sábado, 3 de novembro de 2012

AO SOMDE ¨MUIÉ RENDERA¨ SE FOI O POETADO SERTÃO



AO SOMDE ¨MUIÉ RENDERA¨
 SE FOI O POETADO SERTÃO
 Sexta-feira dia 2, Dia dos Mortos, Alcino Alves Costa era sepultado.  Havia um benfazejo prenuncio de trovoada. 40 graus de temperatura, céu enevoado, uma espichada calmariaampliando a secura opressiva do ar. Começaram arepicar os sinos da igreja de Poço Redondo.  Sinal de que os hábitos daspequenas cidades somem , são esquecidos, o sino não soava em finados, aquelas badaladas  onde o sineiro revela a mestria, batendo  forte o badalo contra o bronze,  provocando o ressoar comprido,  como um langor fundo e ecoado, repetido,  num compasso lento. O toque de finadosera a comunicação do evento triste,  pelo qual todo  o vilarejo logo estaria a lamentar e a enlutar-se.  O sino, desde a Idade Média, era o meio de comunicação das comunidades. Anunciavam mortes, invasões, festas, procissões, alegrias e tragédias. Agora, os sinos andam em desuso, há a internet, o rádio a televisão, e,destituídos de tradições,  fazemos um retorno hipertecnologico à  Aldeia  Global, todavia sem alma. Alcino Alves Costa, para quem os sinos não ressoaram em toque de finados, foi, durante toda a sua vida atuante einquieta,  um cultor e pesquisador das tradições sertanejas. Construía a identidade do sertão, do nordeste, do Brasil autenticamente brasileiro.  Foi o poeta, o cantor, o compositor, o romanceador da saga   dos sertões.
Soube, inteligentemente, usar a modernidade para aprofundar-se no estudo, na pesquisa da nossa história. Era um comunicador que usava o rádio, a Xingó-Fm, a Internet, para valorizar e divulgar as coisas sertanejas.  Foi político, três vezes prefeito de Poço Redondo, e fez o caminho inverso   daquele usualmente percorrido hoje. Entrou na Prefeitura como umhomem de posses,  e dela saiu quase despossuído, enriquecido embora, como ser humano e pai, pelo esforço de manter uma numerosíssima prole, onde há hoje advogados, médicos, professores, engenheiros, escritores, poetas, cientistas. Alcino foi superlativo no amor ao sertão e no amor às mulheres. Quanta riqueza de emoções, quanto frêmito de paixão ele revelava nas estórias que narrava com a graça docontador que revisitava instantes  da vida, que ele sabia sorver com a alegria pura do poeta e a  sensualidade de um fauno.  Eram as noites sofregamentenunca dormidas, dos tempos do candeeiro mal alumiando as casas de Poço Redondo. Alcino dizia que desdemenino  tornou-se apaixonado, e assim permaneceu até o final da vida.
 No seu tempo,Alcino foi o prefeito que mais valorizou a educação, que mais construiu escolas, isso,  quando o município paupérrimo ostentava a desoladora cifra de 70 % de analfabetos.
Na igreja cheia, aglomerava-se o povo de Poço Redondo, e ali estavam os familiares, os amigos, os que foram companheiras e companheiros de Alcino, na grande jornada que ele empreendeu para a descoberta da alma, do drama, das conquistas e das belezas do sertão. Ignácio de Loyola, deputado estadual de Alagoas, ex-prefeito de Piranhas, historiador, pranteava aquele de quem disse ter sido discípulo na aprendizagem das coisas da terra, o cangaço, o rio, a caatinga, as valentias, as traições, a resistência, o sofrimento, a identidade de um povo.
O sino não dobrou em finados, até fez um repicar alegre,e então, amigas, também discípulas do mestre Alcino, Sônia e Val, vendo que tudo estava muito triste, que perto choravam tantos filhos, tantos irmãos, Roberto Araujo, Rosalvo, Ignácio, Kátia,  Archimedes Marques, Zé do Sertão, Zefa da Guia, Rosa  Maria, Dona Didí, Avelar, Jorge Araujo, Aderaldo,  Messias,  Tonhão,  Osmar, Dália, e tantos, tantos outros, começaram , elas  duas,  a cantar Luar do Sertão, depois, xaxando, repetindo o que faziam os cangaceiros, tantos saídos de Poço Redondo, puxaram a  ¨Muié Rendera ¨. E assim,ao som de sinos alegres e da força da toada sertaneja, na voz adocicada de Val, foi saindo  de cena Alcino. No caminho, como a emolduraro último cenário de uma vida, havia craibeiras florindo, derramando-se em cachos de ouro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário