto ficavam às margens. Ganhou muito dinheiro,
ficou rico, estimulou e ensinou pessoas a fazerem como ele. Surgia o grande
perímetro irrigado, que levou o nome do senador Nilo Coelho, um político da região,
com hábitos de coronel, mas que acreditava no progresso e ajudava a construir o
futuro. Hoje, o japonês aos 83 anos está começando outra vez a vida. Numa
dessas crises que governantes desastrados nos jogam sobre os ombros, ele faliu.
O Banco do Brasil fez 19 sucessivos leilões até que apareceu um comprador para
as terras . Era Miolo, vinícola gaucha.
Os gaúchos, solidários, reservaram cem hectares e os deram ao japonês, para que
ele sobrevivesse. Petrolina, é a única experiência no mundo nas
baixas latitudes, junto á canícula do equador, onde se produz vinho. E de boa
qualidade.
O Brasil desavergonhado
desses políticos criminosos, o Brasil dos Eduardo Cunha, dos Cerverós , Paulos Robertos
e caterva, é o mesmo Brasil que se encastela na Brasília pútrida, e faz
morrer iniciativas como a do japonês, que se chama Mamoro Yamamoto, o precursor
da uva e do vinho nos calores dos trópicos semiáridos. Seu Mamoro está outra
vez na lida. Monta numa bicicleta e vai todos os dias fiscalizar o crescimento
das amoreiras nos cem hectares que lhe restaram. Acredita que vai ficar rico
outra vez. A amoreira é planta medicinal, curativa, e suas propriedades começam
a despertar atenções. Mamoro Yamamoto é, na sua vida, a metáfora dos vai e vens
do Brasil. Merece uma biografia. E ela será escrita.
Em Canudos a expedição chega
guiada pelo juiz aposentado Pedro Morais, que se tornou escritor e começou
devastando a macheza do cangaceiro Lampião. Nos últimos dois anos ele esteve 16
vezes em Canudos. Conclui um livro sobre Conselheiro, que não será nada condescendente com ele e as suas beatas.
Um repouso rápido para dar tempo às fotos de Samarone e Jorge
Carvalho, confiantes num ex-piloto que
lhes garante o por do sol naquele dia às 17, 45. Trazido por Pedro chega o guia-poeta
Américo. Ele é a imagem perfeita do que disse Euclides sobre o sertanejo.
Américo é antes de tudo um forte. Um sonhador tenaz que fortalece a rigidez dos músculos com
o tempero da avidez intelectual.
Depois, pelos páramos das
caatingas, com a visão do açude Cocorobó, nos seus últimos dias, se não vierem
trovoadas, e a ameaça de colapso no perímetro irrigado de onde saem as bananas
que abastecem uma parte do nordeste. São acirradas as discussões, enfáticas as certezas,
titubeantes as dúvidas, enquanto o professor Luciano Correia, sugere uma
cerveja gelada, a professora Ester recomenda-lhe moderação, Cezar, evita
envolver-se, e Caio, o mais jovem, parece absorto, pensando longe, no seu MBA
em negócios na atraente Amsterdã, enquanto a avó Eliane, recomenda:
¨Vá, mas passe longe da Red
Light ¨.
Pela madrugada todos saem
para uma nova caminhada pelas proximidades da ¨Troia de Palha ¨, como Euclides na sua escrita grandiloqüente denominou Canudos. Foi
prazerosa a permanência no pequeno , limpo, cuidado e aconchegante Hotel
Marcele, de Marcelo Silva e sua esposa. Ele é cantor famoso na região. Veio do
Triangulo Mineiro, conheceu a sertaneja de Campo Formoso, e instalou-se em Canudos, de onde faz incursões pelos
municípios vizinhos com a sua banda.
A Expedição Serigy é, na
prática de tantas canseiras, suarentas , ofegantes, exatamente aquilo que
Aristóteles recomendava aos discípulos: a arte do aprender caminhando, vendo,
discutindo, sentindo cheiros, calores, e mais ainda o calor humano, a
fraternidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário