50 ANOS DEPOIS, PROCURA-SE
UM TELEGRAMA
No dia seguinte à consumação do
golpe militar, 2 de abril de 64 ,havia
um único jornal diário em Aracaju, a Gazeta de Sergipe. Tendo apoiado
Seixas Dória, e alinhado com as teses da esquerda, a Gazeta era alvo da fúria
de políticos que foram pesadamente
combatidos por Orlando Dantas, um usineiro
fundador e líder em Sergipe do
Partido Socialista Brasileiro . O jornal deixou de ser empastelado porque
alguns líderes das então chamadas
¨classes produtoras ¨ foram ao comandante do 28º, major Silveira,
explicar que o fechamento da Gazeta prejudicaria o comércio aracajuano. O major Raul instalou-se na redação dando
ordens absurdas, entre um e outro gole de branquinha pura. Depois, tudo foi
voltando ao normal, se é que assim se pode chamar aquilo, persistindo, todavia, a permanente ameaça e o medo. A autocensura
era a fórmula adotada para garantir a sobrevivência.
Depois do 13 de dezembro de 1968, quando o Ato
Institucional nº 5, transformou o Brasil num imenso e rigoroso quartel, a censura era implacável
e sempre presente. Inicialmente, o Exército assumiu a tarefa de censurar, mas
não houve maiores truculências. Os editores
convocados ao 28 BCº, receberam m as determinações e trataram de
obedecê-las. Pelo rádio do quartel, chegavam as determinações e
, jovens tenentes iam às redações dizer
o que estava proibido. Todos cumpriam a missão um tanto constrangidos, e eram sempre educados e
corteses. Depois, a tarefa passou para a
Policia Federal, um organismo naquele tempo muito distante da organização de
elite que é a atual PF. Em Aracaju havia alguns federais egressos da
polícia do Estado da Guanabara. Uma escória truculenta de esbirros
sempre bêbados, saídos da escola de repressão do delegado Cecil
Borer. Protagonizaram episódios de
bestialidade, como a prisão de um radialista , obrigado, durante vários dias a lavar, vestido em cuecas, as calçadas do
casarão na esquina de Santo Amaro com Gerú onde fica hoje a
Federação da Agricultura, comandada pelo pacífico e amistoso Eduardo Sobral.
Os homens da PF que empesteavam o ambiente exalando um odor de cachaça misturado com
fumo, suor e escassez de banho, desapareceram das redações . A PF passou
então a utilizar telegramas
que chegavam por teletipo com as
ordens transmitidas pelo Ministério da
Justiça, onde estava o fero Alfredo Buzaid. No Diário de Aracaju os telegramas
eram afixados num quadro de avisos na redação e todos os jornalistas ficavam
informados das restrições que pesavam, por exemplo, contra o Arcebispo de
Recife e Olinda Dom Helder Câmara,
cujo nome sequer podia ser citado
. Era proibido noticiar uma epidemia de meningite. Por isso, silenciosamente, a doença foi
matando milhares de brasileiros, mas não se podia falar nela, porque era
uma ¨insidiosa invenção subversiva do comunismo internacional para prejudicar o
Brasil ¨. Os telegramas, explicando que a Anistia Internacional ¨era uma organização a serviço de Moscou e
Havana,¨ proibiam também que o nome daquela
entidade fosse citado.
Nada restou daqueles telegramas,
testemunhos eloquentes de uma época em
que, a serviço do poder, houve um aparato de terror.
Nenhum editor imaginou que a
História estava sendo contada e
explicitada naqueles documentos, nascidos na sombra soturna de uma ditadura,
mas que hoje clarificariam visões condescendentes, por desinformação, que ainda possam existir a respeito do pior
dos períodos do regime militar, aquele
que vai de dezembro de 68 à queda do Ministro do Exército, Silvio Frota em 76.
Se algum habitante das redações,
naquele tempo, guardou um só daqueles
telegramas, que o leve à Comissão da Verdade.
Por onde anda mesmo a nossa estadual Comissão da Verdade?
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