UMA LONGA CARTA DE
AUGUSTO FRANCO AO SEU FILHO WALTER
Meu querido filho Walter,
Onde estou, ando propositalmente distanciado
dos acontecimentos daí. Aqui, problemas de comunicação não existem, é como se
dispuséssemos de uma Internet perfeita, resultado da eliminação do tempo e das
distancias. Tudo neste nosso plano é contemporâneo, não sentimos nostalgia do
passado nem receios do futuro, e assim, essa forma de ¨presente ¨ faz com
que a sensação de desconforto, que seria uma vida eterna, desapareça
completamente. Vejo passar filósofos gregos, índios ,, negros que por aí
foram escravos. Imperadores, ditadores, papas, haverá poucos, mas, outro dia vi
passar João XXIII, um gordinho simpático, andava sorridente, abraçado a
Vinicius de Morais, Tom Jobim e Beethoven, os três tentavam dar
ritmo de samba, à Nona Sinfonia . Nos sentimos
sempre assim, como se estivéssemos a ouvir o som purificador
daquele órgão da catedral de Notre Dame, onde eu, Gina, você e
Sonia, estivemos a nos ajoelhar tantas vezes.
. Embora aqui nada nos cause tensões ou
aborrecimentos, aos que quiserem, é possível acompanhar o que
se passa no plano de baixo, das três dimensões,
onde antes vivemos afetados pela passagem do tempo.
Tudo isso parece contraditório, mas se torna bem claro
quando fazemos a ¨passagem ¨.
Mas, meu filho , não são dessas coisas que aí
se intitulam transcendentes, que aqui estou a tratar nesta carta paternal.
Tenha paciência para ler e meditar sobre o que irei dizer-lhe.
Gina chegou, faz pouco tempo. Estamos a rememorar nossas
vidas e o tempo que Deus nos possibilitou de estar com você, seus irmãos,
nossos amigos.
Da política daí, como disse no inicio, estava
voluntariamente desligado. Antonio Carlos vive, se assim posso dizer,
acompanhando sempre tudo, mas andava, estou sabendo agora, a me
esconder algumas coisas, talvez para poupar-me de aborrecimentos. Volto a cair
em contradição, mas explico : temos sim também aqui, aborrecimentos, mas, só
quando preferimos não cortar todos os elos com a vida que tivemos
e mergulhar por inteiro na ¨nova vida ¨. Não quero fazer essa
opção, afinal, o que teríamos a conversar, a relembrar, quando
recebemos os que daí chegam?
Desde
que Lourival veio não temos parado de conversar. Depois, chegou Seixas Dória, e
nossa conversa tornou-se mais animada. Recentemente houve a surpresa: Por aqui
chegou aquele menino Marcelo Déda, ele nos disse, sorrindo, que estava
fascinado pela possibilidade de trocar idéias com tantos poetas, filósofos,
revolucionários, alguns poucos políticos. Outro dia, ( uso este
conceito de dia e de tempo para lhe facilitar o entendimento ) Déda veio nos
apresentar a Nelson Mandela, Voltaire, e havia também uma mulher feia, que
disse chamar-se Gertrud Stein, ela foi poeta, e estava lendo poemas de Déda.
Veja só os privilégios que aqui gozamos. Notei que Déda apesar das
companhias, estava de cara fechada. Depois que os estrangeiros saíram, ele
puxou conversa sobre Sergipe. Ai foram chegando Celso de Carvalho, Jose
Leite , Arnaldo Garcez, Luiz Garcia, Leandro, e até o
carrancudo general Maynard. Também juntaram-se a nós, os seus tios
Zezé, Walter, e o seu primo Fernando. Cezar, sempre muito piadista, não
perdeu a oportunidade para brincar, mas Antonio Carlos não conseguia rir.
Passamos
horas ( volto a cair em contradição ) a falar sobre Sergipe. Tanta coisa a
relembrar. Sobre as mais antigas, está sempre aqui a nos ajudar o
intelectual e pesquisador Luiz Antônio Barreto, que tanto valorizou a
sergipanidade . Revivemos as nossas lutas, os desentendimentos que
tivemos. Em alguns momentos nos tornamos inimigos. Você lembra que até eu
e Lourival andamos separados, em campos diferentes, um sem querer ver o outro.
Mas, você sabe , ele é padrinho do seu irmão Antonio Carlos. Há poucos
dias fomos eu e Gina, Lourival e Detinha, a receber Adnil. Lembra? Eu e
Gina somos padrinhos dela.
Déda, com aquele brilhantismo de analista da política, ouviu
calado o que todos nós, ex-governadores como ele, estávamos a falar.
