segunda-feira, 7 de julho de 2014

UMA LONGA CARTA DE AUGUSTO FRANCO AO SEU FILHO WALTER



UMA LONGA CARTA DE AUGUSTO FRANCO AO SEU FILHO WALTER

Meu  querido filho Walter,
 Onde  estou,  ando propositalmente distanciado dos acontecimentos daí. Aqui, problemas de comunicação não existem, é como se dispuséssemos de uma Internet perfeita, resultado da eliminação do tempo e das distancias. Tudo neste nosso plano é contemporâneo, não sentimos nostalgia do passado nem receios do futuro, e  assim, essa forma de ¨presente ¨ faz com que a sensação de desconforto,  que seria uma vida eterna, desapareça completamente. Vejo passar  filósofos gregos, índios ,, negros que por aí foram escravos. Imperadores, ditadores, papas, haverá poucos, mas, outro dia vi passar João XXIII, um gordinho simpático, andava sorridente,  abraçado a Vinicius de Morais,  Tom Jobim  e Beethoven, os três tentavam dar  ritmo   de samba, à Nona Sinfonia . Nos   sentimos  sempre assim,  como se estivéssemos a ouvir  o som purificador daquele órgão da catedral de Notre Dame, onde eu, Gina,  você e Sonia,  estivemos a nos ajoelhar tantas vezes.   
.  Embora aqui nada nos cause  tensões ou aborrecimentos,  aos que quiserem,  é possível  acompanhar o que se passa  no plano de baixo,   das três  dimensões,  onde antes vivemos  afetados pela passagem do tempo.
Tudo isso parece contraditório, mas  se torna bem claro quando fazemos a ¨passagem ¨.
Mas, meu  filho ,  não são dessas coisas que aí  se intitulam transcendentes, que aqui estou a tratar nesta carta paternal.
Tenha paciência para ler e meditar sobre o que irei dizer-lhe.
Gina chegou, faz pouco tempo. Estamos  a rememorar nossas vidas e o tempo que Deus nos possibilitou de estar com você, seus irmãos, nossos amigos.
 Da política daí, como disse no inicio, estava voluntariamente desligado. Antonio Carlos vive, se assim posso dizer, acompanhando  sempre tudo, mas  andava, estou sabendo agora, a me esconder algumas coisas, talvez para poupar-me de aborrecimentos. Volto a cair em contradição, mas explico : temos sim também aqui, aborrecimentos, mas, só quando preferimos não  cortar todos os elos com a vida  que tivemos  e mergulhar por inteiro na ¨nova  vida ¨. Não quero fazer essa opção, afinal,  o que teríamos a conversar, a relembrar, quando  recebemos os que daí chegam?
Desde que Lourival veio não temos parado de conversar. Depois, chegou Seixas Dória, e nossa conversa tornou-se mais animada. Recentemente houve a surpresa: Por aqui chegou aquele menino Marcelo Déda, ele nos disse, sorrindo, que estava fascinado pela possibilidade de trocar idéias com tantos poetas, filósofos,  revolucionários, alguns poucos políticos.  Outro dia, ( uso este conceito de dia e de tempo para lhe facilitar o entendimento ) Déda veio nos apresentar a Nelson Mandela, Voltaire, e havia também uma mulher feia, que disse chamar-se Gertrud Stein, ela foi poeta, e estava lendo poemas de Déda. Veja só  os privilégios que aqui gozamos.  Notei que Déda apesar das companhias, estava de cara fechada. Depois que os estrangeiros saíram, ele puxou conversa sobre Sergipe. Ai foram chegando Celso de  Carvalho, Jose Leite ,  Arnaldo Garcez,  Luiz Garcia, Leandro,  e até o carrancudo general Maynard.  Também juntaram-se a nós,  os seus tios Zezé,  Walter, e o seu primo Fernando. Cezar, sempre muito piadista, não perdeu a  oportunidade para brincar, mas Antonio Carlos não conseguia rir.
Passamos horas ( volto a cair em contradição ) a falar sobre Sergipe. Tanta coisa a relembrar. Sobre  as mais antigas,  está sempre aqui a nos ajudar o intelectual e pesquisador Luiz Antônio Barreto, que tanto valorizou a sergipanidade . Revivemos as nossas lutas,  os desentendimentos que tivemos. Em alguns momentos  nos tornamos inimigos. Você lembra que até eu e Lourival andamos separados, em campos diferentes, um sem querer ver o outro. Mas, você sabe , ele é padrinho do seu irmão Antonio Carlos.  Há poucos dias fomos eu e Gina, Lourival e Detinha,  a receber Adnil. Lembra? Eu e Gina somos padrinhos dela.
