UM SENTIMENTO
QUE SAI DAS RUAS
Desde quando, rompendo-se o dique opressor da ditadura, houve o
desaguar dos sentimentos reprimidos e se fez em Aracaju o gigantesco Comício das Diretas, nunca tanta gente ocupou as ruas da cidade como na
quinta –feira. E os manifestantes deram uma demonstração de que o povo em
marcha não pode ser confundido com os desordeiros e marginais que destroem e saqueiam. Da estimulante
novidade do povo nas ruas, num país e numa cidade com uma população que parecia
até poucos dias atrás indiferente ou conformista e acomodada, é possível, sem
maior dificuldade, identificar algumas causas da inquietação popular. A que
mais aflora é a distancia entre povo e
poder. O ritual democrático do voto já não parece suficiente para preencher o
sentimento de cidadania.
Num país como
o nosso, onde, como disse Nelson Rodrigues, ¨se vaia até minuto de silencio¨, quando uma
autoridade passa num lustroso carro preto acomodando as nádegas no lado direito
do banco traseiro, o povo nas ruas quase sempre segue o veiculo com os olhos e
o inseparável coro: ¨ Lá vai mais um
sacana ¨. Terno escuro, gravata, carro
preto, e o Vossa Excelência prá cá Vossa Excelência pra lá, são, entre nós,
formalidades que o povo enxerga como
ridículas. Antes, um prédio público
suntuoso até podia ser motivo de orgulho para a comunidade que nele
identificava um patrimônio de todos, agora, onde não houver simplicidade,
despojamento, o povo logo critica a ostentação, o gasto desnecessário. Obra
pública, de um modo geral, é sempre vista com grande desconfiança. O povo não
entende porque a comida que se come nos palácios é diferente do bife e do
feijão com arroz de cada dia , e
pergunta: ¨Por que a gente tem que pagar esse luxo ? ¨
Gestos identificados como vaidosos ou
arrogantes, de ocupantes de cargos públicos,
por mais insignificantes que sejam, logo alimentam o arsenal de piadas. Há,
aqui mesmo em Aracaju, autoridades com
direito a carros pretos, que exigem dos motorista motor e ar condicionado
ligados com muita antecedência, para que, ao chegarem, a refrigeração esteja no ponto ideal. Nos locais onde os carros ficam a desperdiçar
gasolina, e dinheiro, circulam
servidores que sobrevivem com salário
mínimo. Não se sabe porque,
tais despreocupados gestores
ainda não sentiram queimar-lhes as orelhas. O povo não quer tapinhas nas
costas, mas, como as ruas estão a demonstrar, exige respeito, espera que neste país ainda muito desigual, apesar de figurar como
sexta ou sétima economia, os ocupantes de cargos públicos, sejam eles
vitalícios ou temporários, se comportem como servidores públicos. Como tanto
gosta de repetir o governador Marcelo Déda: ¨Servidor público é pago pelo povo
é empregado do povo ¨¨. A juventude que enche as ruas das cidades nessas
manifestações que alguns já identificam como a ¨primavera brasileira¨ embora estejamos no inverno, lamentavelmente, faz
uma baixíssima avaliação de todos os que ocupam cargos públicos, a todos classificando como vorazes
beneficiários das facilidades do poder.
Esse é um
sintoma perigoso, ate mesmo ameaçador para a estabilidade de qualquer regime
democrático. Nada mais oportuno do que uma reflexão e uma cuidadosa autocrítica
, para que se tente restabelecer a
sintonia perdida entre povo e poder.
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