AS AVENTURAS DE SESTROSI ( capítulo 1)
Talvez por falta de assunto resolvemos criar
uma estória, ficção, evidentemente, que gira em torno de um personagem por via de consequência também um ente meramente ficcional. A ele demos o nome de Sestrosi. Dizia o nosso
grande Ariano Suassuna, recentemente falecido, que todo contador de estórias,
ou seja, os que fazem ficção, não passam de uns mentirosos. Sim, porque fazer ficção
é colocar-se além da realidade, ou até alcançar o chamado realismo fantástico,
como o fez, genialmente, Garcia Marquez. Há também o que os franceses
chamam estórias ou romances à clef, ficção que se desenvolve em torno de fatos
reais, quase sempre substituindo-se os nomes
dos personagens. Balzac foi o grande
mestre desse gênero de literatura, cujo maior exemplo é a vasta e fabulosa Comédia Humana. Um brasileiro, Otávio de
Farias, resolveu seguir a trilha de Balzac, e escreveu, também em vários volumes, uma obra que denominou Tragédia Burguesa. Tem inegáveis
méritos, mas é fastidiosa, cansativa para ser lida do começo ao fim.
As Aventuras de Sestrosi, cujo primeiro capítulo iniciamos
são estorinhas, tudo, fruto da nossa escassa capacidade de criar,
daí a fragilidade da narrativa, a
ausência de elementos que lhe dêem a consistência de uma mentira bem contada, como seria o
romance na concepção de Suassuna.
Sestrosi, suspeita-se
vagamente, teria nascido numa pequena cidade onde as pessoas construíram fama de
muito trabalhadoras, hábeis
comerciantes, mas ele preferiu ser
apenas esperto. Para Sestrosi muito mais do que suar o rosto era preciso somente armar bons e bem sucedidos
esquemas, tais como aproximar-se de gente influente, e, entre eles,
encontrar parceiros também muito ambiciosos e espertos, tendo, além do
mais, o cuidado de criar uma rede de
proteção que lhe assegurasse manter a cabeça sobre os ombros se um dia viesse a
ser flagrado cometendo uma das suas
costumeiras ousadias. Sestrosi sempre sonhou com ouro, muito ouro, e, para
conseguí-lo da forma mais fácil, traçou
cuidadosos planos.
Por aquele tempo
Sestrosi pesquisava ardorosamente para encontrar certas facilidades que não eram comuns no
primitivo sistema financeiro que surgia para dar suporte às trocas de produtos
que se intensificavam. Sestrosi logo
constatou que a sua terra seria pequena
para as suas portentosas ambições. E saiu em busca de outras paragens, onde
houvesse cofres mais abarrotados, e
também mais acessíveis. Habilidoso e
sagaz logo dedicou-se a um trabalho de aproximação com pessoas
influentes, duques, mercadores
abastados, até mesmo príncipes, e foi também com esperteza e malícia
descobrindo nelas aquelas fraquezas humanas que costumam contaminar tanto
nobres como plebeus. O ser humano é por natureza ambicioso, e Sestrosi,
antecipando-se à uma futura ciência chamada psicologia, foi meticulosamente investigando o que se passava
na mente de cada um com os quais ele esperava contar para as empreitadas que
exigiriam cúmplices competentes. Claro, não se faz uma jornada ousada sem que
haja um rateio das vantagens obtidas. Naquele tempo que já vai tão longe, não se tinha ainda caracterizado o crime de
formação de quadrilha, embora na região fossem muito populares as façanhas de
Ali Babá e os 40 Ladrões. Sestrosi,
desde a mais tenra infância viu passar na sua frente dezenas, centenas
de camelos carregados de mercadorias ( a sua cidade natal tinha essa tradição)
criou na mente infantil a ideia de que um dia seria um grande proprietário de
camelos. Comprar camelos não era fácil,
o quadrúpede bicho valorizado, digamos assim, o Scania, o Volvo, ou Mercedes- Benz daquela época. Então,
para se tornar um grande proprietário de camelos Sestrosi articulou um ardiloso
projeto.
Banqueiros já existiam muitos. Financiavam as grandes
descobertas, as expedições em busca de especiarias, e cidades estado como
Gênova, Veneza, Florença se transformaram em entrepostos comerciais e centros
financeiros. Sestrosi para uma delas se dirigiu. Chegou até com cartas de
recomendação. Logo descobriu que muito mais proveitoso do que fazer negócios
com banqueiros particulares seria melhor buscar empréstimos nos bancos que pertenciam aos governos daquelas cidades.
Coisa pública é sempre mais fácil de ser manipulada, os funcionários podem ser cooptados, o tráfico
de influencia acontece. Assim, Sestrosi procurou um daqueles bancos, talvez
tenha sido um florentino que andava muito em voga, porque o Dodge da cidade ou
seja, o governante, tinha fama de ser um tanto pródigo. Logo Sestrosi com seus alforjes carregados de ouro estava a
comprar camelos, pelo norte de África. Criou-se a Sestrosi Camelos. Sestrosi tinha outros planos mais audaciosos,
porque lidar com camelos dava trabalho e não era bem isso o que ele desejava. A cáfila ( coletivo de camelo) começou a sumir
. Os arquivos da época são escassos, não se sabe precisamente o que aconteceu,
o fato é que Sestrosi sem os camelos , também não pagou o que devia ao banco.
Em Florença o escândalo foi grande, os magistrados começaram a agir, e quase
todos os dirigentes e funcionários do banco foram condenados a penas bem
pesadas. Sestrosi , como se sabe, sempre foi cercado de influencias, e
conseguiu livrar-se da pena a que foi originalmente condenado, não se sabe se
naquela época essa decisão chamava-se ¨trancamento da ação penal ¨¨ . A
terminologia jurídica varia com o tempo e grande parte dela caiu em desuso.
Mas o espertíssimo Sestrosi nunca liquidou o seu débito com o
banco florentino que, de tão lesado que fora, acabou sendo extinto. Sestrosi
foi então viver outras aventuras, que caberão num segundo capítulo dessa estorinha sem pé nem cabeça.
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