A TRAGEDIA DO VÔO 477 O PILOTO
¨PEDINDO LICENÇA ¨ AO COMPUTADOR
Três anos e três
meses depois, veio na quinta-feira dia 5 a explicação final sobre a tragédia do Air Bus da Air France, que fazia a rota Rio – Paris e despencou no Atlântico quase a
meio caminho entre a costa brasileira e a África. O relato, minuciosamente
técnico, identifica causas que abrangem o funcionamento da máquina e a condução
dela pelos seus operadores. Em ambos ocorreram falhas, mas, tanto a operadora como o fabricante procuraram sempre atribuí-las a um complexo cipoal de circunstancias fortuitas
com as quais a aeronave se deparou ao atravessar uma descomunal tempestade,
mais uma, entre tantas que se formam
naquela faixa paralela ao equador, a chamada Zona de Convergência Tropical. Pela descrição inicial da exagerada fúria dos
elementos, até parecia que cruzar o
oceano Atlântico ainda era uma aventura perigosa, como nos
tempos das caravelas, ou na primeira e
arriscada tentativa realizada pelos pilotos portugueses Gago Coutinho e
Sacadura Cabral. Todo santo dia a linha do equador é cruzada sem maiores
contratempos por centenas de aeronaves e navios. Desde o início levantaram-se suspeitas sobre o tubo pitot, aquele
aparelhinho antigo que equipava aviões nas primeiras décadas do século passado,
e que permanece como peça essencial nos
modernos e enormes jatos. O pitot seria o vilão da história.
Ele é apenas um simples tubo pelo qual o ar penetra e se transforma em
cifras exibidas no altímetro, informando
a distancia entre o avião e o nível do mar. O altímetro exige calibrações, mas esse já é
outro departamento. Os sofisticados sistemas de navegação por satélite ainda
não aposentaram o velho equipamento que
é sujeito a falhas, quando , nos níveis mais elevados de vôo a baixa temperatura externa provoca o congelamento, e o pitot
entupiria, não fossem ele, tal como a
asa e todas as peças moveis externas da aeronave permanentemente aquecidas. O sistema elétrico de aquecimento teria
falhado, e o pitot deixou de fornecer
informações essenciais no momento crítico em que o Air- Bus, voando acima de trinta mil pés, reduzira a velocidade para atravessar a
tormenta. No ar rarefeito a velocidade de stoll, ou seja, a mínima com a qual uma aeronave pode
sustentar-se voando sem despencar, aumenta.
Essa velocidade mínima cresce na proporção em que o avião ganha
altura. No instante em que ocorreu o
stoll o Air Bus estaria voando a uma
velocidade pouco acima do nível
de segurança, uma turbulência mais
forte, ou uma elevação do nariz do aparelho poderia gerar a queda. Mas há o
monitoramento permanente dos computadores,
que podem acelerar o avião sem a interferência do piloto, há todo um
sistema de alarme, de som e luzes, alertando o comandante. Houve, nesse
instante crucial, a intepretação equivocada dos computadores. A alta
tecnologia aeronáutica tornou desnecessária aquela habilidade que celebrizou grandes pilotos , autores de façanhas. Eles sobrevoaram os desertos africanos, atravessaram o Atlântico Sul, venceram os Andes, na saga que um piloto-escritor narrou
em Correio Sul, Vôo Noturno, Terra dos Homens. Saint- Exupery, Mermoz,
Guillaumet, a nata desses pioneiros franceses, nem
saberiam o que fazer na cabine de comando de um Air Bus, onde computadores substituem a pilotagem feita com
o manche, os pedais e os manetes de aceleração. No Air Bus de última
geração os pilotos têm de ¨pedir licença¨ aos computadores para assumirem
diretamente o comando. Foi exatamente
isso que aconteceu com o avião da TAM, naquela tragédia no aeroporto de
Congonhas. Já era tarde, quando a ¨licença ¨
foi concedida.
A Air France não disse
, a poderosa fabricante do Air Bus nunca
dirá, mas, naquele instante crucial em que o avião descia vertiginosamente e os
computadores se tornavam inócuos, perderam-se segundos fatais enquanto os pilotos tentavam assumir o comando. Quando finalmente seguraram o manche,
colocaram os pés sobre os pedais e acionaram as manetes, já se perdera um tempo precioso. Para completar a tragédia, os pilotos, agora
engenheiros de bordo, não eram treinados para enfrentar aquela situação, e
erraram. Naquele momento, um piloto de caça, um ás de acrobacia aérea como os
homens da nossa Esquadrilha da Fumaça, ou mesmo um Mermoz, um Exupery, um Guillaumet, aviadores do passado , acostumados a atravessar
nuvens, a voar em meio às tempestades e á escuridão, sem referencias,
sem horizonte, pilotos que, como se diz no jargão aeronáutico, ¨sentem o avião
na bunda ¨, poderiam ter evitado a tragédia.
Em resumo, por mais computadores que tenha um avião moderno, sempre poderá haver um momento em que a habilidade dos comandantes
será posta à prova. Por isso, eles precisam ser treinados para todas as
eventualidades possíveis e imagináveis, coisa que a Air France não fez e que a grande maioria das
companhias aéreas também não faz. Mas o relatório da BEA (Escritório para Investigação e Analises)
deixou acesa uma luz vermelha ,alertando as empresas e aos fabricantes sobre o
risco de negligenciar o fator humano ,
trocando o treinamento de pessoas pela crescente sofisticação das
máquinas. Por conta dessa concepção, acabaram no fundo do Atlântico passageiros
e tripulantes do vôo 477 da Air
France.
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