sábado, 11 de janeiro de 2014

RELEMBRANDO O FÊ- BÊ-A- PÁ



RELEMBRANDO O FÊ- BÊ-A- PÁ
Após o naufrágio institucional de 31 de março, que completa meio século este ano, a repressão violenta deixava algumas brechas de tolerância, todas  com o tamanho exato da liberalidade professada pelo  marechal – presidente. Nos dois maiores centros,  Rio e São Paulo, os jornalões,  que até pediram aos militares que depusessem Jango, podiam expressar alguns desacordos com os rumos do regime. Um deles, o Correio da Manhã, descarrilou da linha de conveniência seguida   pelo O Globo, onde Roberto Marinho fazia o intensivo aprendizado de adular generais para ganhar uma rede de televisão.
Na primeira semana do golpe o Correio publicava bravo artigo do jornalista Carlos Heitor Cony intitulado, O Ato e o Fato. Na Última Hora, quase inteiramente depredada no dia do golpe por furiosos baderneiros,  as máquinas que restaram ainda permitiram, por algum tempo, que o jornal circulasse, conservando o que sobrou fora das prisões ou do exílio, daquele grupo que era a elite do jornalismo e  da intelligentsia  brasileira. Lá estava Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que fazia excelente humor e corrosiva sátira. Ele criou o Festival de Besteira que Assola o País, o FÊ-BÊ-A-PÁ, onde caricaturava o absurdo, o ridículo e a prepotência. A inspiração lhe nascia a todo o momento com as idiotices que se repetiam, como o general Mourão Filho,  que começou o golpe,  definindo-se como ¨Uma Vaca Fardada¨, ou do general Juracy Magalhães  nomeado embaixador em Washington  sintetizando o sabujismo do regime: ¨O que é bom para os Estados Unidos é bom para o   Brasil  ¨. Fora do eixo Rio-São Paulo a coisa se complicava .  Em Aracaju,   um oficial se fez jornalista fardado e ao mesmo tempo censor. Era o major Raul.  Sempre de porre, cortava e suprimia matérias, e até  elaborava  manchetes, como aquela que a  Gazeta estampou no dia 2 de abril: ¨Brasil derrota a Rússia com o sangue e o suor dos seus filhos¨. Antes de compulsoriamente escrevê-la, o jornalista Ivan Valença disfarçou a revolta com a pergunta irônica:  ¨E teve guerra major ?¨.
 Depois, o medo criou a autocensura, sempre obedientemente orientada pelos telegramas quase diários enviados pela Polícia Federal.
O febeapá em Sergipe deixou de ser revelado pontualmente nos dias em que ocorria algum dos seus numerosos episódios. Através do Jornal do Brasil os brasileiros souberam que em Aracaju, depois de proibir uma peça de teatro, o Secretário da Segurança Pública Graciliano Nascimento disse, definitivamente conclusivo: ¨Em Sergipe quem entende de teatro é a   polícia .¨
Um filão a ser pesquisado para que se descubram os melhores episódios do febeapá em Sergipe,  são , sem duvidas, as atas da Assembleia Legislativa, das Câmaras Municipais, onde parlamentares extremados ou simplesmente temerosos, ultrapassavam todos os limites da compostura, no afã de agradar e salvar a própria pele.
Marcélio Bonfim,  militante  que apesar das decepções, da queda do muro, que constatou-se, pesarosamente, era mesmo algo vergonhoso, ainda acredita na reabilitação  de ideais perdidos, anda agora a vasculhar arquivos, e, na Câmara de Aracaju, onde teve marcante atuação como vereador, foi encontrar atas como aquelas  das sessões nas quais foram concedidos títulos de cidadania a João Goulart e  Brizola.   Com a assinatura dos mesmos vereadores,  há outras atas onde eram anuladas as honrarias. Numa delas, datada de  24 de outubro de 62 concedendo o titulo de Cidadão Aracajuano a João Goulart, lê-se: ¨É sobremaneira justo, portanto, que o legislativo Aracajuano, fazendo como sempre a devida justiça, outorgue essa homenagem a um cidadão brasileiro que a merece sob todos os títulos, por haver sido no passado, como no presente, um homem público de envergadura, merecedor da confiança e da estima dos milhões de brasileiros que empregam o seu labor para o alevantamento da nação ¨.    
Numa outra Ata, datada de 26 de maio de 64 lê-se: Fica revogado o decreto-legislativo nº 5 de 24 de outubro de1960 que concedeu o titulo de Cidadão Aracajuano ao Sr. João Belchior Goulart, tendo em vista a recente cassação dos seus direitos políticos e a perda do seu mandato decretadas pelos órgãos competentes ¨.
A Câmara de Vereadores de Aracaju salvou-se da vergonha permanente, coisa que ainda não fez a Assembleia legislativa,  quando, no dia 5 de dezembro de 95, presidida por Edvaldo Nogueira, aprovou projeto  de autoria do vereador Sérgio Bezerra, restituindo o título a João Goulart e determinando que, em sessão solene, o título seria entregue post -mortem aos familiares do ex-presidente.
Resta agora, tanto tempo depois, que a sessão solene de restituição do título venha a ser realizada.

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