A Globo, empenhadíssima na disputa acirrada por audiência, aderiu de vez ao jornalismo investigativo, que gera escândalos, mas, por outro lado, algumas vezes presta bons serviços à sociedade. Foi o caso daquela matéria exibida no domingo passado pelo Fantástico. Mostrou-se de forma completa um esquema de corrupção, com licitações fraudadas, concorrências pré-combinadas para serviços prestados a hospitais do Rio de Janeiro. Poucas vezes o descaramento se exibiu tão cínica e explicitamente. Houve comoção, pronunciamentos veementes de autoridades, promessas de investigações, uma indignação nacional.
Mas como, estão roubando a comida dos doentes nos hospitais?
Esta tsunami de revolta logo passa. Completam-se as investigações, se faz o inquérito que vai à Justiça. Aí começa o caminho da impunidade, pela frouxidão das leis e a inevitável lentidão diante das dezenas de recursos permitidos.
O que se descobriu, o que se revelou nas conversas impudicas de experimentados cafajestes, foi tão somente a ponta do icberg. A massa imensa, submersa, ou oculta, exatamente pela fragilidade ou inoperância dos órgãos fiscalizadores, tem a dimensão dos oito milhões e meio de quilômetros quadrados, a superfície inteira do país. Para que se esquadrinhe todo esse descomunal icberg, terá de haver mudanças profundas, de inicio, trocando-se a formalidade pomposa dos Tribunais de Contas, por práticas mais eficientes e produtivas, com a primazia do diagnóstico técnico sobre a visão política. Para roubo, assalto aos cofres públicos não há outra consideração que não seja a apuração rápida e a punição célere. Como isso não acontece hoje, e nada indica que acontecerá amanhã, ficaremos por muito tempo nos escandalizando com a exposta ponta do iceberg, às vezes, nos iludindo com a sensação de que começou de fato uma depuração abrangente e definitiva.
Também no domingo passado, mas desta vez na Record, era exibido um programa onde um repórter acompanhava agentes do IBAMA pelo interior baiano à cata de passarinheiros. Resolveram invadir choupanas miseráveis onde viviam algumas pessoas que pegavam passarinho para vender, um hábito por muitos ainda considerado normal. Em outros casebres apreendiam passarinhos criados em gaiolas. Os agentes com ares de quem estava a resolver os problemas mais cruciais da nossa preservação ambiental, aplicavam multas, uma delas chegou a 17 mil reais, os multados apenas riram e disseram: ¨isso é multa para madeireiro, nós somos apenas passarinheiros.¨ A casa onde viviam nem valia um terço da multa. Numa casa havia um papagaio, um desses louros de estimação. Os agentes enxergaram um grave crime ambiental, porque, além de tudo, o papagaio preso estava com o rabo cortado, sinal de maltrato. Apreenderam o bicho. A dona chorava, pedia pelo amor de Deus que não levassem o lourinho que ela criava e a quem até dava leite todas as manhãs. Não houve jeito, era crime ambiental e pronto. Aplicaram mais uma multa e lá se foram arrogantes com o papagaio, que, se for solto morre, porque desacostumou-se a viver livre, e o destino dele será ficar preso, como antes, só que num viveiro do IBAMA. Saíram compenetrados os fiscais, certos de que haviam ajudado a garantir a incolumidade da natureza, enquanto o repórter, em tom triunfalista, proclamava o pleno sucesso de uma ação vitoriosa dos agentes encarregados de por fim ao tráfico criminoso de animais.
Enquanto isso, na mais charmosa artéria de Barcelona, a Rambla, há um local onde vendem-se pássaros e animais de todo o mundo, e nas gaiolas está escrita a procedência. Lá, podem ser comprados por 2, 3, até 5 mil euros, araras vermelhas, azuis, amarelas, e até mico leão dourado, procedentes do Brasil. Quem aqui os captura e os leva ao exterior, certamente não vive em nenhum daqueles barracos que foram invadidos e seus moradores humilhados pelos agentes do IBAMA.
É o nosso mal, nos acostumamos a enxergar apenas a ponta do iceberg.
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