  Déda,  com aquele brilhantismo  de  analista da política, ouviu calado o que todos nós, ex-governadores como ele,  estávamos a falar. Depois, com ar pensativo, apenas disse: ¨Vejam os senhores, somos de  gerações diferentes, estivemos em campos opostos,entre os senhores havia também profundas divisões,  agora, nos juntamos todos aqui , identificados pelo sentimento de defesa do estado que governamos, do interesse público,   embora hoje nada  mais possamos fazer pelo  futuro de Sergipe.¨
Pois é,  Walter , descobrimos naquela ocasião que  todos fizemos o que foi possível pela nossa terra, que honramos os nossos cargos públicos, e por isso as nossas memórias sempre são lembradas com  respeito. Isso para nós poderia ser suficiente , mas estamos todos inquietos
suspeitando que  a história política de Sergipe poderá tomar outro rumo. Nunca fizemos do poder um meio de enriquecimento pessoal , e sempre soubemos separar o público do privado. Você sabe, eu entrei na política em 1966, concorrendo a deputado federal quando já havia construído um sólido patrimônio. Entrei rico, não enriqueci na vida pública. Ai, no plano em que você está,   quando todos la estivemos,   divergíamos muito e também nos  entendíamos, mas as nossas conversas  quando nos encontrávamos buscando alianças ou eventuais  parcerias, poderiam ser reproduzidas hoje, se fossem gravadas, sem que passássemos pelo constrangimento de ter a policia  federal a rastrear o que dizíamos uns aos outros, pessoalmente, ou ao telefone. Os sergipanos sentiriam que éramos bem diferentes desse estilo mafioso que vai contaminando o nosso Sergipe.   Tenho sabido, até com amargura e vergonha, que antecipadamente já planejam ,  com  sofreguidão, fatiar os nossos cofres públicos, tal como se fosse propriedade particular. Quando fui eleito para o primeiro mandato de deputado federal, até andaram dizendo que eu gastei muito dinheiro na campanha, nunca disseram,   todavia, que eu usei recursos públicos, ou planejei dividi-los depois de eleito. Naquele tempo,  sem as restrições que hoje existem tão rigorosas e tão espertamente dribladas, dois grupos financiavam as campanhas em Sergipe com recursos próprios, o dos Teixeira  com o PMDB ,e nós a ARENA. Antes do fim dos partidos ,eu próprio ajudava a manter viva em Sergipe a UDN, partido que nasceu no final da ditadura do Estado  Novo,  e do qual , eu, seus tios Walter e Zezé fomos fundadores, Nem eu nem os Teixeiras,   teríamos motivo  para nos envergonhar. Qualquer dia vou relembrar  dessas coisas com o Oviedo. Todos nós tínhamos vergonha na cara, não fazíamos acordos indecentes,  mas agora tudo se inverte. Se relembro  aqui desses fatos, é exatamente para chegar ao ponto que desejo.
A ameaça que vejo rondar Sergipe começa a provocar divisões nas famílias. Por falar nisso, ando sabendo o que faz o deputado Mendonça Prado, ele é filho de um amigo nosso, o ex-deputado Luciano Prado, tem raízes a preservar,  e isso o faz tão corajoso, tão  independente. 
Sinto agora que a nossa família também está sendo ameaçada, dividindo-se, ouvindo o canto enganoso das sereias, sobre os quais sempre estive a advertir-lhe , e aos seus irmãos.
Tive muito cuidado para que, no futuro,  se mantivesse  o amálgama  sólido da união dos meus filhos,  e entendi que isso somente ocorreria se houvesse uma divisão criteriosa e equânime do meu patrimônio , o que teria de ser feito por mim em vida. Não fiz um testamento para ser aberto depois da minha morte, ( detesto essa palavra) mas, imaginei  uma partilha que foi  trabalho primoroso de advogados, entre os quais destaco a participação do competente Osmário Vila Nova. Criou-se uma  blindagem jurídica para preservação  do patrimônio,  que foi minuciosamente  auditado a fim de que não houvesse duvidas sobre valores e capacidade operacional de cada empresa.Isso , você lembra,  tornou-se uma alongada tarefa que levou alguns anos para ser  concluída.  Me  desfiz em vida de todo o meu patrimônio, e entreguei a Gina, essa extraordinária companheira, o poder  de alterar a forma da partilha, caso houvesse fatos supervenientes que justificassem a  intervenção. Cuidei  de preservar nas mãos dos meus herdeiros o que a eles  coubesse. Assim,  se algum dos meus filhos quiser  vender a parte que     lhe cabe , terá, antes, de consultar os demais para dizer-lhes que teriam prioridade de compra. Fiz isso, pensando justamente em evitar disputas ou  conflitos que pusessem em risco a solidariedade e o entendimento que deveria haver entre todos, causando divisões na nossa família. Empresários e advogados amigos meus, disseram-me que aquele  processo que comandei como inventariante em vida,  de mim mesmo, seria inédito no Brasil .
Evidentemente, nunca me passou pela cabeça  a idéia de criar anteparos para impedir que a ambição  de terceiros viesse a ameaçar  um sentimento de união da nossa família , sentimento que é essencial para a integridade de dois patrimônios : aquele  representado em cifras, e o outro  imaterial, os valores morais,  que são consolidados,  somente, em conseqüência  dos nossos próprios  exemplos.
