Neste domingo, dia 31 de março,
dez coronéis paraquedistas reformados do exército brasileiro, devem fazer um
salto comemorativo e também provocador.
Planejam despencar-se de uma
aeronave, segurando juntos uma imensa
bandeira brasileira . Aterrissarão na praia de Ipanema no Rio de Janeiro. O local escolhido para o salto, certamente garantirá a notoriedade que os
militares desejam dar ao gesto que carrega um simbolismo pesado de
frustração e ressentimento, tudo devidamente disfarçado com a aura de
uma patriotada que, por 21 anos, serviu
de pretexto para legitimar o mais duro período de repressão que a História do Brasil registra.
A grande maioria dos brasileiros
vivos hoje, nem havia nascido naquele 31
de março, quando iniciou-se em Minas
Gerais o movimento sedicioso. No dia
seguinte, primeiro de abril, o levante
já se tornara vitorioso. Era o ¨
golpe militar¨ ou a ¨ revolução
redentora,¨ denominações diversas que serviriam como rótulo a identificar a
tendência ideológica de quem as utilizavam, numa polarização da qual se valiam os órgãos da
repressão para facilmente identificar seus adversários, e vítimas.
Os que chegaram ao poder montados
em tanques, cavalos e exibindo baionetas,
começaram cometendo o terrível equivoco de classificar os brasileiros em duas
categorias: os bons e os maus. Bons,
eram os que se identificavam com o
regime de força, a ele serviam ou convenientemente se submetiam, maus,
eram todos os que simplesmente discordavam, esperando ter o direito elementar de qualquer
cidadão, negado, todavia, pelos donos
do poder, que, na discordância natural
em qualquer sociedade civilizada, identificavam a insidiosa presença do comunismo,
da subversão, ameaças à segurança do Estado. A forma maniqueísta como
enxergavam o conjunto da sociedade, logo estimularia a montagem de uma poderosa
engrenagem repressora que foi institucionalizada como um dos pilares
básicos do regime militar. Para aperfeiçoar essa máquina de espionagem,
denúncia e violência, chegaram ao Brasil assessores estrangeiros. A Polícia
Militar de Sergipe , por exemplo , hospedou um deles, o norte-americano agente da CIA, Dan
Mittrione, especializado em métodos ¨científicos ¨ de tortura para extrair
confissões. A máquina totalitária
impedindo a livre manifestação do
pensamento, cassando mandatos, proibindo o direito de reunião, censurando
rigorosamente os meios de comunicação e os espetáculos, castrando o pensamento
livre, policiando sindicatos e
universidades, fez desaparecer do país
qualquer vestígio do Estado Democrático de Direito. Num determinado período de vigência do Ato
Institucional , n 5 chegou-se a suspender o habeas corpus, foram criados a pena de morte, o banimento do
país, o confisco sumário de bens. A atmosfera absurdamente opressiva, segundo
proclamavam os porta-vozes da caserna, quase sempre civis, fazia-se necessária, para ¨preservar a
democracia e as tradições cristãs do povo brasileiro¨. Diante de todas as portas e janelas que se
fechavam para a liberdade, brasileiros
mais impetuosos e dispostos ao sacrifício recorreram corajosamente à luta
armada. Os que pegaram em armas, eram, na sua grande maioria jovens, entre 18 e 25
anos. Foram quase todos mortos. No Araguaia, onde o punhado de
improvisados guerrilheiros, quase
desarmados, já fugiam pela selva, a ordem foi exterminá-los. As tropas desproporcionalmente superiores,
trataram os desastrados combatentes
juvenis como se fossem estrangeiros perigosos infiltrados na
Amazônia brasileira, e agiram imitando
os métodos de extermínio usados pelos
nazistas durante a ocupação de países do leste europeu.
As lembranças daqueles tempos não são boas. Ditaduras desconhecem a tolerância, negam-se
a dialogar, a respeitar direitos, odeiam o pensamento livre. A última ditadura
brasileira seguiu o modelo de todos os regimes de força, e deixou seu rastro de intolerância, de sangue,
de sofrimentos. Decorridos 27 anos desde o seu fim, e exatamente hoje, 48 anos do seu início, há muito o que recordar, e nada a comemorar. Qualquer comemoração se transforma em acinte,
em desrespeito, em afronta à consciência livre de todos os brasileiros. Mas
quem resolve comemorar, deve ter todo o direito de fazê-lo, ao contrário do que
ocorria na ditadura, quando qualquer
protesto no dia primeiro de abril, era sufocado, e os manifestantes enquadrados
na monstruosa lei de segurança nacional.
Que os coronéis livremente saltem exibindo a bandeira, talvez, alguns entre
eles tenham sido até idealistas, descrentes na democracia, porém,
acreditando que através de uma imensa ordem unida resolveriam os problemas
brasileiros. Com o passar do tempo,
agora velhos, deveriam ter cultivado a
virtude da reflexão, e descoberto, finalmente, que ao invés de arrogantes bravatas aéreas, seria melhor que se pusessem a ensinar aos netos lições sapientes de amor, de
tolerância, de entendimento entre as pessoas,
para que eles sejam parte integrante de um Brasil novo, sem saudosismos ,
muito menos ódio, onde um imenso abraço
de paz e liberdade, abrigue as
etnias, as diversidades, acaricie todas as formas de pensar, de
acreditar, e de agir.
Pena que as cores da bandeira conduzida pelos desafiantes paraquedistas septuagenários e
lamentavelmente empedernidos, se forem
mostradas na televisão, não possam ser vistas, por exemplo, por um brasileiro
trabalhador e digno, Milton Coelho, hoje
cego, consequência dos desmandos do
regime do qual os coronéis sentem saudades, e até
ousam homenagear, e do qual, talvez os
seus netos, se souberem a verdade sobre
o que aconteceu naquele período em nosso país, certamente dele sentirão muito nojo.
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