segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

SALÁRIO MÍNIMO ONTEM E HOJE

Nem sempre o anúncio de um novo salário mínimo foi coisa pacífica, admitida como parte normal da vida político-administrativa do país. Getúlio Vargas, criador do mínimo, cercava de grande aparato o anúncio anual que fazia todo dia primeiro de maio, tendo como cenário o campo de futebol do Vasco da Gama, o São Januário, o maior do Rio de Janeiro, capital da República. O ditador sabia manipular o sentimento das multidões.  Lourival Fontes, o Doutor Goebels do regime do Estado Novo, exercia absoluto controle sobre a mídia, amordaçada ou domesticada, e antegozava as manchetes no dia subsequente à revelação de quanto seria o salário novo. O sergipano Fontes armava o suspense, preparava tudo com muita antecedência. Era um Hitchcok do marketing político oportunista.  Emprenhava as colunas com notinhas, expondo as dificuldades que enfrentava o governo para dar aos trabalhadores um salário que compensasse, plenamente, os números da carestia de vida. Embora vivêssemos um período ditatorial em que o governo forte exercia total controle sobre as instituições despedaçadas e a sociedade submissa, as notas adredemente preparadas pelos escribas do Departamento de Imprensa e Propaganda, denunciavam conspirações contra os trabalhadores brasileiros. Os setores reacionários buscavam impedir as conquistas da classe obreira, mas, o presidente Vargas saberia ultrapassar todos os obstáculos e asseguraria ao trabalhador um salário condigno. Dito e feito, no Dia do Trabalho,   lá estava, na tribuna de honra do São  Januário, o baixinho barrigudo a começar seu discurso: ¨Trabalhadores do Brasil¨........
 Feito o anúncio, mais uma vez o Goebels tupiniquim entrava em cena. Fazia divulgar uma vistosa relação de bens que poderiam ser adquiridos com o mínimo. Constavam itens como educação, saúde, lazer, aluguel, água, luz, e ainda havia como colocar manteiga no pão do assalariado.  Era o poder aquisitivo do salário exagerado ao extremo pelo otimismo oficial.  O mínimo daquele tempo valia quase duas vezes o de hoje, este novo, de 622 reais que o governo agora decretou, sem que a presidente Dilma se desse ao trabalho de fazer, ela mesma, o anúncio. Até porque, não existe boa nova a ser tornada pública, apenas um salário que este ano incorporou, como a presidente Dilma havia prometido, o crescimento do PIB do ano passado, compensando o reduzido reajuste do anterior, que sofreu os efeitos da crise de 2008. O salário mínimo era objeto de uma acirrada disputa entre duas correntes divergentes. Para os extremamente conservadores em política e economia, o mínimo era um instrumento da demagogia populista, enquanto, para os monetaristas ortodoxos, era uma heresia escancaradamente inflacionária.  Aumentar salário equivalia, na visão de um ultra-ortodoxo economista como Eugênio Gudin, a ganhar por decreto, e perder pelo inevitável mecanismo do mercado, que, com excesso de moeda em circulação, causaria a elevação dos preços. Esse choque de posições tornou-se extremamente acirrado quando , em 1950, Getúlio retornou ao poder pelo voto popular, prometendo rever a política mesquinha e impopular do governo Dutra, e retornar aos bons tempos do mínimo subindo além da inflação.  Assumindo em 1951, Getúlio começou a cumprir a promessa, todavia, em doses homeopáticas, até que, em fevereiro de 53, o seu Ministro do Trabalho Jango Goulart, entendendo que os trabalhadores haviam acumulado perdas, anunciou antecipadamente um reajuste de cem por cento no salário a ser concedido por Getúlio a partir de maio.
Foi um Deus nos acuda. As chamadas classes produtoras entraram em pânico, a grande imprensa encarregou-se de colocar lenha na fogueira que, não tardou, foi crepitar nos quartéis. Aproveitando-se da compressão salarial que sofriam os militares há muito tempo, um  grupo de oficiais seduzidos pela banda de música da UDN, a entoar os hinos marciais do golpismo, se pôs em marcha e lançou o Manifesto dos Coronéis.  Era a quartelada posta num pedaço de papel que toda a grande imprensa reacionária e com forte aversão a tudo que fosse povo, logo tratou de dar ampla repercussão, e a exacerbar mais ainda os ânimos.  Jango caiu, Getúlio cedeu, exonerando o ministro acusado de conluio com os comunistas, mas, no dia primeiro de maio anunciou o novo mínimo com aumento de 100%. Acirraram contra ele os ódios que se desencadeariam em agosto de 54 levando-o ao suicídio.
Hoje, o salário mínimo é recebido com o mesmo sentimento, tanto pelos trabalhadores como pelos empresários, estes últimos aprenderam que o salário pago sempre retorna com o consumo em alta e a economia andando. Ultrapassamos, felizmente, uma fase paleolítica de atraso, estupidez e ignorância, que contaminavam a política e também os quartéis. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário