sábado, 22 de fevereiro de 2014

50 ANOS DEPOIS, PROCURA-SE UM TELEGRAMA



50 ANOS DEPOIS, PROCURA-SE UM  TELEGRAMA
No dia seguinte à consumação do golpe militar, 2 de abril de 64 ,havia  um único jornal diário em Aracaju, a Gazeta de Sergipe. Tendo apoiado Seixas Dória, e alinhado com as teses da esquerda, a Gazeta era alvo da fúria de  políticos que foram pesadamente combatidos por Orlando Dantas, um usineiro   fundador e líder em Sergipe  do Partido Socialista Brasileiro . O jornal deixou de ser empastelado porque alguns líderes das então chamadas  ¨classes produtoras ¨ foram ao comandante do 28º, major Silveira, explicar que o fechamento da Gazeta prejudicaria  o comércio aracajuano.   O major Raul instalou-se na redação dando ordens absurdas, entre um e outro gole de branquinha pura. Depois, tudo foi voltando ao normal, se é que assim se pode chamar aquilo,  persistindo, todavia,  a permanente ameaça e o medo. A autocensura era a fórmula adotada para garantir a sobrevivência.
Depois do  13 de dezembro de 1968, quando o Ato Institucional nº 5, transformou o Brasil num imenso  e rigoroso quartel, a censura era implacável e sempre presente. Inicialmente, o Exército assumiu a tarefa de censurar, mas não houve maiores truculências. Os editores  convocados ao 28 BCº, receberam m as determinações e trataram de obedecê-las.   Pelo rádio do quartel, chegavam  as determinações    e ,  jovens tenentes iam às redações   dizer o que estava proibido.  Todos  cumpriam a missão um tanto  constrangidos, e eram sempre educados e corteses. Depois,  a tarefa passou para a Policia Federal, um organismo naquele tempo muito distante da organização de elite que é a atual  PF.  Em Aracaju havia alguns federais egressos da polícia do  Estado da Guanabara.  Uma escória truculenta  de esbirros  sempre bêbados, saídos da escola de repressão do delegado Cecil Borer.   Protagonizaram  episódios de  bestialidade, como a prisão de um radialista ,  obrigado, durante vários dias  a lavar, vestido em cuecas, as calçadas do casarão  na esquina  de Santo Amaro com Gerú onde fica hoje a Federação da Agricultura, comandada pelo pacífico e amistoso Eduardo Sobral.
 Os homens da PF    que empesteavam o ambiente  exalando um odor de cachaça misturado com fumo, suor e escassez de banho, desapareceram das redações . A PF passou então    a utilizar    telegramas  que chegavam por teletipo  com as ordens transmitidas  pelo Ministério da Justiça, onde estava o fero Alfredo Buzaid. No Diário de Aracaju os telegramas eram afixados num quadro de avisos na redação e todos os jornalistas ficavam informados das restrições que pesavam, por exemplo, contra o  Arcebispo de  Recife e Olinda Dom Helder Câmara,  cujo nome  sequer podia ser citado . Era proibido noticiar uma epidemia de meningite.  Por isso, silenciosamente,  a doença foi  matando milhares de brasileiros, mas não se podia falar nela, porque era uma ¨insidiosa invenção subversiva do comunismo internacional para prejudicar o Brasil ¨. Os telegramas, explicando que a Anistia Internacional  ¨era uma organização a serviço de Moscou e Havana,¨ proibiam também que o nome daquela  entidade fosse citado.
Nada restou daqueles telegramas, testemunhos  eloquentes de uma época em que, a serviço  do poder,  houve um aparato de terror.
Nenhum editor imaginou que a História   estava sendo contada e explicitada naqueles documentos, nascidos na sombra soturna de uma ditadura, mas que hoje clarificariam visões condescendentes, por desinformação,  que ainda possam existir a respeito do pior dos períodos do regime militar,  aquele que vai de dezembro de 68 à queda do Ministro do Exército, Silvio Frota em 76.
Se algum habitante das redações, naquele tempo,  guardou um só daqueles telegramas, que o leve à Comissão da Verdade.  Por onde anda mesmo a nossa estadual Comissão da Verdade?

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