Depois, com ar pensativo, apenas disse: ¨Vejam os senhores, somos de
gerações diferentes, estivemos em campos opostos,entre os senhores havia também
profundas divisões, agora, nos juntamos todos aqui , identificados pelo
sentimento de defesa do estado que governamos, do interesse público,
embora hoje nada mais possamos fazer pelo futuro de Sergipe.¨
Pois
é, Walter , descobrimos naquela ocasião que todos fizemos o que foi
possível pela nossa terra, que honramos os nossos cargos públicos, e por isso
as nossas memórias sempre são lembradas com respeito. Isso para nós
poderia ser suficiente , mas estamos todos inquietos
suspeitando
que a história política de Sergipe poderá tomar outro rumo. Nunca fizemos
do poder um meio de enriquecimento pessoal , e sempre soubemos separar o
público do privado. Você sabe, eu entrei na política em 1966, concorrendo a
deputado federal quando já havia construído um sólido patrimônio. Entrei rico,
não enriqueci na vida pública. Ai, no plano em que você está,
quando todos la estivemos, divergíamos muito e também nos
entendíamos, mas as nossas conversas quando nos encontrávamos
buscando alianças ou eventuais parcerias, poderiam ser reproduzidas hoje,
se fossem gravadas, sem que passássemos pelo constrangimento de ter a
policia federal a rastrear o que dizíamos uns aos outros, pessoalmente,
ou ao telefone. Os sergipanos sentiriam que éramos bem diferentes desse estilo
mafioso que vai contaminando o nosso Sergipe. Tenho sabido, até com
amargura e vergonha, que antecipadamente já planejam , com
sofreguidão, fatiar os nossos cofres públicos, tal como se fosse propriedade
particular. Quando fui eleito para o primeiro mandato de deputado federal, até
andaram dizendo que eu gastei muito dinheiro na campanha, nunca
disseram, todavia, que eu usei recursos públicos, ou planejei
dividi-los depois de eleito. Naquele tempo, sem as restrições que hoje
existem tão rigorosas e tão espertamente dribladas, dois grupos financiavam as
campanhas em Sergipe com recursos próprios, o dos Teixeira com o PMDB ,e
nós a ARENA. Antes do fim dos partidos ,eu próprio ajudava a manter viva em
Sergipe a UDN, partido que nasceu no final da ditadura do Estado
Novo, e do qual , eu, seus tios Walter e Zezé fomos fundadores, Nem eu
nem os Teixeiras, teríamos motivo para nos envergonhar.
Qualquer dia vou relembrar dessas coisas com o Oviedo. Todos nós tínhamos
vergonha na cara, não fazíamos acordos indecentes, mas agora tudo se
inverte. Se relembro aqui desses fatos, é exatamente para chegar ao ponto
que desejo.
A
ameaça que vejo rondar Sergipe começa a provocar divisões nas famílias. Por falar
nisso, ando sabendo o que faz o deputado Mendonça Prado, ele é filho de um
amigo nosso, o ex-deputado Luciano Prado, tem raízes a preservar, e isso
o faz tão corajoso, tão independente.
Sinto
agora que a nossa família também está sendo ameaçada, dividindo-se, ouvindo o
canto enganoso das sereias, sobre os quais sempre estive a advertir-lhe , e aos
seus irmãos.
Tive
muito cuidado para que, no futuro, se mantivesse o amálgama
sólido da união dos meus filhos, e entendi que isso somente ocorreria se
houvesse uma divisão criteriosa e equânime do meu patrimônio , o que teria de
ser feito por mim em vida. Não fiz um testamento para ser aberto depois da
minha morte, ( detesto essa palavra) mas, imaginei uma partilha que foi
trabalho primoroso de advogados, entre os quais destaco a participação do
competente Osmário Vila Nova. Criou-se uma blindagem jurídica para
preservação do patrimônio, que foi minuciosamente auditado a
fim de que não houvesse duvidas sobre valores e capacidade operacional de cada
empresa.Isso , você lembra, tornou-se uma alongada tarefa que levou
alguns anos para ser concluída. Me desfiz em vida de todo o
meu patrimônio, e entreguei a Gina, essa extraordinária companheira, o
poder de alterar a forma da partilha, caso houvesse fatos supervenientes
que justificassem a intervenção. Cuidei de preservar nas mãos dos
meus herdeiros o que a eles coubesse. Assim, se algum dos meus
filhos quiser vender a parte que lhe cabe , terá,
antes, de consultar os demais para dizer-lhes que teriam prioridade de compra.
Fiz isso, pensando justamente em evitar disputas ou conflitos que
pusessem em risco a solidariedade e o entendimento que deveria haver entre
todos, causando divisões na nossa família. Empresários e advogados amigos meus,
disseram-me que aquele processo que comandei como inventariante em vida,
de mim mesmo, seria inédito no Brasil .
Evidentemente,
nunca me passou pela cabeça a idéia de criar anteparos para impedir que a
ambição de terceiros viesse a ameaçar um sentimento de união da
nossa família , sentimento que é essencial para a integridade de dois
patrimônios : aquele representado em cifras, e o outro imaterial,
os valores morais, que são consolidados, somente, em
conseqüência dos nossos próprios exemplos.
