sábado, 18 de agosto de 2012

MAS ESTE AQUI É IMPORTADO.....


 MAS ESTE AQUI É IMPORTADO.......

 Disse Nelson Rodrigues,   notável intérprete daquele lado sempre disfarçado do comportamento humano,  que o brasileiro  ¨sofre  do complexo de vira lata ¨. Ele escreveu isso   nos anos 60 quando andava muito em baixa a nossa autoestima.  Algo assim, uma expressão    tão forte, traduzia realmente  um doentio sentimento de inferioridade.    De certa forma, também de submissão. Erámos, de fato, extremamente submissos ao poderoso  aliado  do norte, a quem,  por complacência  ou mera sabujice interesseira,  rendíamos uma vassalagem comparável àquela,  entre colônia e metrópole.

Espalitávamos os dentes com palito português,  e ficávamos a elogiar as qualidades do produto elaborado a partir do melhor pinho lusitano. Marinha, Exército e Aeronáutica recebiam equipamentos  usados e obsoletos dos  americanos.  Eles tinham o direito de dizer como as armas deveriam ser usadas e em quais circunstancias. Ou  seja,   nossas Forças Armadas eram comandadas  pelo Pentágono. Era o chamado  Acordo Militar, que o general presidente Geisel anulou, mesmo causando desgosto a tantos oficiais-generais   acostumados na tradicional obediência aos  gringos.

Havia uma elite incrustada há séculos no poder que recitava os versos  ufanísticos   de  Olavo Bilac,  repetia as exaltações naturalistas de Gonçalves Dias,  e deslumbrava-se com os teóricos do atraso,  cultores de um modelo agroexportador e  da aliança  incondicional  com os  Estados Unidos.    A  praga do ¨deitado  eternamente em berço esplendido¨ parecia desafiar os insistentes exorcistas, alinhados na esquerda,  e entre os liberais desenvolvimentistas.

Eugênio Gudin , que  influenciou gerações de economistas indiferentes às causas determinantes do nosso subdesenvolvimento, foi cáustico em relação a Juscelino Kubitscheck quando ele anunciou as   metas para a industrialização do país, a modelagem de um Brasil  que precisava acreditar e explorar  suas potencialidades,   para, definitivamente,  libertar-se do complexo de vira lata. Houve até uma interessante  aposta que elucidava muito bem o choque entre  o ranço pessimista do passado e  a crença esperançosa no futuro.  Gudin,  desafiava Juscelino  a  cumprir a promessa de instalar  a indústria naval, a automobilística , a siderúrgica, as hidrelétricas, e   apostou que Brasília nunca seria  concluída.  Com a data marcada para a inauguração da    nova capital  e as obras essenciais já  prontas,  a bolorenta  Cassandra que vestia fraque, escreveu um rabugento artigo publicado em O Globo.  Nele, afirmava  que a nova capital, se inaugurada, ficaria isolada   porque o sistema telefônico não entraria em funcionamento. Na véspera da inauguração  JK telefonou para Gudin,     convidando-o a participar da festa, e disse-lhe que estava falando ao telefone colocado  sobre a  mesa  do seu gabinete  instalado no Palácio da Alvorada , novinho em folha, na Brasília que se tornava centro das decisões nacionais, bem distante , nas lonjuras do planalto central, mas, tinha comunicação instantânea com o mundo, isso , em 1960.

Faz muito tempo,  já esquecemos os palitos portugueses, mas   ainda não nos livramos totalmente do  complexo de cão abandonado. As lojas,  desde aquelas de alto luxo até as populares estão repletas de placas  com a inscrição: Importado.   O aviso é,  quase sempre, a justificativa para o preço maior. Mas a atração pelo importado faz com que as pessoas nem se incomodem em pagar mais. Os vendedores,  sempre solicitamente,  levam o cliente  a dar      ¨uma prova de bom gosto  ¨adquirindo o produto importado. Desde confecções, sapatos, passando por remédios e chegando aos automóveis, sempre se fica a exaltar a superioridade do que vem  de fora.  No caso dos automóveis, a grande diferença em  relação aos que aqui são produzidos, pelas mesmas montadoras globalizadas,  é  a parafernália de tecnologias, todas elas rigorosamente supérfluas. Com a invasão chinesa, até estátua de Padre Cícero já está sendo vendida no Juazeiro   importada da China. Os chineses, sem duvidas, são engenhosos, criativos, mas, por que nos submetemos à comprar, sem discutir, todas as quinquilharias que para aqui eles mandam? Seria ainda aquele antigo complexo de vira latas ?

 Recusar importados desnecessários, e ao preço do produto nacional, não é atitude  de xenofobia, é proteção lícita e necessária ao emprego do trabalhador brasileiro. Quase todos os povos agem assim.   Quem visita os Estados Unidos engana-se com a suposta abertura que eles alardeiam em relação ao livre comércio, à globalização, uma das bandeiras acenadas pelo capitalismo. Acontece que durante um  largo tempo de expansão econômica as industrias americanas não conseguiam atender    á fome consumista dos seus cidadãos, e aí escancararam-se as portas  para  tudo o que era importado, uma boa parte  oriunda de multinacionais americanas espalhadas pelo mundo. Hoje, com a crise, os americanos  aderem em massa ao movimento visando priorizar o produto nacional.

 Um engenheiro sergipano,  Paulo Mário, professor doutor da UFS, fazia, há 10 anos, doutorado em mecânica na Universidade de  Lille.  Viajou 300 quilômetros e foi  a Paris participar de um jantar com amigos sergipanos que passavam pela capital francesa.  Entre um copo de vinho e outro, parecia preocupado,  e finalmente revelou o motivo: Havia adquirido um pequeno automóvel  usado de fabricação japonesa, e recebeu de um dos seus mais respeitados professores, uma admoestação disfarçada como advertência amiga:  ¨Mon  chèr,  amí  Paolo Marioo, (  foi dizendo o austero mestre)  logo você, que faz  doutorado  numa Universidade francesa, que tem este privilégio que lhe é oferecido pelo  nosso país, compra um veículo japonês ¨?

A rigor mesmo, nesse nosso consumismo do dia a dia,  só teríamos   que nos render ao produto importado  em poucas situações. No caso do Champagne, que,  não sendo  importado será apenas Espumante ( e o nosso já é muito bom ) do scotch,  por que de outra forma não seria escocês, da mostarda, que terá de ser francesa, preferencialmente de Dijon,   do óleo de oliva,    ( português, espanhol ou grego)  da Vodca,  obrigatoriamente russa, sueca ou finlandesa. De resto, aquelas confecções, ou  apenas quinquilharias asiáticas, de baixíssimo preço e qualidade mais baixa ainda ,  diante das quais a nossa indústria não consegue competir.

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