AO SOMDE ¨MUIÉ RENDERA¨
SE FOI O POETADO SERTÃO
Sexta-feira dia 2, Dia dos Mortos, Alcino
Alves Costa era sepultado. Havia um
benfazejo prenuncio de trovoada. 40 graus de temperatura, céu enevoado, uma
espichada calmariaampliando a secura opressiva do ar. Começaram arepicar os
sinos da igreja de Poço Redondo. Sinal
de que os hábitos daspequenas cidades somem , são esquecidos, o sino não soava
em finados, aquelas badaladas onde o
sineiro revela a mestria, batendo forte
o badalo contra o bronze, provocando o
ressoar comprido, como um langor fundo e
ecoado, repetido, num compasso lento. O
toque de finadosera a comunicação do evento triste, pelo qual todo
o vilarejo logo estaria a lamentar e a enlutar-se. O sino, desde a Idade Média, era o meio de
comunicação das comunidades. Anunciavam mortes, invasões, festas, procissões,
alegrias e tragédias. Agora, os sinos andam em desuso, há a internet, o rádio a
televisão, e,destituídos de tradições, fazemos um retorno hipertecnologico à Aldeia
Global, todavia sem alma. Alcino Alves Costa, para quem os sinos não
ressoaram em toque de finados, foi, durante toda a sua vida atuante einquieta, um cultor e pesquisador das tradições
sertanejas. Construía a identidade do sertão, do nordeste, do Brasil
autenticamente brasileiro. Foi o poeta,
o cantor, o compositor, o romanceador da saga
dos sertões.
Soube, inteligentemente, usar a
modernidade para aprofundar-se no estudo, na pesquisa da nossa história. Era um
comunicador que usava o rádio, a Xingó-Fm, a Internet, para valorizar e
divulgar as coisas sertanejas. Foi
político, três vezes prefeito de Poço Redondo, e fez o caminho inverso daquele usualmente percorrido hoje. Entrou
na Prefeitura como umhomem de posses, e
dela saiu quase despossuído, enriquecido embora, como ser humano e pai, pelo
esforço de manter uma numerosíssima prole, onde há hoje advogados, médicos,
professores, engenheiros, escritores, poetas, cientistas. Alcino foi
superlativo no amor ao sertão e no amor às mulheres. Quanta riqueza de emoções,
quanto frêmito de paixão ele revelava nas estórias que narrava com a graça docontador
que revisitava instantes da vida, que
ele sabia sorver com a alegria pura do poeta e a sensualidade de um fauno. Eram as noites sofregamentenunca dormidas,
dos tempos do candeeiro mal alumiando as casas de Poço Redondo. Alcino dizia
que desdemenino tornou-se apaixonado, e
assim permaneceu até o final da vida.
No seu tempo,Alcino foi o prefeito que mais
valorizou a educação, que mais construiu escolas, isso, quando o município paupérrimo ostentava a
desoladora cifra de 70 % de analfabetos.
Na igreja cheia, aglomerava-se o
povo de Poço Redondo, e ali estavam os familiares, os amigos, os que foram
companheiras e companheiros de Alcino, na grande jornada que ele empreendeu
para a descoberta da alma, do drama, das conquistas e das belezas do sertão.
Ignácio de Loyola, deputado estadual de Alagoas, ex-prefeito de Piranhas,
historiador, pranteava aquele de quem disse ter sido discípulo na aprendizagem
das coisas da terra, o cangaço, o rio, a caatinga, as valentias, as traições, a
resistência, o sofrimento, a identidade de um povo.
O sino não dobrou em finados, até
fez um repicar alegre,e então, amigas, também discípulas do mestre Alcino,
Sônia e Val, vendo que tudo estava muito triste, que perto choravam tantos
filhos, tantos irmãos, Roberto Araujo, Rosalvo, Ignácio, Kátia, Archimedes Marques, Zé do Sertão, Zefa da Guia,
Rosa Maria, Dona Didí, Avelar, Jorge
Araujo, Aderaldo, Messias, Tonhão,
Osmar, Dália, e tantos, tantos outros, começaram , elas duas, a
cantar Luar do Sertão, depois, xaxando, repetindo o que faziam os cangaceiros,
tantos saídos de Poço Redondo, puxaram a
¨Muié Rendera ¨. E assim,ao som de sinos alegres e da força da toada
sertaneja, na voz adocicada de Val, foi saindo
de cena Alcino. No caminho, como a emolduraro último cenário de uma
vida, havia craibeiras florindo, derramando-se em cachos de ouro.
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