Capítulo 4 ( final)
CENAS DA DITADURA PARA QUEM NÃO A CONHECEU E A DESEJA DE VOLTA ( 4- final )
Ditaduras têm uma característica bizarra, quase
surrealista: Sofrem de permanente
síndrome de pânico. Quando, mais poderes discricionários a ditadura acumula, ou
seja, ao se exacerbar a ânsia
totalitária, mais medos e suspeitas
existem entre os seus integrantes. O ditador desconfia da própria sombra, os que o cercam, desconfiam-se entre si. A surda competição por mais espaço na hermética estrutura autoritária faz com que todos se
empenhem numa disputa que acaba em autofagia
coletiva. Como animais ferozes na selva,
uns vão engolindo os outros.
Quando em 73 chegou a Sergipe o capitão de corveta Eduardo Pessoa Fontes, atravessávamos o auge
da ditadura, que, desde 13/12/ 68 estava entrincheirada no Ato Institucional n º 5. Retrocedíamos ao absolutismo com a supressão das
garantias e liberdades individuais , o Congresso e algumas Assembléias, entre elas a de
Sergipe, em compulsório recesso. O Ato previa confisco sumário de bens, banimento de brasileiros ou estrangeiros indesejáveis, e
até estabelecia a pena de morte.
Após o AI -5 criou-se a Comissão Geral de Inquérito , que
tinha sub-comissões em cada estado .
Ao Capitão dos Portos além das tarefas
rotineiras , acrescentava-se uma outra : a chefia da CGI. O capitão Eduardo padecia de algum distúrbio psíquico. Transformou a Capitania dos Portos numa réplica furiosa de soturno Tribunal da Inquisição.
Cercado de promotores, contadores e
advogados requisitados entre servidores públicos, começou a
convocar pessoas vistas como suspeitas para serem ouvidas em inquéritos
que instaurava . Os promotores públicos Heli Soares Nascimento e Carlos Leite, todavia , conseguiram
evitar que o ensandecido militar ampliasse o rol das suas arbitrariedades.
O truculento oficial mandou trazer, preso, da sua casa até à
Capitania, no dia 8 de dezembro de 73, um jornalista, acusando-o de estar a
serviço do senador Leandro Maciel, porque, no Diário de Aracaju, jornal dos
Diários Associados, do qual era editor,
houve , ao que se constatou depois, um erro de impressão cometido por um dos linotipistas e engolido
pelo revisor. Na matéria intitulada
¨Comissão Apura Venda de Terrenos de Marinha¨, produzida pelo hoje
desembargador Osório Ramos, que era
um dos principais redatores do jornal, em vez de ¨de marinha ¨, saiu ¨ da
marinha ¨ . O comandante entendeu que o jornalista o chamara de ladrão, e que isso
seria resultado das artimanhas do
senador Leandro , cujo mandato ele
queria cassar. O jornalista nunca, em
qualquer tempo, sequer conversara com
Leandro, e ao ser ameaçado pelo militar furibundo, os promotores Carlos
Leite e Heli Nascimento conseguiram aplacar-lhe a ira, explicando-lhe certos
aspectos da política sergipana que ele, obviamente, desconhecia.
O capitão desesperara-se por ter convocado Leandro à
Capitania e recebido de volta um bilhete
ríspido e altivo, assinado pelo senador. Demorou, até o oficial de patente
inferior compreender que Leandro era ¨homem da revolução ¨, amigo do Marechal do Ar
Eduardo Gomes e do general sergipano Humberto Melo, comandante
do 2º Exército.
Revoltado por não ter podido punir a todos que
desejava, retornou à rotina numa base naval do Rio de Janeiro. Ajeitou
uma pistola Colt-45 na boca e disparou, pondo fim aos seus atormentados e atormentadores dias.
Antes, porém, imaginando-se senhor do feudo sergipano,
entrou em colisão com os comandos militares, mais duramente com a agencia
local do SNI, o temido Serviço Nacional de Informações, chefiado pelo general reformado Graciliano Nascimento. A briga foi feia, e só terminou quando Cazuza,
como era conhecido , valeu-se das suas
amizades ¨estreladas¨, das quais
constava um contemporâneo na escola Militar do Realengo, o poderoso general Figueiredo.
Foi do general Cazuza a frase que correu o Brasil: ¨ Em
Sergipe quem entende de teatro é a Polícia¨, dita quando ele era Secretário de Segurança em
65, após prender um grupo de teatro carioca do qual fazia parte o artista plástico
sergipano, Luiz Adelmo.
Os ¨ tempos revolucionários¨
que alguns pedem de volta, foram sempre pontilhados de barbaridades misturadas com sandices e episódios grotescos. 21 anos de poder militar-civil em bases autoritárias, teriam
de revelar, também, aspectos positivos
na administração e desenvolvimento do
país, mas isso não justifica a opressão, a força, o império das baionetas . Nenhuma
conquista material compensa a perda da liberdade, a renúncia ao direito de
pensar e agir livremente.
Ditadura é o regime
onde só se grita quando se está apanhando, e se apanha porque se grita,
por coisa fundamental: o direito de
reclamar contra tudo o que se achar errado.
As democracias se desencaminham, as vezes nos metem vergonha, mas nelas a gente
grita, e não aparecem aqueles, pagos pelo Estado para nos sufocar o grito.
Para entendimento
do autoritarismo no Brasil e em Sergipe, é fundamental a
leitura dos 4 volumes do jornalista Élio Gaspari: A Ditadura Envergonhada, A Ditadura
Escancarada, A Ditadura Encurralada e A
Ditadura Derrotada . A Tutela Militar em
Sergipe, do historiador Ibarê Dantas, Os
Ícones de um Terremoto, do professor Paulo Barbosa, e o AI-5 em Sergipe, do advogado Gilton
Garcia.
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