A VELHA MANIA DE
ENXOTAR OS POBRES
Pobre não tem o que perder, assegura o ditado popular, ao
qual uma
considerável parcela da passadiça elite brasileira gostaria muito de
acrescentar: Nem deve ter o que ganhar. Pobre , pobreza , parecem estigmas, uma
doença incurável que a sociedade sempre assimilou como se fosse fatalidade
inevitável, segundo os nossos ortodoxos
conservadores, resultante, muito mais da incapacidade, da preguiça, do que de
causas sociais.
Assim, caberia unicamente ao pobre tratar, sozinho, de
safar-se da miséria, mostrar-se capaz de trabalhar, assegurando a comida sobre a mesa, o teto no qual abrigar a si e toda a família. No Estados Unidos o Tea Party,
aquela manada de trogloditas que se dizem cidadãos e políticos, ( por aqui
similares andam a conquistar espaços)
fazem muito barulho contra qualquer programa social por eles considerados desnecessários e
dissipadores dos impostos pagos pelos que trabalham e produzem.
O pobre que se vire, ou morra de fome, o Estado nada tem a
ver com isso, até porque, acrescentam os trogloditas, há oportunidades para todos, se não as
aproveitam é porque são incompetentes ou
relaxados.
Dom Pedro II, que gostava muito mais de correr mundo do que governar, saiu
a percorrer o nosso litoral navegando acompanhado por uma parte da
esquadra brasileira. Entrou pelo rio São Francisco subindo até Piranhas, de onde, a cavalo, foi ver de perto a
cachoeira que ainda não se chamava Paulo Afonso. Ao cruzar o estuário largo do
rio que então era caudaloso, Dom Pedro anotou no seu diário todo o deslumbramento que sentiu diante
daquela paisagem das margens luxuriantes
do Velho Chico portentoso. Observou a existência de muitas miseráveis choças de palha, e em vez de
lembrar que ali estava faltando a presença do Império, mostrou-se indignado com
tanta pobreza que, a seu ver, resultava da índole preguiçosa daquela gente
ribeirinha, incapaz de pescar, de cultivar as terras ubérrimas.
A filha de Dom Pedro II, a princesa Isabel, que o substituía nos negócios
do Império durante as suas longas
ausências, numa dessas ocasiões assinou a Lei Áurea, que libertava os
escravos. A navegação pelo São Francisco aconteceu antes da Abolição , e assim,
o Imperador do Brasil continuava sendo servido no seu palácio, aliás destituído de luxos, por homens mulheres e até
crianças escravos. A belonave na qual viajava era uma das unidades da Marinha
de Guerra, corporação militar que não admitia o ingresso de negros nos seus quadros
de oficiais, que tinham, todos eles, o direito
de usar a
chibata como bem entendessem para castigar os
marinheiros, sempre negros e mulatos.
Não se poderia estranhar, então, o distanciamento do monarca daqueles problemas
reais que manchavam com a nódoa da insensibilidade social e humana o comportamento das elites
escravocratas, das quais Dom Pedro era o
mais destacado componente.
Veio a República em 1889, veio a tentativa em 1930 de
republicanizar a desencaminhada
República. Agora, estamos a uma
distancia de 126 anos da abolição da escravatura, mas, uma grande parte das
elites brasileiras ainda conserva diante da pobreza aquela mesma atitude de
indiferença e desprezo dos senhores de escravos em relação aos que habitavam as
senzalas nos seus imundos porões.
De outra forma, como se poderia explicar a atitude de
magistrados que autorizam uma reintegração de posse feita pela força para
retirar, de um prédio abandonado há mais de dez anos no decadente centro
comercial de São Paulo, dezenas de
famílias sem teto que lá se abrigavam? No mesmo dia em que foi feita a violenta
operação de reintegração de posse, impedindo pobres de terem um teto onde
acomodar suas crianças e idosos que eram jogados no olho da rua, um Ministro do
Supremo Tribunal Federal autorizava o auxilio moradia de 4 mil e setecentos
reais, para os juizes federais, mesmo
residindo na área da sua jurisdição.
Também, como se poderia explicar a atitude de um governador,
no caso o marmóreo Geraldo Alckmin, que autorizou as truculências cometidas
pela sua polícia, depois justificadas e endossadas por um facistóide Secretário de Segurança e, mais ainda, a falta de iniciativa do prefeito Fernando
Hadad, petista inerte diante do drama de famílias desabrigadas, ignorando o que diz a Constituição Federal
no Capítulo II parágrafo quarto, que dispõe sobre a política
urbana: ¨É facultado ao poder público
municipal, mediante lei específica para área incluída no Plano Diretor, exigir,
nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, que
promova o adequado aproveitamento, sob
pena, de :
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – Desapropriação com pagamento mediante títulos da divida
pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de
resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros
legais.
Como se vê a Constituição brasileira prioriza o
interesse social da propriedade privada, mas apesar de tudo, os miseráveis que ousam conseguir um abrigo num edifício abandonado,
são tangidos pela polícia como se fossem
animais, a tiros, bordoadas e gás lacrimogênio
. Para
uma grande parcela dos nossos políticos, entre eles muitos que se definem como
progressistas, problema social é assunto
de competência da polícia. De preferência a cavalo e com sabres na mão.
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