MAIS BATON NO TUMULO DE WILDE
O Père Lachaisse , mais do que um Campo Santo depositório de
carnes sumidas e ossos restantes, é relicário que sepulta o verme e faz um testemunho singelo e grave da
sempre insondável magnitude da vida. Numa tarde acinzentada de outono,
não há como dissipar a melancolia no
trajeto por entre as alamedas de sepulcros. Enquanto o vento dilui nas folhagem
restante dos olmos , o crocitar de presságios sinistros ou avisos solenes,
que fazem os corvos ao caminhante, um bando agitado de estorninhos álacres
saltita sobre uma campa, quase ao rés do chão. De quem seria ? Há flores murchas por cima, e entre elas se
lê nas letras levemente douradas o nome completo daquela que cantou, suave como
ninguém, a canção La Vie em Rose.
Adiante, quase escondido sob um manto de rosas
renovadas, o túmulo simples de Allan
Kardec, apóstolo de vidas interagindo com almas habitantes do Além, (onde o
cristianismo colocou a esperança de chegar como objetivo de todas as
existências,) eventuais e benfazejas
frequentadoras do cotidiano dos viventes.
Passando, em reverencia, à frente do sepulcro
escurecido e descuidado de Honoré de Balzac, depois de nele depositar a
oferenda quase mística de uma rosa vermelha,
andando-se um pouco mais,
rebatido pelas fraquejantes luzes de um sol tímido que descai, iluminando ao longe a cúpula dos Invallides, avista-se o túmulo em rebrilhante mármore, de Oscar Wilde . A
cena, é quase uma reedição daquela, quase dois séculos passados vivida por Vitor Hugo, durante o elogio fúnebre por ele feito a
Balzac , naquele mesmo local.
As alvas paredes laterais que protegem o ossuário de
Wilde, estão sempre marcadas por
centenas de lábios gravados a baton.
Hoje, talvez
não haja mais espaço para tantos beijos carinhosamente registrados. A Câmara Baixa do austero, sisudo Parlamento Inglês, que
convive ainda com rituais seiscentistas, aprovou a legalização do casamento
gay. A proposta ainda tramitará pela Câmara dos Lordes, onde existe bem viva a hipocrisia conservadora
vitoriana, que estimulava matanças para que o Império se alargasse, e
escondia, falsamente casta, o que se
passava todos os dias nas alcovas aristocráticas,
entre elas, aquela, onde a Rainha
Vitória deixava fluir a sua sexualidade, que não era das mais convencionais.
Oscar Wilde
uma das glorias da literatura inglesa, já era célebre e festejado, quando, casado,
e dândi frequentador dos salões da alta classe, viu a sua sexualidade
que já era conhecida, escandalosamente
exposta pelo pai revoltado de um jovem
aristocrata, ao qual deixara revelada sua afeição amorosa em cartas sucessivas
que se tornaram públicas.
Humilhado,
degradado , expiando uma culpa que
tranquilamente poderia dividir com tantos outros integrantes da alta
aristocracia britânica, Oscar Wilde escreveu no cárcere o De Profundis, relato de
sofrimentos, e denúncia vigorosa contra o preconceito.
Que se
salpique ainda mais de baton vermelho o seu túmulo branco no Père Lachaisse,
em Paris. Em que outro lugar do
mundo poderia haver um cemitério assim ?
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