RELEMBRANDO O FÊ- BÊ-A- PÁ
Após o naufrágio institucional de
31 de março, que completa meio século este ano, a repressão violenta deixava
algumas brechas de tolerância, todas com
o tamanho exato da liberalidade professada pelo
marechal – presidente. Nos dois maiores centros, Rio e São Paulo, os jornalões, que até pediram aos militares que depusessem
Jango, podiam expressar alguns desacordos com os rumos do regime. Um deles, o
Correio da Manhã, descarrilou da linha de conveniência seguida pelo O
Globo, onde Roberto Marinho fazia o intensivo aprendizado de adular generais
para ganhar uma rede de televisão.
Na primeira semana do golpe o Correio
publicava bravo artigo do jornalista Carlos Heitor Cony intitulado, O Ato e o
Fato. Na Última Hora, quase inteiramente depredada no dia do golpe por furiosos
baderneiros, as máquinas que restaram
ainda permitiram, por algum tempo, que o jornal circulasse, conservando o que
sobrou fora das prisões ou do exílio, daquele grupo que era a elite do
jornalismo e da intelligentsia brasileira.
Lá estava Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que fazia excelente humor e
corrosiva sátira. Ele criou o Festival de Besteira que Assola o País, o
FÊ-BÊ-A-PÁ, onde caricaturava o absurdo, o ridículo e a prepotência. A
inspiração lhe nascia a todo o momento com as idiotices que se repetiam, como o
general Mourão Filho, que começou o
golpe, definindo-se como ¨Uma Vaca
Fardada¨, ou do general Juracy Magalhães nomeado embaixador em Washington sintetizando o sabujismo do regime: ¨O que é
bom para os Estados Unidos é bom para o
Brasil ¨. Fora do eixo Rio-São
Paulo a coisa se complicava . Em Aracaju, um oficial se fez jornalista fardado e ao
mesmo tempo censor. Era o major Raul. Sempre
de porre, cortava e suprimia matérias, e até
elaborava manchetes, como aquela
que a Gazeta estampou no dia 2 de abril:
¨Brasil derrota a Rússia com o sangue e o suor dos seus filhos¨. Antes de
compulsoriamente escrevê-la, o jornalista Ivan Valença disfarçou a revolta com
a pergunta irônica: ¨E teve guerra major
?¨.
Depois, o medo criou a autocensura, sempre
obedientemente orientada pelos telegramas quase diários enviados pela Polícia
Federal.
O febeapá em Sergipe deixou de
ser revelado pontualmente nos dias em que ocorria algum dos seus numerosos
episódios. Através do Jornal do Brasil os brasileiros souberam que em Aracaju,
depois de proibir uma peça de teatro, o Secretário da Segurança Pública
Graciliano Nascimento disse, definitivamente conclusivo: ¨Em Sergipe quem
entende de teatro é a polícia .¨
Um filão a ser
pesquisado para que se descubram os melhores episódios do febeapá em Sergipe, são , sem duvidas, as atas da Assembleia
Legislativa, das Câmaras Municipais, onde parlamentares extremados ou
simplesmente temerosos, ultrapassavam todos os limites da compostura, no afã de
agradar e salvar a própria pele.
Marcélio Bonfim,
militante que apesar das decepções, da queda do muro,
que constatou-se, pesarosamente, era mesmo algo vergonhoso, ainda acredita na
reabilitação de ideais perdidos, anda
agora a vasculhar arquivos, e, na Câmara de Aracaju, onde teve marcante atuação
como vereador, foi encontrar atas como aquelas
das sessões nas quais foram concedidos títulos de cidadania a João
Goulart e Brizola. Com a assinatura dos mesmos vereadores, há outras atas onde eram anuladas as
honrarias. Numa delas, datada de 24 de
outubro de 62 concedendo o titulo de Cidadão Aracajuano a João Goulart, lê-se: ¨É
sobremaneira justo, portanto, que o legislativo Aracajuano, fazendo como sempre
a devida justiça, outorgue essa homenagem a um cidadão brasileiro que a merece
sob todos os títulos, por haver sido no passado, como no presente, um homem
público de envergadura, merecedor da confiança e da estima dos milhões de
brasileiros que empregam o seu labor para o alevantamento da nação ¨.
Numa outra Ata,
datada de 26 de maio de 64 lê-se: Fica revogado o decreto-legislativo nº 5 de
24 de outubro de1960 que concedeu o titulo de Cidadão Aracajuano ao Sr. João
Belchior Goulart, tendo em vista a recente cassação dos seus direitos políticos
e a perda do seu mandato decretadas pelos órgãos competentes ¨.
A Câmara de
Vereadores de Aracaju salvou-se da vergonha permanente, coisa que ainda não fez
a Assembleia legislativa, quando, no dia
5 de dezembro de 95, presidida por Edvaldo Nogueira, aprovou projeto de autoria do vereador Sérgio Bezerra,
restituindo o título a João Goulart e determinando que, em sessão solene, o
título seria entregue post -mortem aos familiares do ex-presidente.
Resta agora,
tanto tempo depois, que a sessão solene de restituição do título venha a ser
realizada.
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