sábado, 31 de março de 2012

OS CORONEIS , A BANDEIRA, E QUEM NÃO PODE ENXERGÁ-LA


Neste domingo, dia 31 de março, dez coronéis paraquedistas reformados do exército brasileiro, devem fazer um salto comemorativo e também provocador.  Planejam  despencar-se de uma aeronave, segurando juntos  uma imensa bandeira brasileira . Aterrissarão na praia de Ipanema no Rio de Janeiro.  O local escolhido para o salto,  certamente garantirá a notoriedade que os militares desejam  dar ao  gesto  que carrega um simbolismo  pesado de  frustração e ressentimento, tudo devidamente disfarçado com a aura de uma patriotada que, por 21 anos,  serviu de pretexto para legitimar o mais duro período de repressão  que a História do Brasil registra.
A grande maioria dos brasileiros vivos hoje, nem havia nascido naquele  31 de março,  quando iniciou-se em Minas Gerais o movimento sedicioso.  No dia seguinte, primeiro de abril, o levante  já se tornara vitorioso.   Era o ¨ golpe  militar¨ ou a ¨ revolução redentora,¨ denominações diversas que serviriam como rótulo a identificar a tendência ideológica de quem as utilizavam, numa  polarização da qual se valiam os órgãos da repressão para facilmente identificar seus adversários, e vítimas.
Os que chegaram ao poder montados em tanques, cavalos e  exibindo baionetas, começaram cometendo o terrível equivoco de classificar os brasileiros em duas categorias: os bons e os maus.  Bons, eram os que se identificavam com o  regime de força, a ele serviam ou convenientemente se submetiam, maus, eram todos os que simplesmente discordavam,  esperando ter o direito elementar de qualquer cidadão,    negado, todavia, pelos donos do poder,  que, na discordância natural em qualquer sociedade civilizada, identificavam a insidiosa presença do comunismo, da subversão, ameaças à segurança do Estado. A forma maniqueísta como enxergavam o conjunto da sociedade, logo estimularia a montagem de uma poderosa engrenagem repressora  que  foi institucionalizada como um dos pilares básicos do regime militar. Para aperfeiçoar essa máquina de espionagem, denúncia e violência, chegaram ao Brasil assessores estrangeiros. A Polícia Militar de  Sergipe , por exemplo ,  hospedou um deles, o  norte-americano agente da CIA, Dan Mittrione,  especializado em métodos  ¨científicos ¨ de tortura para extrair confissões.  A máquina totalitária impedindo  a livre manifestação do pensamento, cassando mandatos, proibindo o direito de reunião, censurando rigorosamente os meios de comunicação e os espetáculos, castrando o pensamento livre, policiando  sindicatos e universidades,  fez desaparecer do país qualquer vestígio do Estado Democrático de Direito.  Num determinado período de vigência do Ato Institucional , n 5 chegou-se a suspender o habeas corpus,  foram criados a pena de morte, o banimento do país, o confisco sumário de bens. A atmosfera absurdamente opressiva,   segundo  proclamavam os porta-vozes da caserna, quase sempre civis,   fazia-se necessária, para ¨preservar a democracia e as tradições cristãs do povo brasileiro¨.   Diante de todas as portas e janelas que se fechavam para a liberdade,  brasileiros mais impetuosos e dispostos ao sacrifício recorreram corajosamente à luta armada.  Os que pegaram em armas, eram,  na sua grande maioria jovens, entre 18 e 25 anos.  Foram quase todos  mortos. No Araguaia, onde o punhado de improvisados guerrilheiros,  quase desarmados, já fugiam pela selva, a ordem foi exterminá-los.   As tropas desproporcionalmente superiores, trataram os desastrados combatentes  juvenis como se fossem estrangeiros perigosos infiltrados na Amazônia  brasileira, e agiram imitando os métodos  de extermínio usados pelos nazistas durante a ocupação de países do leste europeu.
As lembranças  daqueles tempos não são boas.   Ditaduras desconhecem a tolerância, negam-se a dialogar, a respeitar direitos, odeiam o pensamento livre. A última ditadura brasileira seguiu o modelo de todos os regimes de força,  e deixou seu rastro de intolerância, de sangue, de sofrimentos. Decorridos 27 anos desde o seu fim, e exatamente  hoje, 48 anos do seu início, há muito  o que recordar, e nada a comemorar.  Qualquer comemoração se transforma em acinte, em desrespeito, em afronta à consciência livre de todos os brasileiros. Mas quem resolve comemorar, deve ter todo o direito de fazê-lo, ao contrário do que ocorria na ditadura,    quando qualquer protesto no dia primeiro de abril, era sufocado, e os manifestantes enquadrados na monstruosa lei de  segurança nacional. Que os coronéis livremente saltem exibindo a bandeira, talvez, alguns entre eles tenham sido até idealistas, descrentes na democracia,   porém, acreditando que através de uma imensa ordem unida resolveriam os problemas brasileiros.   Com o passar do tempo, agora velhos, deveriam  ter cultivado a virtude da reflexão, e descoberto, finalmente, que ao invés de  arrogantes bravatas aéreas,   seria melhor   que se pusessem a   ensinar aos netos lições sapientes de amor, de tolerância, de entendimento entre as pessoas,  para que eles sejam parte integrante de um Brasil novo, sem saudosismos , muito menos ódio, onde  um imenso abraço de paz  e liberdade,  abrigue as  etnias, as diversidades, acaricie todas as formas de pensar, de acreditar, e de agir.
Pena que  as cores da bandeira conduzida pelos  desafiantes paraquedistas septuagenários e lamentavelmente empedernidos,  se forem mostradas na televisão, não possam ser vistas, por exemplo, por um brasileiro trabalhador e digno,  Milton Coelho, hoje cego,  consequência dos desmandos do regime do qual os coronéis sentem saudades,  e  até ousam homenagear, e do qual, talvez  os seus netos,   se souberem a verdade sobre o que aconteceu naquele período em nosso país, certamente  dele sentirão muito  nojo.       

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