ARACAJU SEGUNDO JOEL SILVEIRA
Joel Silveira foi o mais
primoroso dos nossos escritores. Homem dúbio no trato, que ora se fazia doce, outra vez quase
furibundo, Joel , sensível artista da palavra levava aos textos
que produzia a dubiedade de sentimentos que o avassalavam. Era o combatente
político, o mordaz critico de erros, de atentados à liberdade , ferino contra desafetos, mas,
sempre pronto a ressuscitar de dentro da sua tormentosa inquietude,
aquela doçura que escondia nos gestos, só deixando-a fluir naquilo que escrevia com a alma leve do
cronista poeta.
Reproduzimos a crônica intitulada Aracaju Cheia de Graças
publicada no numero primeiro da Revista de Aracaju, em 1943, trazida ao escrevinhador que a
perdera e a procurava ansiosamente, pelo
emérito e cheio de méritos pesquisador, Gilfrancisco:
INICIAÇÃO LÍRICA
¨Daqui você poderá ter uma visão
geral da cidade. Seus olhos se estendem e mergulham , primeiro na brancura da
areia que cerca Aracaju. Você já viajou muito, Sabe portanto que não existe em todo Brasil areia mais
branca do que esta. É uma brancura misturada de sol. Os seus olhos se enchem
dessa luz que fere, uma luz sem sombras.
Então você sabe que para se falar de Aracaju é preciso, antes de tudo, falar
dessa areia branca que a rodeia como um mar de espuma. Depois são as ruas retas
que só acabam onde a cidade acaba. Acompanhe o caminhar certo e regular desta
avenida grande que está aos seus pés. La vai ela, bem devagar, mas sem uma só curva. Assim
são todas as ruas de Aracaju. Ande por esta cidade sem medo. Você não
encontrará becos nem vielas penumbrentos. Você talvez sinta falta de uma ou mais casas
velhas onde o seu pensamento possa distrair-se nas coisas do passado. Mas ao
mesmo tempo você notará que a claridade da cidade e a ausência de sombras e
velharias, compensarão tudo.¨
CONVITE
¨O
barulho da cidade grande está expulsando a poesia e a ingenuidade que existiam
dentro de si. Fuja depressa, venha para a Aracaju cheia de graça. Aqui você poderá
se encher totalmente de crepúsculos e auroras. E há tempo e tranquilidade para
você pensar em todas as coisas boas que a vida vai deixando para atrás ;
suas namoradas que fugiram, seus amigos que morreram, sua infância que
ficou em qualquer parte. Venha. Traga seus poemas. Não os tem? Pouco importa você os fará aqui.
Sei que a cidade grande está
matando a poesia que vivia consigo. É muito triste, um dia, você não ter mais prazer em olhar certas
coisas belas da vida – as crianças, as flores, as nuvens. Fuja depressa. Aqui,
nesta Aracaju cheia de graça, você será leve como um assunto. Venha. ¨
Transcritos o começo e o final da
crônica, fica a sugestão ao prefeito
Edvaldo Nogueira: Joel havia dito que quando morresse não queria ser nome de
ponte, e terminou sendo, e deve ter, apesar do que disse, gostado da homenagem
que lhe fez o governador Marcelo Déda.
Pois então, ao pé da ponte, quando ela
chega às terras de Aracaju saindo de Itaporanga, ultrapassando o Vasa
Barris, mande, prezado findante
alcaide, ainda no seu tempo de
mandar, erigir uma segunda homenagem , esta,
ao texto de Joel, transformando-o numa espécie de saudação-convite aos
que chegam a Aracaju. A parte final da
crônica Aracaju Cheia de Graça poderia ser inscrita num vistoso mural. Ele despertaria a curiosidade de alguns
viandantes turistas, que, de logo, estariam embevecidos pela perspectiva de
¨crepúsculos e auroras ¨. Talvez, até melhor visíveis na Orla que o próprio
Edvaldo construiu, margeando aquele rio por aqui tão largo, tão farto de água no encontro com o mar. Nem
parece o
filete titubeante, nascido
além da serra do Cambaio, nas
securas do Raso da Catarina. O Vasa Barris, disse Euclides, num exagero retórico de correspondente de
guerra, ¨desceu rubro de sangue até o mar ¨ depois do
último combate pela cidadela de taipa de Canudos.
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