sábado, 11 de abril de 2015

CENAS DA DITADURA PARA QUEM NÃO A CONHECEU E A DESEJA DE VOLTA ( 4- final )

Capítulo 4 ( final)
CENAS DA DITADURA PARA QUEM NÃO  A CONHECEU E A DESEJA DE VOLTA ( 4- final )
 Ditaduras  têm uma característica bizarra, quase surrealista: Sofrem de  permanente síndrome de pânico. Quando, mais poderes discricionários a ditadura acumula, ou seja,  ao se exacerbar a ânsia totalitária,  mais medos e suspeitas existem entre os seus integrantes. O ditador desconfia da  própria sombra,  os que o cercam, desconfiam-se entre si.  A surda competição por mais espaço na  hermética  estrutura autoritária faz com que todos se empenhem  numa disputa que acaba em   autofagia coletiva. Como  animais ferozes na selva, uns vão engolindo os outros.
Quando em 73 chegou a Sergipe o capitão de corveta  Eduardo Pessoa Fontes, atravessávamos o auge da ditadura,   que, desde  13/12/ 68  estava  entrincheirada no  Ato Institucional n º 5.  Retrocedíamos ao absolutismo com a supressão   das garantias e liberdades individuais , o Congresso  e algumas Assembléias, entre elas a de Sergipe,   em compulsório recesso. O Ato previa  confisco sumário de bens,  banimento  de brasileiros ou estrangeiros indesejáveis, e até estabelecia a pena de morte.
Após o AI -5 criou-se a Comissão Geral de Inquérito , que tinha sub-comissões  em cada estado .
Ao Capitão dos Portos  além das   tarefas rotineiras , acrescentava-se uma outra : a chefia da CGI. O capitão Eduardo   padecia de algum distúrbio psíquico.  Transformou a Capitania dos Portos  numa réplica  furiosa de soturno Tribunal da Inquisição. Cercado de promotores,  contadores e advogados   requisitados entre servidores públicos,  começou a  convocar pessoas vistas como suspeitas para serem ouvidas em inquéritos que   instaurava .    Os promotores públicos Heli  Soares Nascimento e Carlos Leite, todavia , conseguiram evitar que o ensandecido militar ampliasse o rol das suas arbitrariedades.
O truculento oficial  mandou trazer, preso, da sua casa até à Capitania, no dia 8 de dezembro de 73, um jornalista, acusando-o de estar a serviço do senador Leandro Maciel, porque, no Diário de Aracaju, jornal dos Diários Associados, do qual  era editor, houve , ao que se constatou depois, um erro de impressão  cometido por um dos linotipistas e engolido pelo revisor.  Na matéria intitulada ¨Comissão Apura Venda de Terrenos de Marinha¨, produzida pelo hoje desembargador Osório  Ramos,   que era um dos principais redatores do jornal,  em vez de ¨de marinha ¨,   saiu ¨ da marinha  ¨ .  O comandante entendeu que  o jornalista o chamara de ladrão,  e  que isso  seria resultado das artimanhas do senador Leandro , cujo mandato  ele queria cassar.   O jornalista nunca, em qualquer tempo,  sequer conversara com Leandro, e  ao ser ameaçado  pelo militar furibundo, os promotores Carlos Leite e Heli Nascimento conseguiram aplacar-lhe a ira, explicando-lhe certos aspectos da política sergipana que ele, obviamente, desconhecia.
O capitão desesperara-se por ter convocado Leandro à Capitania e recebido de volta  um bilhete ríspido e altivo, assinado pelo senador. Demorou, até o oficial de patente inferior compreender que Leandro era ¨homem  da revolução ¨, amigo do Marechal do Ar Eduardo Gomes e do general sergipano Humberto Melo,   comandante do 2º Exército.
    Revoltado por não ter podido punir a todos que desejava,  retornou  à rotina numa base naval do Rio de Janeiro. Ajeitou uma pistola Colt-45 na boca e disparou, pondo fim aos seus atormentados  e atormentadores dias.
Antes,  porém,    imaginando-se senhor do feudo sergipano, entrou em colisão com os   comandos militares, mais duramente com a agencia local do SNI, o temido Serviço Nacional de Informações, chefiado pelo general  reformado Graciliano  Nascimento. A briga foi feia,  e só terminou quando    Cazuza, como era  conhecido , valeu-se das suas amizades ¨estreladas¨, das  quais constava um contemporâneo na escola Militar do Realengo, o poderoso general  Figueiredo.
Foi do general Cazuza a frase que correu o Brasil: ¨ Em Sergipe quem entende de teatro é a Polícia¨,  dita quando ele era Secretário de Segurança em 65, após prender um grupo de teatro carioca  do qual fazia parte o artista plástico sergipano, Luiz Adelmo.
Os ¨ tempos revolucionários¨  que alguns pedem de volta, foram  sempre pontilhados de barbaridades  misturadas com sandices e  episódios grotescos.  21 anos de poder  militar-civil em bases autoritárias, teriam de revelar, também,  aspectos positivos na administração  e desenvolvimento do país, mas isso não justifica a opressão, a força, o império das baionetas . Nenhuma conquista material compensa a perda da liberdade, a renúncia ao direito de pensar e agir livremente.
 Ditadura é o regime onde só se grita quando se está apanhando, e se apanha porque se grita, por  coisa fundamental: o direito de reclamar contra tudo o que se achar errado.
As democracias se desencaminham,  as  vezes nos metem vergonha, mas nelas a gente grita, e não aparecem aqueles, pagos pelo Estado para  nos sufocar o grito.

Para entendimento  do  autoritarismo  no Brasil e em Sergipe, é fundamental a leitura dos 4 volumes do jornalista Élio Gaspari:  A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura  Encurralada e A Ditadura Derrotada . A  Tutela Militar em Sergipe, do historiador Ibarê  Dantas, Os Ícones de um Terremoto, do professor Paulo Barbosa,  e o AI-5 em Sergipe, do advogado Gilton Garcia.

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