Sempre disse que muito mais difícil do que administrar  empresas,  é escolher sócios. Na política, as alianças que fazemos, são também uma espécie de sociedade. E, nesse caso, é bem mais grave a responsabilidade que assumimos ao escolher parceiros ,  porque,  quando fazemos esse tipo de sociedade  estamos pondo em jogo o futuro do nosso estado , da nossa gente.  Sociedades políticas  não pode m ser feitas sem que haja confiança absoluta, identidade,  e sobretudo honestidade de propósitos. Uma sociedade desse tipo não deve ser apenas um jogo de vaidades ou de conveniências, em primeiro lugar temos de demonstrar respeito à opinião pública, respeito ao povo . Se aqueles aos quais nos associamos já são suspeitos da prática de iniqüidades, o que farão se os ajudarmos a chegar com todo ímpeto ao poder? Você mesmo, estou bem lembrado, qualificou com palavras ate ásperas,  esse agrupamento político ao qual  se associa agora ,surpreendentemente, o meu neto, aquele que  leva o meu nome, homenagem que você e Sonia me fizeram , e da qual tanto me orgulho, daí porque, acompanho com  especial carinho a trajetória desse neto pela vida.  Chamei de surpreendente essa aliança      por entender que,  se fazemos restrições morais a um grupo,  seja ele político ou empresarial,  a ele não podemos nos associar, ou permitir que os nossos  se associem.
Nossa família tem a característica especial e fraterna de homenagearem-se os seus integrantes uns aos outros.  Eu  e Gina seguimos aquilo que se  se  transformou em tradição. Isso expressava a idéia de unidade e preservação da nossa família através do tempo. Albano, você, Walter,  Osvaldo, Cezar,  são nomes que demos, homenageando meu pai, meu sogro, um irmão, um  genro. Adélia, nome que Albano e Leonor deram à filha, homenageando a minha mãe, da mesma forma Ricardo, homenageando um irmão.  O nosso Antonio Carlos, que comigo está, deu  os nomes de seus irmãos  aos seus filhos, Albano,( que aqui chegou tão cedo )  Marcos e Osvaldo, os dois que ai estão e dos quais ele tanto se orgulha. Eu mesmo fico entusiasmado com o que estão a fazer esses dois meninos, que imitam o pai, e os tios dos quais receberam os nomes.  Antonio Carlos pede para lembrar-lhe que Antonio Carlos Leite Franco Sobrinho, filho de Tácito e Clarinha, é candidato a deputado estadual pelo PMDB, partido do qual ele,  Antonio Carlos, foi um  dos líderes em Sergipe, e por ele eleito deputado federal constituinte e prefeito da nossa querida Laranjeiras, onde esperei que ontem, sábado, toda a nossa família estivesse reunida. A ausência de alguns  na nossa Pinheiro , nos enfraquece, e é motivo até de chacota.
Nossa família, você bem sabe, tem uma história de presença na política sergipana e nacional. Para mantermos essa tradição que nos fez respeitados, nunca  precisamos andar a reboque de ninguém, nem  ocuparmos lugares  servindo de escada para  alguns que, se por eles subirem, estarão a nos humilhar, inclusive por terem feito exigências em relação às nossas empresas de comunicação, cuja liberdade de informar você tanto tem defendido e sabido até agora preservar.  
Meu filho Walter, não somos obrigados a fazer política dessa forma, antes não participar de nada, desde que preservemos a  honra ,  e sobre honra você pode, pelos exemplos da sua vida, dar muitas lições.Muitas vezes eu cheguei a lhe chamar de teimoso, tal a sua insistência em defender princípios, em ser extremamente rigoroso em relação ao julgamento que fazia sobre tantas pessoas, até combatendo alianças que eu próprio
fiz.   É pena que tudo já esteja consumado e que não haja caminho de volta. Nesse caso, além do erro  cometido e que a opinião pública começa a condenar, há também o risco maior de perdermos a credibilidade que sempre foi uma das nossas características mais zelosamente preservadas.  Dividida, a nossa família aos poucos irá desaparecendo do cenário da vida pública. Talvez seja melhor mesmo  você, seus filhos, seus irmãos, meus netos, se dedicarem apenas às atividades empresariais, onde todos têm demonstrado aptidão e competência. Sem  que se preserve  a altivez, de nada vale  participar da vida pública. Nessa aliança que foi feita, se ganharem ou perderem, principalmente se ganharem, sairemos moralmente derrotados.
Da sabedoria popular lembro aqui aquele ditado que é, ao meu juízo, extremamente forte: Quem com porcos se mistura, ..........................
Se lhe escrevo nesses termos esta carta é, tão somente, porque  foi , como estou sabendo,  o próprio Sistema Atalaia  que produziu as denuncias,  e fez aos sergipanos as  advertências em relação a esse grupamento ao qual agora se juntaria o seu filho, o meu neto, que, alem de tudo, volto a lembrar, tem o meu nome.
Do seu pai,
Augusto Franco

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