sábado, 12 de dezembro de 2015

UM PERCURSO AO SOL



UM PERCURSO AO SOL
De Aracaju até Juazeiro e Petrolina é um bom estirão  de mais de seis horas por estradas surpreendentemente boas, incluindo o retorno, com parada que não foi para descanço , mas, para as estafantes caminhadas, debaixo de 42º e umidade abaixo de 15%, pelas serranias que formam o entorno do Arraial de Canudos, onde se deram as pelejas ferozes.
 Um grupo de mulheres e homens, variando dos quarenta até o pico dos setenta e cinco, que gosta de percorrer e desbravar caminhos, deram-se o nome coletivo de Expedição Serigy . O percurso feito no último feriadão deve ter sido o décimo quinto já completado.
Em Petrolina, a vista perdida sobre os vinhedos imensos, o milagre da  técnica  obstinação e  coragem, milagre que fez brotar o vinho de um quase abrasador deserto. São mais de cem mil hectares de terras irrigadas, e delas saem as frutas que enchem  os jatos cargueiros saindo do aeroporto de Petrolina para a Europa, os Estados Unidos, a Colômbia. Pelo lago de Sobradinho,  maior superfície líquida artificial do mundo ( Assuã no Egito foi reduzida, e  Três Gargantas, na China, ainda não encheu) o catamarã navega lento, 8 nós por hora, mas está repleto de turistas, ( de Sergipe principalmente ) depois da subida pela eclusa, há um vento morno, o abafado do ar diminui, e o empresário Rogério, pioneiro naquele roteiro da água, vinho e sol, faz, ele mesmo, o entusiasmado panorama da sua região. Lembra que no final dos anos 50 ali chegou um japonês, nissei, vindo de São Paulo, dirigindo um fusca.  Caminhou pela terra  coberta pela caatinga, olhou o rio perto e decidiu: ¨Aqui eu vou plantar e produzir¨. Comprou uma área, instalou bombas movidas a motor, ( não havia energia) e anos depois tinha mais de 20 mil hectares, era o maior produtor de uvas. A barragem de Sobradinho já estava construída, e as terras de  Mamoto  ficavam às margens. Ganhou muito dinheiro, ficou rico, estimulou e ensinou pessoas a fazerem como ele. Surgia o grande perímetro irrigado, que levou o nome do senador Nilo Coelho, um político da região, com hábitos de coronel, mas que acreditava no progresso e ajudava a construir o futuro. Hoje, o japonês aos 83 anos está começando outra vez a vida. Numa dessas crises que governantes desastrados nos jogam sobre os ombros, ele faliu. O Banco do Brasil fez 19 sucessivos leilões até que apareceu um comprador para as terras . Era  Miolo, vinícola gaucha. Os gaúchos, solidários, reservaram cem hectares e os deram ao japonês, para que ele sobrevivesse.   Petrolina, é a única experiência no mundo nas baixas latitudes, junto á canícula do equador, onde se produz vinho. E de boa qualidade.
O Brasil desavergonhado desses políticos criminosos, o Brasil dos Eduardo Cunha, dos Cerverós ,  Paulos  Robertos  e caterva, é o mesmo Brasil que se encastela na Brasília pútrida, e faz morrer iniciativas como a do japonês, que se chama Mamoro Yamamoto, o precursor da uva e do vinho nos calores dos trópicos semiáridos. Seu Mamoro está outra vez na lida. Monta numa bicicleta e vai todos os dias fiscalizar o crescimento das amoreiras nos cem hectares que lhe restaram. Acredita que vai ficar rico outra vez. A amoreira é planta medicinal, curativa, e suas propriedades começam a despertar atenções. Mamoro Yamamoto é, na sua vida, a metáfora dos vai e vens do Brasil. Merece uma biografia. E ela será escrita.
Em Canudos a expedição chega guiada pelo juiz aposentado Pedro Morais, que se tornou escritor e começou devastando a macheza do cangaceiro Lampião. Nos últimos dois anos ele esteve 16 vezes em Canudos. Conclui um livro sobre Conselheiro, que não será nada  condescendente com ele e as suas beatas.
Um repouso rápido  para dar tempo às fotos de Samarone e Jorge Carvalho,  confiantes num ex-piloto que lhes garante  o por do sol naquele dia  às 17, 45. Trazido por Pedro chega o guia-poeta Américo. Ele é a imagem perfeita do que disse Euclides sobre o sertanejo.
       Américo é antes de tudo um forte. Um sonhador  tenaz que fortalece a rigidez dos músculos com o tempero da avidez intelectual.
Depois, pelos páramos das caatingas, com a visão do açude Cocorobó, nos seus últimos dias, se não vierem trovoadas, e a ameaça de colapso no perímetro irrigado de onde saem as bananas que abastecem uma parte do nordeste. São acirradas as  discussões, enfáticas as certezas, titubeantes as dúvidas, enquanto o professor Luciano Correia, sugere uma cerveja gelada, a professora Ester recomenda-lhe moderação, Cezar, evita envolver-se, e Caio, o mais jovem, parece absorto, pensando longe, no seu MBA em negócios na atraente Amsterdã, enquanto a avó Eliane,  recomenda:  
¨Vá, mas passe longe da Red Light ¨.
Pela madrugada todos saem para uma nova caminhada pelas proximidades da  ¨Troia de Palha ¨, como Euclides na sua  escrita grandiloqüente denominou Canudos. Foi prazerosa a permanência no pequeno , limpo, cuidado e aconchegante Hotel Marcele, de Marcelo Silva e sua esposa. Ele é cantor famoso na região. Veio do Triangulo Mineiro, conheceu a sertaneja de Campo Formoso, e  instalou-se em  Canudos, de onde faz incursões pelos municípios vizinhos com a sua banda.
A Expedição Serigy é, na prática de tantas canseiras, suarentas , ofegantes, exatamente aquilo que Aristóteles recomendava aos discípulos: a arte do aprender caminhando, vendo, discutindo, sentindo cheiros, calores, e mais ainda o calor humano, a fraternidade.

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