AS CINZAS E A VIDA DE LOURIVAL
Na igreja Jesus Ressuscitado celebrava o padre Peixoto a
missa de sétimo dia de Lourival
Baptista. Em frente ao altar uma
pequena urna guardava as cinzas do ex-governador, ex-senador, ex-deputado, e ex-prefeito. É parte emblemática da liturgia de Páscoa,
aquela frase que repetem os párocos: ¨Lembra-te homem que és pó e ao pó retornarás¨.
Em Lisboa o Padre Vieira usou a sonora e solene advertência para
construir um dos seus mais expressivos sermões, em que fez um pingue pongue teológico entre o corpo que é pó, e a alma que estaria acima do tempo e dos
estados da matéria.
Lembrar que nos transformaremos em pó, é antídoto contra as vaidades, acreditar na superação
dos limites da matéria é ter a certeza ou a ilusão de uma outra existência.
Lourival, o homem de quem ali estavam as cinzas, galgou quase todos os degraus
do poder acessíveis a um político.
Gostava do poder, e o utilizava para fazer e servir. Gostava de ser
reconhecido, admirado, gostava de figurar nos noticiários, e sabia muito bem
fazer o seu marketing, mas, tinha uma
visão muito pessoal, marcadamente
irônica em relação ao poder e às engrenagens que o constroem e alimentam. Por
isso, cultivava um faro especial para
distinguir entre o amigo e o simples bajulador. Não recusava a lisonja, mas, logo depois tirava do bolso um amuleto, e o
segurava forte, como se estivesse a
pedir proteção contra os descaminhos do ego.
Quando era governador, Lourival recebeu ao findar de uma
tarde um conhecido político que andava a alardear os benefícios à saúde que lhe
causava a ioga. Tanto falou sobre as modificações produzidas no seu corpo pelo
exercício corporal e mental , que Lourival o desafiou a mostrar as suas
habilidades. O homem sem retirar o paletó, deitou-se sobre o tapete, fez
contorções, e logo se pôs na posição conhecida como plantar bananeira. Ereto
verticalmente de ponta cabeça, enquanto
desabava-lhe pelo rosto o paletó,
despejando ao chão, carteira, óculos, caneta. Cinco dez minutos passaram, e o
homem lá de sapatos para cima,
o rosto envolvido pelo saco em
que se transformara o paletó lustroso. Enquanto isso, Lourival mandou chamar um
jovem amigo que ele sabia, estava na ante- sala. Terminada a grotesca ou
ridícula exibição, o iogue despediu-se, recebendo do governador calorosos
elogios.
Lourival permaneceu
algum tempo silencioso, o braço sobre o espaldar da cadeira , a mão segurando o
queixo. Soltando o riso que estava
contido disse ao jovem que mandara chamar:
¨Lhe chamei para que você visse até aonde vai a sabujice das pessoas. Eu
fiquei envergonhado e ele saiu pensado que agora será atendido um pedido absurdo que me fez , porque botou a cara no chão ¨.
A vida de Lourival Baptista é rica em episódios assim, que
revelam o ser humano que o político exuberantemente mostrava, também as vezes escondia, ou disfarçava. Nos próximos domingos estaremos a contá-los.
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