Sempre
disse que muito mais difícil do que administrar empresas, é
escolher sócios. Na política, as alianças que fazemos, são também uma espécie
de sociedade. E, nesse caso, é bem mais grave a responsabilidade que assumimos
ao escolher parceiros , porque, quando fazemos esse tipo de
sociedade estamos pondo em jogo o futuro do nosso estado , da nossa
gente. Sociedades políticas não pode m ser feitas sem que haja
confiança absoluta, identidade, e sobretudo honestidade de propósitos. Uma
sociedade desse tipo não deve ser apenas um jogo de vaidades ou de
conveniências, em primeiro lugar temos de demonstrar respeito à opinião
pública, respeito ao povo . Se aqueles aos quais nos associamos já são
suspeitos da prática de iniqüidades, o que farão se os ajudarmos a chegar com
todo ímpeto ao poder? Você mesmo, estou bem lembrado, qualificou com palavras
ate ásperas, esse agrupamento político ao qual se associa agora
,surpreendentemente, o meu neto, aquele que leva o meu nome, homenagem
que você e Sonia me fizeram , e da qual tanto me orgulho, daí porque, acompanho
com especial carinho a trajetória desse neto pela vida. Chamei de
surpreendente essa aliança por entender
que, se fazemos restrições morais a um grupo, seja ele político ou
empresarial, a ele não podemos nos associar, ou permitir que os
nossos se associem.
Nossa
família tem a característica especial e fraterna de homenagearem-se os seus
integrantes uns aos outros. Eu e Gina seguimos aquilo que se
se transformou em tradição. Isso expressava a idéia de unidade e
preservação da nossa família através do tempo. Albano, você, Walter,
Osvaldo, Cezar, são nomes que demos, homenageando meu pai, meu sogro, um
irmão, um genro. Adélia, nome que Albano e Leonor deram à filha, homenageando
a minha mãe, da mesma forma Ricardo, homenageando um irmão. O nosso
Antonio Carlos, que comigo está, deu os nomes de seus irmãos aos
seus filhos, Albano,( que aqui chegou tão cedo ) Marcos e Osvaldo, os
dois que ai estão e dos quais ele tanto se orgulha. Eu mesmo fico entusiasmado
com o que estão a fazer esses dois meninos, que imitam o pai, e os tios dos
quais receberam os nomes. Antonio Carlos pede para lembrar-lhe que
Antonio Carlos Leite Franco Sobrinho, filho de Tácito e Clarinha, é candidato a
deputado estadual pelo PMDB, partido do qual ele, Antonio Carlos, foi
um dos líderes em Sergipe, e por ele eleito deputado federal constituinte
e prefeito da nossa querida Laranjeiras, onde esperei que ontem, sábado, toda a
nossa família estivesse reunida. A ausência de alguns na nossa Pinheiro ,
nos enfraquece, e é motivo até de chacota.
Nossa
família, você bem sabe, tem uma história de presença na política sergipana e
nacional. Para mantermos essa tradição que nos fez respeitados, nunca
precisamos andar a reboque de ninguém, nem ocuparmos lugares
servindo de escada para alguns que, se por eles subirem, estarão a nos
humilhar, inclusive por terem feito exigências em relação às nossas empresas de
comunicação, cuja liberdade de informar você tanto tem defendido e sabido até
agora preservar.
Meu
filho Walter, não somos obrigados a fazer política dessa forma, antes não
participar de nada, desde que preservemos a honra , e sobre honra
você pode, pelos exemplos da sua vida, dar muitas lições.Muitas vezes eu
cheguei a lhe chamar de teimoso, tal a sua insistência em defender princípios,
em ser extremamente rigoroso em relação ao julgamento que fazia sobre tantas
pessoas, até combatendo alianças que eu próprio
fiz.
É pena que tudo já esteja consumado e que não haja caminho de
volta. Nesse caso, além do erro cometido e que a opinião pública começa a
condenar, há também o risco maior de perdermos a credibilidade que sempre foi
uma das nossas características mais zelosamente preservadas. Dividida, a
nossa família aos poucos irá desaparecendo do cenário da vida pública. Talvez
seja melhor mesmo você, seus filhos, seus irmãos, meus netos, se
dedicarem apenas às atividades empresariais, onde todos têm demonstrado aptidão
e competência. Sem que se preserve a altivez, de nada vale
participar da vida pública. Nessa aliança que foi feita, se ganharem ou
perderem, principalmente se ganharem, sairemos moralmente derrotados.
Da
sabedoria popular lembro aqui aquele ditado que é, ao meu juízo, extremamente
forte: Quem com porcos se mistura, ..........................
Se
lhe escrevo nesses termos esta carta é, tão somente, porque foi , como
estou sabendo, o próprio Sistema Atalaia que produziu as
denuncias, e fez aos sergipanos as advertências em relação a esse
grupamento ao qual agora se juntaria o seu filho, o meu neto, que, alem de
tudo, volto a lembrar, tem o meu nome.
Do
seu pai,
Augusto
Franco
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