AS FEIRAS LIVRES E OS CHARUTOS DE FIDEL
Um jornalista sergipano
que gosta de bater perna pelo mundo, faz mais de 20 anos estava em Cuba. Fidel, ainda
firme e forte, fumava seus Cohibas ( os melhores charutos cubanos ) e surgia, vez por outra, na rede estatal de rádio e TV para fazer, com voz de bêbado, suas longas e fastidiosas falações. Era
antevéspera do Natal. Papai Noel, símbolo do consumismo capitalista, ainda não conseguira passaporte para circular com seu trenó e suas
renas distribuindo presentes aos ¨chicos ¨ e ¨chicas¨ cubanos. No distante leste europeu o socialismo
desmoronava. O ditador romeno Ceausescu, e sua mulher Yelena, eram fuzilados. Em
Cuba ninguém sabia de nada. Fidel surgia na TV. No outro dia, pela manhã , um carro de
alto-falantes percorria as ruas do bairro Vedado, em Havana, anunciando que naquele fim de ano ( não se
falava em Natal ) os cubanos teriam o direito de comprar três garrafas de
cerveja , e até iriam comer frango
fresco, naquele momento vendido numa rua próxima. Curioso, o jornalista corre –mundo foi ao local. Havia uma enorme fila, e os frangos abatidos, inteiros,
estavam amontoados na carroceria do caminhão militar de fabricação russa.
O jornalista, 10 anos
antes, batera perna pelo mundo socialista.
Em Berlim Oriental notou
as longas filas em todas as biroscas estatais que vendiam alimentos. O
mesmo sucedeu na Tcheco-Eslováquia, na Polônia.
Em Havana, conversando com o motorista de um taxi
clandestino, coronel ,
ex-comandante de tropas que Fidel
mandara para lutar na África, revelou-se
surpreso e decepcionado , e perguntou ao
oficial- taxista, qual a causa daquela
reduzida oferta de alimentos.
Ouviu do militar a explicação que
detonava um dogma do regime de Castro: ¨É Preciso que nos deixem criar galinhas,
e que elas e outros produtos possam ser
vendidos em feiras -livres.¨
A generosa ideia
socialista teria sobrevivido, e
possivelmente criado um mundo novo, se
não houvessem cometido o grave erro
autoritário, sufocando a capacidade de iniciativa, o
empreendedorismo das pessoas, que oxigenariam a hermética economia estatal. As feiras- livres, como o nome está a indicar, são o resultado da liberdade que cada um tem
para produzir, para vender, para
comprar, para assegurar a própria subsistência.
O Estado será, para sempre, incapaz de montar uma feira-livre,
que é o resultado da complexa rede que espontaneamente se forma, se articula, se
movimenta. A feira é livre porque nela o
Estado não mete o seu burocrático e ineficiente bedelho.
Em Aracaju estão querendo burocratizar as feiras –livres, sob o pretexto de que elas são imundas,
anti-higiênicas , desorganizadas e incomodas. Houve a interferência do
Ministério Público, que até fixou prazo para a ¨regulamentação ¨, e a Prefeitura parece entusiasmada com a ideia, tanto assim, que o
eficiente Carlos Batalha, Secretário da Comunicação, que tão bem
conhece o seu ofício e faz jus ao nome quando se envolve numa polemica, sem
dúvidas excedeu-se, e deixou no ar, primeiro, a impressão de preconceito, segundo, a suspeita de que haveria na Prefeitura de
Aracaju a deliberada intenção de prejudicar os feirantes, enquanto os ávidos supermercados, aqui cartelizados, estariam comemorando. Batalha disse, e certamente da frase infeliz
irá se desculpar, porque não é arrogante: ¨Recomendo sempre à minha família que
jamais compre qualquer coisa nas feiras – livres ¨. As
feiras –livres são uma atividade
sobretudo democrática,
popular, e de uma enorme
importância para criar alternativas de compras
e gerar empregos. Das feiras-livres dependem milhares de famílias, e nem o
Ministério Público nem a Prefeitura de
Aracaju devem , voluntaria ou equivocadamente, gerar um clima de insegurança e de medo para
esses milhares de famílias.
Medidas visando melhorar as condições de higiene podem e
devem ser adotadas, como se fossem,
e são, simples ações de rotina, sem ameaças, nem autoritarismo. Como bem observou o atilado
radialista Marco Aurélio, no recordista programa de George Magalhães, feiras-livres fazem parte da nossa
cultura, mais arraigadamente, da cultura nordestina, e mexer com hábitos e tradições do povo é
sempre uma atitude que tresanda odor retrógrado de autoritarismo e arrogância,
ou, insensibilidade.
Seria
recomendável que os artífices dessa desnecessária trapalhada se desfizessem dos
seus atavios burocráticos, ternos escuros, gravatas, saltos altos e scarpins. Como gente simples, destituídos das
formalidades e das pompas dos seus
cargos, fossem dar uma volta pelas feiras-livres, aproveitando para conversar
com vendedores e fregueses, talvez então, voltassem a pisar no chão
fascinantemente rico da nossa cultura, da forma de vida do nosso povo, da nossa realidade que não nasceu nos
gabinetes refrigerados, nem por eles será alterada.
Para completar o tour de force em direção ao andar de baixo
da nossa sociedade ainda tão aristocraticamente discriminatória,
colocassem todos, nos seus aparatos de som, a música Feira de Mangaio, do genial Sivuca e sua mulher Glorinha Gadelha. Iriam entender
melhor o que é uma feira-livre.
Deixem livres as
feiras-livres. Foram elas, aliás, que
ajudaram a Europa a ir se libertando da
camisa de força da sufocada
economia feudal. Com isso, a nobreza
perdeu, e o povo ganhou.
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