Sabem a quem pertencem hoje todas
as praias de Sergipe ? A resposta pode ser surpreendente: quem impera absoluto sobre todas elas é o
Projeto Tamar. E o que vem mesmo a ser o Projeto Tamar? É aquele que cuida das tartarugas, diga-se ,
por justiça, com muita dedicação e zelo.
O problema é o exagero.
Faz 30 anos, as tartarugas de
couro, a oliva, mais ainda a de pente,
estavam ameaçadas de extinção. Chegou
a Sergipe o Projeto Tamar, indo fixar-se
em Pirambú, e na Bahia, na praia do
Forte.
As tartarugas, no verão, sobem à praia para desovar acima da
linha d´água, na faixa de areia fôfa. Escavam
um buraco e nele depositam centenas de
ovos que parecem bolas de ping-pong.
Quando os ovos eclodem os quelônios recém nascidos andam, com a rapidez
possível a uma tartaruga, em direção ao mar.
Surgem as aves marinhas, que os dizimam. No mar, os
cações, ( tubarões ainda pequenos )
devoram outra parte. Os sobreviventes
escapando depois das redes dos pescadores, dos hélices de embarcações,
da poluição, fazem longo períplo pelo Atlantico, pelo Mediterraneo. Uns 30
anos depois estarão de volta à praia
onde nasceram, para dar continuidade à
espécie. A natureza é um belíssimo
poema. Para os que crêm, concebido por
Deus, o supremo poeta, para os
agnósticos, uma conjugação de fatores cósmicos dando origem às estrelas, aos planetas, num deles, a terra , surgiu a vida, nele, estão as florestas, os mares, a tartaruga,
o beija –flor, também, o
presunçoso dominador homo – sapiens,
poderosamente armado com a inteligência.
Faz mais de meio século um grupo
de jovens veranistas, na Atalaia Nova, andava à noite pelo
alongado da praia extensa, procuravam rastros bem visíveis que as tartarugas, pesadonas,
deixavam na areia, no trajeto de ida e volta ao local onde depositavam os ovos.
Localizá-los era então muito fácil. Depois, havia a cervejada acompanhada do
tira gosto, os saborosos ovinhos
cozidos. Mais difícil do que conseguí-los era
esfriar a cerveja na única geladeira a gás, na bodega do seu Carmelo.
Desde a Atalaia Nova até a foz do Japaratuba, em Pirambú,
na praia escura, esbatia-se, esmaecido, o facho rotativo de luz
projetado pelo farol de Aracaju, hoje transformado
em monumento. Quando as praias se enchem
de luzes, dizem biólogos do TAMAR, as tartarugas perdem o
rumo. Há controvérsias.
O TAMAR resolveu doar a faixa costeira sergipana aos
quelônios, bicho que foi colocado no centro de um universo onde todo o resto deve girar em torno dele. A
Petrobrás paralisa suas atividades por 4
meses nas plataformas, para que a tartaruga impávida e sobranceiramente desove. Há um gigantesco prejuízo, e também desemprego. Por
isso, o campo de Piranema sofre atrasos,
por isso, a empresa planeja
suspender suas atividades
em águas rasas no litoral sergipano.
O Tamar dará
aos trabalhadores o emprego que eles perderão ? Devolverá os recursos
que recebe da Petrobras para cuidar das tartarugas ?
Na Praia do Forte o Tamar estabeleceu uma
relação produtiva com o turismo, ja em Pirambu, em consequência de tantas
restrições, a cidade fica espremida,
para não ultrapassar os limites exclusivos das tartarugas, e não surgem hotéis, pousadas, para que a
luminosidade não afaste as ¨parturientes¨ que vêm do mar. Só de passagem, é bom
lembrar que parturientes, humanas, aqui
mesmo em Sergipe, não entram facilmente
numa maternidade.
O bom
senso não é privilégio exclusivo de biólogos
nem de jornalistas, nem de filósofos ou sábios, é um recurso disponível em todas as mentes onde
exista a inteligência. E o bom senso
estaria a recomendar uma reflexão
sobre certas práticas intituladas ambientalistas que costumam ultrapassar os
limites da racionalidade, exatamente como é o caso do TAMAR em Sergipe. Passado
tanto tempo já se poderia ter feito uma avaliação sobre aquela visão inicial a respeito do problema das tartarugas
ameaçadas , e assim se poderia até constatar que hoje muito mais ameaçados
estariam, por exemplo os sapos, bicho desgracioso, todavia responsável pela
manutenção sob controle da explosiva população de insetos.
Os jovens que nos anos 50 e 60
cometiam o ¨ crime ecológico ¨ de comer ovos de tartaruga e também,
eventualmente, de transformar uma
delas no requinte gastronômico de uma
suculenta sopa, não eram selvagens , violentos, ou devastadores. Eles, embora
alguns já estivessem nos bancos acadêmicos,
desconheciam a palavra ecologia, e nem faziam ideia do conflito entre o
biótopo, o meio natural, e a biocenose, que Theillard de Chardin situa na noosfera, campo
da inteligência, que produz a intervenção antrópica, ou seja, a
ingerência humana no meio natural.
Na sociedade
de consumo, cibernética, capitalisticamente revolucionando, constantemente, os meios de
produção, como Marx já antevira no século XIX, o conflito agudizou-se. O progresso
a reboque do mercado, caminha para
exterminar o último traço do meio natural.
Com o planeta hospedando 7
bilhões de seres humanos e os recursos naturais dando sinais de exaustão ,
sumida, no baú das inutilidades, a teoria de
Malthus vai sendo reabilitada.
Mudar o paradigma da produção e
consumo é o desafio para esta, e muitas outras gerações que virão. A grande
revolução, que terá de ser abrangente, globalizante, transformaria em meros episódios localizados,
as revoluções francesa ou mesmo a russa. Mas,
a gigantesca correção de procedimentos não se fará com armas, apenas, ou
melhor, sobretudo, com a conscientização,
e isso a tornará mais complexa , difícil e alongada.
No ecossistema que ecólogos como esses do Tamar concebem, o ser humano é visto como habitante inoportuno,
intrometido, que , se possível, deveria
ser retirado de cena. Então, o mundo se
libertaria da humanidade, aquele aglomerado
desprezível de gente desgraçando o
planeta que, definitivamente livre
deles, se transformaria no paradisíaco
habitat das tartarugas.
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