UM PASSEIO PELO
PREDIO EM RUINAS
O edifício da SUDENE na
Avenida Caxangá, arredores do Recife, era, certamente, entre os anos 50 e
60 um dos mais imponentes da cidade, naquela época ainda começando a
verticalizar-se. Ali, sob o comando de um grande brasileiro chamado Celso
Furtado, operava uma parte da mais lúcida inteligência nacional. Estavam todos
debruçados sobre livros, pranchetas, mapas, equipamentos diversos de
laboratório, planejando o nordeste. Estudavam as condicionantes sociais do seu
povo, os fatores que determinavam o atraso econômico, com a conseqüência
trágica da miséria, do abandono, da fome, da baixa expectativa de vida.
Estudavam o clima, buscavam identificar as causas do fenômeno inevitável
das secas; meios para estabelecer previsões eficazes, formas de conviver
com a estiagem, formulas para transformar o semiárido brasileiro numa área
produtiva e capaz de abrigar uma população densa e produtiva. Estudavam
as características do solo, da vegetação, buscavam o que havia no
subsolo, de preferência água. Queriam perenizar rios, construir
barragens, açudes, queriam até fazer chover.
Enfim, o pessoal da SUDENE
planejava o nordeste, apontava as transformações necessárias, abria
perspectivas para a modernização, atraia indústrias e montava um esquema de
incentivos ficais que despertava o interesse de investidores nacionais
e estrangeiros. O prédio imponente da SUDENE, era o símbolo, na sua
arquitetônica futurista, de um nordeste pulsante de entusiasmo,
naquela célere passagem do antigo para o novo.
Cedo, assim que terminou o
mandato de Juscelino, um senador cúmplice e também agente do atraso
nordestino, o paraibano Argemiro Figueiredo, apresentou um projeto que castrava
a SUDENE. As vozes das ¨casas grandes ¨ nordestinas, do reacionarismo
brasileiro, também cúmplice e agente do atraso, a ele se juntaram. Houve um
comício em apoio à SUDENE realizado no centro do Recife, na ¨Pracinha do Diário
¨. Alguns jovens sergipanos foram dele participar. No palanque, estavam o
governador de Pernambuco, Cid Sampaio, e o prefeito do Recife Miguel
Arrais, mas, mesmo assim , a cavalaria investiu contra o povo. Houve embates, e
alguns feridos.
Havia algo tenso no ar
irrespirável do confronto político-ideológico que antecipava 64.
O golpe civil-militar de 1964,
prendeu Celso Furtado, Arrais, dezenas de técnicos da SUDENE, que os coronéis
Ibiapina e Vilocq,( aqueles que amarraram Gregório Bezerra a um Jeep e saíram a
arrastá-lo sangrando pelas ruas do Recife) entendiam que era preciso
fechar por ser nada mais do que um ¨covil de comunistas ¨.
Felizmente o ¨covil ¨
não foi fechado, os técnicos retornaram ao seu trabalho. Houve na SUDENE bons
administradores, como o general Euler ( pronuncia-se óiler ) Bentes
Monteiro.
O sociólogo que se tornou
presidente, FHC , deve ter entendido que a SUDENE não mais servia para nada,
nisso, aproximando-se, por outras razões, ao que pensavam os coronéis
Vilocq e Ibiapina. FHC desativou a grande agência de desenvolvimento que pensou
e liderou um processo de transformações . Se a SUDENE permanecesse com o
protagonismo que tinha quando Juscelino a criou, a renda do
nordeste, hoje, estaria igual ou superior à de Santa Catarina.
Lula, que muito fez pelo
nordeste, apesar de coisas chocantes e calamitosas, como a refinaria
Abreu e Lima, a inacabada e agora quase impossível transposição, condenou
a extinção da SUDENE, mas não a reativou.
O outrora iluminado
prédio onde havia o azáfama de construir o amanhã, está hoje sombrio e
abandonado. Um daqueles sergipanos que esteve no comício de 1961 no Recife, em
defesa da SUDENE, na última sexta – feira, dia 27, desceu do táxi que o levava
da rodoviária, vindo de Campina Grande, para o aeroporto do Recife, e resolveu
percorrer o quase entulho em que está transformada a sede da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste , a SUDENE. Andou pelos destroços
daquele prédio , onde tantas horas passou acompanhando o entusiasmo de gente
como os sergipanos Juarez Alves Costa, Jacó Charcot Pereira Rios, ou as
reuniões mensais onde as lideranças nordestinas discutiam, entendiam-se ou
tantas vezes discordavam e defendiam idéias diferentes, mas sempre
sintonizadas com o interesse da região.
O prédio em ruínas parece ser
uma metáfora triste de tantas esperanças perdidas. Esperança que todavia
se constata, viva e vibrante, na juventude das escolas que compõem a Universidade
Federal de Campina Grande, nos seus professores doutores, que estão a
disseminar técnicas para o semiárido. Isso, numa cidade sob ameaça de não ter
nos próximos dias água para beber.
Quanta falta nos faz a SUDENE,
hoje com a sua antiga sede desmoronando.
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