quinta-feira, 31 de maio de 2012

O ÚLTIMO DOS CONTROLADORES

O ÚLTIMO DOS CONTROLADORES

A lei de acesso à informação chega tarde no Brasil. Mas enfim  chegou, e para isso certamente tiveram de ser vencidos os obstáculos de uma secular cultura regida pelo patrimonialismo,  que terminou fazendo da administração pública uma inviolável caixa preta. Somos a nonagésima nação do mundo a adotar a lei que é fundamental para que  o cidadão comum não  continue sendo  aquele Zé Ninguém,    despossuído total de direitos, estrangeiro na sua pátria, e sem saber o que fazem dela.  A Suécia, sempre referência na valorização da cidadania, abriu o acesso às informações há mais de dois séculos,  quando criou o instituto do Ombudsman,   um funcionário público com mandato e  ampla prerrogativa de ser intrometido,  até para  perguntar e exigir respostas do rei, do primeiro ministro, dos parlamentares.  Não  ficaram satisfeitos os suecos apenas com a participação fiscalizadora de um só funcionário público, e fizeram mais,  abriram a todos a possibilidade  de, cheios de direitos, imiscuírem-se naquilo que sempre interessa muito ao cidadão: saber como está sendo governado, saber o que fazem com o seu país, com o dinheiro dos impostos que  que o governo arrecada. Em grande parte, essa  acessibilidade da população aos negócios do Estado foi responsável  pela evolução social do país.   A Suécia  é um modelo de social democracia que funciona, sem ter sido necessário passar por cataclismos políticos,  nem  fazer experiências  traumáticas como aconteceu no resto da Europa,  que adotou sistemas revolucionários, uns inspirados em generosas ideias que depois foram desvirtuadas, outros transformando históricos ressentimentos num manancial imenso de ódio.  O país  nórdico não é exemplo único, serve aqui apenas como referência do aperfeiçoamento político e social alcançado através de medidas que incentivaram a participação popular, aprofundaram a democracia, tentando fazê-la,  efetivamente,  uma forma de governo onde o povo tem uma presença garantida e fundamental.
  Na Escócia, registrou-se recentemente um episódio que, aqui no Brasil, poderá motivar as pessoas  vítimas de um precário atendimento da rede de saúde pública a fazer um questionamento   válido para  identificar uma das inúmeras mazelas  existentes.
Um escocês que já sofrera danos irreversíveis no seu corpo em consequência de  procedimentos médicos, utilizou-se da lei de acesso à informação para pedir  que o sistema público de saúde colocasse à disposição de  todos uma espécie de prontuário de cada médico, discriminando, por exemplo, quantas cirurgias ele realizou, e quantos pacientes morreram ou sofreram sequelas, sob seus cuidados.   Houve inicialmente uma negativa, mas a Justiça determinou que o cidadão fosse atendido. Depois disso, registrou-se uma sensível redução na cifra de erros médicos, de falhas, de omissões no sistema de saúde escocês, que ,aliás,  opera num elevado nível de eficiência.
 Caso  já existisse uma lei de acesso à informação no Brasil, há cerca de 50 anos passados, coisa absolutamente inimaginável, se teria evitado em Aracaju a calamidade de óbitos em cirurgias, que se verificava no Hospital Santa Izabel.  Àquele hospital,  chegavam as poucas pessoas  pobres do interior que  conseguiam atendimento.  Depois de  alguns exames básicos, eram imediatamente operadas,  e  mais de trinta por cento morriam na sala de operações ou logo depois.  Um  cirurgião recém- formado chegou ao Santa Izabel,  e ficou alarmado com as cifras da mortalidade. Era Francisco Rollemberg,  que passou então a exigir exames mais detalhados em todos os pacientes  pobres vindos  do interior. Descobriu-se, então, que quase todos sofriam de anemia profunda,  causada por má nutrição ou fome crônica.  Antes da cirurgia todos  começaram a ser submetidos a uma alimentação mais completa, recebiam medicamentos durante algum tempo . Somente depois disso  as cirurgias eram realizadas. Houve uma queda vertiginosa na mortalidade, o que se deve também , certamente,  à habilidade já  então revelada pelo jovem médico.
A Lei de Acesso à Informação  é assim, em primeiro lugar, um instrumento eficaz de defesa dos interesses de toda a população. Com esta nova lei não se poderá garantir que a corrupção estaria vivendo  os seus últimos dias, mas, sem dúvidas,  a fiscalização direta exercida pelo povo criará uma barreira para os que se habituaram a manipular como bem entendiam os cofres públicos.
 O povo passa a partir de agora a ser um agente ativo de fiscalização,  assumindo  o papel do último dos controladores, ou seja, aquele que pode pedir e exigir que sejam fornecidas informações pelos três poderes, inclusive dos que controlam esses três poderes, como as Controladorias Gerais, os Tribunais de Contas e o Ministério Público.
Resta agora esperar que cada cidadão  saiba utilizar-se da prerrogativa nova que a lei lhe confere.
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário