sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

MAIS BATON NO TUMULO DE WILDE




MAIS BATON NO TUMULO DE WILDE

 O Père Lachaisse ,  mais do que um Campo Santo depositório de carnes  sumidas e ossos restantes, é  relicário que sepulta o verme e faz  um testemunho singelo e grave  da   sempre insondável magnitude da vida. Numa tarde acinzentada de outono, não há como dissipar  a melancolia no trajeto por entre as alamedas de sepulcros. Enquanto o vento dilui nas folhagem  restante dos olmos , o crocitar  de presságios sinistros ou avisos solenes, que fazem os corvos ao caminhante, um bando agitado de estorninhos álacres saltita sobre uma campa, quase ao rés do chão. De quem seria ?   Há flores murchas por cima, e entre elas se lê nas letras levemente douradas o nome completo daquela que cantou, suave como ninguém,  a canção La Vie em Rose.

Adiante,  quase escondido sob um manto de rosas renovadas,  o túmulo simples de Allan Kardec, apóstolo de vidas interagindo com almas habitantes do Além, (onde o cristianismo colocou a esperança de chegar como objetivo de todas as existências,)  eventuais e benfazejas frequentadoras do cotidiano dos viventes.

Passando, em reverencia, à frente do sepulcro escurecido e descuidado de Honoré de Balzac, depois de nele depositar a oferenda quase mística de uma rosa vermelha,  andando-se um pouco mais,   rebatido pelas fraquejantes   luzes de um sol tímido que descai,  iluminando ao longe   a cúpula dos Invallides, avista-se  o túmulo    em rebrilhante mármore, de Oscar Wilde . A cena,  é quase uma reedição daquela,  quase dois séculos passados  vivida por Vitor Hugo,  durante o elogio fúnebre por ele feito a Balzac , naquele mesmo local.


As alvas paredes laterais que protegem o ossuário de Wilde,  estão sempre marcadas por centenas de lábios gravados a baton.


 Hoje, talvez não haja mais espaço para tantos beijos carinhosamente registrados.  A Câmara Baixa do  austero, sisudo Parlamento Inglês, que convive ainda com rituais seiscentistas, aprovou a legalização do casamento gay. A proposta ainda tramitará pela Câmara dos Lordes, onde  existe bem viva a hipocrisia conservadora vitoriana, que estimulava matanças para que o Império se alargasse, e escondia,  falsamente casta, o que se passava todos os dias nas alcovas   aristocráticas, entre elas,   aquela, onde a Rainha Vitória deixava fluir a sua sexualidade, que não era das mais convencionais.

 Oscar Wilde uma das glorias da literatura inglesa, já era célebre e festejado, quando,  casado,  e dândi frequentador dos salões da alta classe, viu a sua sexualidade que já era conhecida,  escandalosamente exposta pelo pai revoltado  de um jovem aristocrata, ao qual deixara revelada sua afeição amorosa em cartas sucessivas que se tornaram públicas.

 Humilhado, degradado ,  expiando uma culpa que tranquilamente poderia dividir com tantos outros integrantes da alta aristocracia britânica, Oscar Wilde escreveu  no cárcere o De Profundis, relato de sofrimentos, e denúncia vigorosa contra o preconceito.

 Que se salpique ainda mais de baton vermelho o seu túmulo branco no Père  Lachaisse,   em   Paris. Em que outro lugar do mundo poderia haver um cemitério assim ?

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